“Fui despejado e vivi três anos na rua, mas consegui me reinventar. Hoje, sou dono de uma empresa de transporte por aplicativo”

Sérgio Brito - 15 jul 2022
Sérgio Brito, fundador da Te Levo Mobile.
Sérgio Brito - 15 jul 2022
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Nasci em Guaíra, no interior de São Paulo, em uma família muito grande, humilde e evangélica. As lembranças da vida naquela cidade ainda estão muito presentes em minha memória.

Nossa situação financeira era difícil, porém eu e meus sete irmãos não tínhamos consciência disso. Vivíamos brincando, sem nos preocupar com nada.

Conforme fui crescendo, passei a ter noção das coisas e da nossa realidade. Então, quando fiz 18 anos, comecei a procurar emprego.

Em uma dessas tentativas, vi uma Kombi que estava passando na rua e informava que precisavam de pessoas para trabalhar em uma colheita de café em Itamogi, em Minas Gerais.

O salário era atrativo, mesmo exigindo minha mudança para outro estado, então topei a empreitada. Chegando lá, consegui, com o dinheiro que fui juntando, alugar uma casa, comprar móveis e dar suporte financeiro para minha família.

No entanto, eu não sabia de uma coisa: o trabalho nas colheitas de café, por mais que fosse farto, era sazonal e diminuía em determinadas épocas do ano

Com isso, os empregos também cessavam. Eu lembro que as pessoas estocavam comida em casa, mas não entendia o porquê. Fui entender depois, quando me vi sem trabalho.

SEM DINHEIRO, FUI DESPEJADO E VIVI EM SITUAÇÃO DE RUA POR TRÊS ANOS

Com o fim da colheita, fiquei desempregado e passei a fazer uns bicos, mas o dinheiro foi acabando. Depois de um tempo, não tinha mais dinheiro nem para comprar créditos para falar com meu pais por telefone, muito menos para manter a casa que havia alugado.

Fui despejado e, na primeira noite, sem ter onde dormir, procurei me abrigar em um estádio da cidade, chamado Francisco Furtado de Medeiros.

Lembro que, por mais que o céu estivesse estrelado, a noite era fria. Tive muito medo, mas acreditava que aquilo seria algo passageiro e no outro dia eu estaria empregado.

Ainda que eu fosse otimista, a realidade não foi bem essa, infelizmente. Fiquei três anos em situação de rua, sofri preconceito por conta da minha aparência, além de passar por problemas de saúde por comer comida estragada

A vida nas ruas nos deixa vulneráveis e não temos certeza de nada, nem do amanhã. Ainda assim, me mantive longe das drogas e do álcool e mais perto da igreja, graças à minha fé em Deus. Eu frequentava cultos da Assembleia de Deus, em Itamogi.

MINHA FAMÍLIA NÃO DESISTIU DE MIM E ME BUSCOU NAS RUAS, DANDO UMA NOVA OPORTUNIDADE E RUMO PARA MINHA VIDA

Minha família começou a perceber o meu sumiço, mas meu pai, senhor Expedito, era um homem confiante na minha criação cristã.

Ele começou a me procurar nas igrejas da cidade e da região e, depois de uns meses nessa busca, um pastor o alertou que conhecia um rapaz com as minhas características.

Esse pastor intermediou tudo e depois de um longo período pude reencontrar meu pai. Quando nossos olhos se encontraram, me senti vivo, salvo e diante de um herói

Voltei para a casa da minha família e decidi procurar emprego. Sempre fui muito antenado nas coisas do mundo e uns amigos e familiares me incentivaram a participar de um concurso de modelo em Franca, no estado de São Paulo.

Os prêmios para os três primeiros colocados eram bolsas de estudos em Gastronomia. Mesmo sem torcida e experiência na área, fiquei em segundo lugar, como o único negro da competição!

A EXPERIÊNCIA COMO MOTORISTA DE APLICATIVO ME DEU A IDEIA DE EMPREENDER MEU PRÓPRIO APP

Fiz todo o curso e quando terminei comecei a trabalhar na cozinha do Grande Hotel Termas de Araxá (MG), onde passei a morar. Depois, com a chegada da pandemia da Covid-19, fui demitido e tive que me reinventar mais uma vez.

