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Fundadores da Trocafone, eles criaram uma nova startup de olho em outro desafio: como lidar com o estoque parado de grandes marcas

Marília Marasciulo - 28 jul 2025
Guillermo Arslanian (à esq.) e Guillermo Freire, fundadores da Trocafone e da BackChannel.
Marília Marasciulo - 28 jul 2025
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Estoques encalhados são um problema que afeta fabricantes e varejistas em diferentes setores — gerando impacto financeiro, logístico e ambiental. 

A BackChannel quer resolver esse desafio. Criada no fim de 2024 pelos argentinos Guillermo Arslanian e Guillermo Freire (fundadores também da Trocafone), a startup opera como um marketplace B2B privado. 

O objetivo é permitir que marcas grandes consigam vender seus excedentes de forma controlada, sem expor sua estratégia comercial nem comprometer seu posicionamento de mercado. Guillermo Freire afirma:

 “Nós olhamos indústria por indústria e identificamos que todos tinham problema de excesso de inventário, e não tinha ninguém na América Latina usando tecnologia para resolver”

Só na indústria da moda, todos os anos até 5 bilhões de peças de roupas — o equivalente a 140 bilhões de dólares em estoque encalhado — são descartadas, segundo o relatório The State of Fashion 2025, da Business of Fashion. 

Esse volume, em vez de circular, acaba incinerado, em lixões ou em desertos como o do Atacama, no Chile, agravando o impacto ambiental de um setor responsável por cerca de 10% das emissões globais de carbono. 

“Há 15 anos, com o boom das startups, vimos muita gente usando tecnologia para tentar resolver problemas que ninguém tinha”, diz o fundador. 

A dupla de sócios foi então conversando e afinando a proposta da nova empreitada:

“Queríamos criar uma empresa de verdade, que resolvesse o problema real e tivesse impacto real, seja ambiental ou socioeconômico. Com a BackChannel, ajudamos grandes empresas a recolocar produtos que incinerariam ou colocariam no lixo”

Hoje, a startup reúne mais de 50 grandes marcas e cerca de 2 mil compradores ativos. São mais de 1,5 milhão de itens listados na plataforma — um “estoque” avaliado em 145 milhões de reais —, com descontos que variam entre 60% e 80%, dependendo da categoria, sazonalidade e estado do estoque. 

A maior parte desses produtos vem dos setores de moda, cosméticos e decoração, mas a BackChannel já opera também com outras verticais, como calçados e cuidados pessoais. 

APÓS ESCALAR UM MARKETPLACE DE SMARTPHONES USADOS, ELES PERCEBERAM OUTRA OPORTUNIDADE DE NEGÓCIO

Tudo começou em 2013, quando Guillermo voltou para Argentina após um MBA no MIT pronto para empreender. 

“Estudei Economia, comecei a trabalhar em grandes corporações, como a Johnson & Johnson, e depois de cinco anos entendi que o mundo corporativo não era para mim”

No ambiente de empreendedorismo argentino, conheceu o outro Guillermo, que tinha uma trajetória parecida com a sua — engenheiro de formação, trabalhava na LAN Chile, mas queria empreender.

Juntos, eles decidiram olhar para o Brasil, um mercado mais aquecido que o argentino. “Analisamos diferentes oportunidades até chegar à ideia de Trocafone, um marketplace de eletrônicos usados”, conta. 

A ideia veio da percepção de uma contradição: enquanto 53 milhões de brasileiros que compravam smartphones todos os anos deixavam o antigo na gaveta, outros 100 milhões não tinham acesso aos aparelhos pelos preços altos. 

“Decidimos criar um marketplace onde as pessoas que queriam trocar smartphones poderiam vender para a Trocafone, eles passariam por um processo de reforma e então revenderíamos mais barato do que um novo”

No início, não foi fácil: além de um mercado informal e fragmentado, o conceito de “refurbished” ou “certified” ainda não existia no Brasil. 

“Tivemos que criar um novo mercado”, diz Guillermo. “O que existia era smartphone usado, e na mente das pessoas esse era um problema, porque poderia ter defeitos, tinha conotação muito negativa.”