Passei a atuar como motorista de aplicativo. No primeiro dia, em três horas, fiz 70 reais. Finalizei um dia de serviço com 500 reais e cheguei a ter um faturamento mensal de 12 mil reais.

Pensei que seria um emprego temporário até eu encontrar algo fixo, mas essa experiência acabou mudando a minha vida.

Apesar dos ganhos serem bons até certo ponto, no dia a dia fui percebendo como eram altas as taxas praticadas pela empresa dona do aplicativo. E havia muitas falhas no sistema… Decidi então ter meu próprio aplicativo de mobilidade urbana, que hoje cobra uma taxa de 12% por corrida

O nome Te Levo Mobile apareceu para mim depois de um sonho. O projeto demorou um pouco para ser concretizado, pois nenhuma instituição financeira queria me conceder crédito.

Precisei continuar trabalhando normalmente e, a cada mês, comprava alguma coisa até o projeto se tornar viável financeiramente.

Trabalhava para sustentar a minha família, mas também para viabilizar a Te Levo — e nem por um momento pensei em desistir.

FUI JUNTANDO DINHEIRO AO LONGO DE UM ANO E MEIO ATÉ CONSEGUIR LANÇAR MINHA EMPRESA

Apesar de estar vivendo um sonho, durante a pandemia perdi uma das pessoas mais importantes da minha vida, o meu pai, por conta do coronavírus.

Para poupar minha família das dificuldades financeiras que eu estava enfrentando, só passava a eles mensagens positivas, sem falar do projeto do aplicativo… Compartilhei a novidade com eles apenas quando estávamos prestes a entrar em operação

O tempo entre ter o projeto em mente e começar a funcionar foi de um ano e meio. Depois de muito sufoco, preocupações, incertezas, mas sempre crendo que iria dar certo, fundei a Te Levo Mobile em janeiro deste ano.

Por não ter conseguido empréstimo com bancos, nós não tínhamos débitos e, em menos de seis meses, conseguimos recuperar o capital investido.

QUERO FAZER DIFERENTE DO QUE VEJO NO MERCADO, APOIANDO OS MOTORISTAS QUE COLABORAM COM O APLICATIVO

Tenho muito orgulho da minha empresa, porque além dos esforços feitos para que ela fosse um sucesso, os feedbacks dos clientes e a quantidade de downloads diários me fazem crer que estamos no caminho certo.

Todas as dificuldades que enfrentei na vida e tudo que eu passei não foi em vão. Por esse motivo, eu não penso só como empresário na hora de ter um motorista parceiro. Hoje, são quase 100 motoristas cadastrados e cerca de 3 850 clientes atendidos.

Nossa empresa é focada no bem-estar do trabalhador — e sei que se ele está bem, isso se transforma em um bom atendimento para o cliente.

Além de todo apoio, damos alguns benefícios para os condutores, como descontos em postos de combustível, troca de pneu, lanche da tarde, carro de apoio, lava rápido e oficina mecânica

Os clientes também não ficam de fora: participam de promoções e recebem descontos em diversos estabelecimentos da cidade.

MEU PLANO É EXPANDIR NOSSA ATUAÇÃO COM FRANQUIAS E GERAR IMPACTO POSITIVO

Meu projeto agora é transformar a Te Levo Mobile em uma franquia e expandir o nosso serviço para todo o Brasil, com uma taxa justa. Até o final deste ano, estaremos nas cidades de Patrocínio (MG) e Franca (SP).

Com o primeiro lucro da plataforma, criei o Instituto Expeditos, em homenagem ao meu pai. A ONG entrega apoio e alimento à população de rua da região

O tempo que passei nesta situação foi de muitas portas fechadas na cara. Por isso, agora que eu tenho uma empresa próspera, pretendo fazer a diferença na vida dessas pessoas — e na vida de quem busca uma oportunidade.

Entre os meus planos está empregar cada vez mais colaboradores, e dizer para eles o “sim” que não ouvi quando precisava.

 

Sérgio Brito, 42, é formado em Gastronomia. Fundou, em janeiro deste ano, a Te Levo Mobile, aplicativo de transporte que funciona em Araxá (MG).

 

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