Durante os doze anos em que estiveram à frente da Trocafone, além de fazerem a empresa decolar — em 2023, atingiu o faturamento de 415 milhões de reais —, os dois empreendedores tiveram contato com os bastidores das operações de grandes fabricantes.  

Trocas, devoluções, aparelhos de modelos anteriores: os fluxos eram constantes, mas os canais para escoar esse tipo de produto eram limitados, pouco estruturados e, muitas vezes, ineficientes. 

COMO A BACKCHANNEL FAZ O “MATCH” ENTRE NECESSIDADES DOS VENDEDORES E CARACTERÍSTICAS DOS COMPRADORES

No fim de 2022, os sócios deixaram a Trocafone para buscar a solução para esse novo desafio: uma plataforma que faz um “match” entre as necessidades dos vendedores e as características dos compradores, como explica Guillermo:

“Por exemplo, posso ter um seller que quer vender o excesso de inventário offline e longe de grandes capitais. Só os buyers que têm essas características podem comprar. Com isso, as marcas se protegem”

A confidencialidade é a alma do negócio. A BackChannel não divulga os nomes das marcas que usam a plataforma, nem permite que os lotes sejam listados publicamente. 

A lógica é escoar estoque sem queimar marca — e sem gerar atrito com os canais de venda oficiais, como multimarcas ou franqueados. Segundo os fundadores, essa abordagem evita a saturação de mercado e mantém o valor percebido dos produtos.

Para isso, a empresa aposta em dados e curadoria. Quando um comprador se cadastra na plataforma, precisa passar por um processo de verificação feito pela equipe comercial da startup. O objetivo é entender quem é esse revendedor, onde ele atua, como pretende operar. Só após essa análise é que o acesso aos lotes é liberado. 

Segundo Guillermo, a operação não depende de marketing ostensivo. Os compradores chegam via redes de contato, iniciativas de prospecção direta e interesse espontâneo após matérias na imprensa ou indicações no setor. 

Do lado das marcas, a entrada na plataforma costuma ser estratégica e parte de conversas com executivos interessados em soluções silenciosas, mas eficientes.

A BackChannel cobra uma taxa de cerca de 12% sobre cada transação e estuda incorporar, no futuro, soluções de crédito e financiamento para os compradores. 

Em vez de depender de grandes compras pontuais ou de liquidações isoladas, esses vendedores passam a ter acesso a um fluxo contínuo e estruturado de mercadorias com condições comerciais mais previsíveis.

DEPOIS DA VALIDAÇÃO INICIAL, O FOCO AGORA É A EXPANSÃO, CRIAÇÃO DE NOVOS SEGMENTOS E INTERNACIONALIZAÇÃO

Se na Trocafone foi preciso criar um novo mercado, na BackChannel a situação é quase oposta: trata-se de um mercado gigantesco que cresce rapidamente, segundo o fundador:

“O desafio é crescer rapidamente, mas de forma sustentável. Quando é muito rápido, os processos, as pessoas e a tecnologia não conseguem acompanhar”

 Em sua primeira rodada de investimentos, a empresa captou 17 milhões de reais com fundos como Cathay Latam, Preface Ventures, Positive Ventures, Silence VC, Norte Ventures e Latitud. Agora, buscam um novo aporte para ampliar categorias e funcionalidades, além de novos segmentos da indústria e da própria estrutura comercial da empresa.

 Ao todo, a BackChannel conta com cerca de 40 pessoas. Embora tenha sede no Brasil, a equipe é distribuída: as áreas comercial, de operações e finanças estão no país, enquanto a de tecnologia opera a partir da República Dominicana, onde vive o CTO da startup e parte significativa do time técnico. 

 Outra frente é a expansão geográfica. A BackChannel já opera com vendedores fora do Brasil e agora mira outros mercados da América Latina como destino para os estoques excedentes de marcas estrangeiras. 

A aposta é que esse fluxo, hoje tratado de forma informal ou ineficiente, possa ser estruturado como parte da cadeia comercial — antes que vire descarte.

 

 

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