São quatro meses com oito horas diárias de aulas focadas em metas, entrega, feedback e autoavaliações, aliados à parceria com empresas do porte de iFood, Quinto Andar e Unilever para contratação sem análise de currículo. Essa é a estratégia da edtech de impacto social Galena para formar e empregar jovens de escolas públicas com salários atraentes e registro em carteira.
“Cerca de 85% da população brasileira cursa a rede pública, mas esse público é justamente o que tem menos oportunidades no mercado de trabalho”, afirma Rodrigo Dib, cofundador e diretor de negócios na Galena, que emprestou o nome de um cristal composto de chumbo que representa a força necessária para vencer objetivos.
“Ao longo da minha trajetória, em conversas com empresas do Brasil inteiro, sempre ficou claro o interesse legítimo em trabalhar a agenda de impacto social, mas ao mesmo tempo há a necessidade de comprovação de investimento, e esse jovem ainda chega com pouca bagagem para se tornar um ativo importante.”
Dib fala com conhecimento de causa: trabalha há 20 anos na área de educação, em locais como Instituto Ayrton Senna. A expertise da Galena é reforçada pela experiência dos outros cofundadores: Eduardo Mufarej, por exemplo, é membro do conselho da empresa Alicerce Educação e fundou a escola de educação política RenovaBR. Já Guilherme Luz passou pela SOMOS Educação e foi CEO da Associação Nova Escola.
“É muito difícil pedir para que as empresas contratem um jovem de escola pública apenas pela pauta ESG. É preciso dar ao mundo empresarial e ao jovem uma outra perspectiva.”
Para oferecer essa nova visão, a proposta da Galena vai além da combinação formação técnica tradicional e busca por vaga no mercado. Para não arremessar o jovem em uma posição que exigirá habilidades do ambiente corporativo aos quais ele nunca foi exposto e das quais não tem qualquer referência próxima, como cumprimento rápido de metas e atuação com autonomia, a ideia é antes prepará-lo com as ferramentas necessárias para o cotidiano corporativo.
CONTRATAÇÃO BASEADA APENAS EM ENTREVISTA
Com duas turmas formadas seguindo esse conceito, a edtech já comprovou que a tarefa é possível. Em 2020, o primeiro teste contou com a participação de cinco empresas parceiras: iFood, Quinto Andar, Unilever, Stone e Dell. Foram 3 mil inscritos para 60 vagas, cujos únicos requisitos eram idade entre 18 e 24 anos e formação em escola pública. “Não importa se o jovem chega até nós com uma técnica pouco apurada”, garante Dib. “O que ele precisa ter é comprometimento e vontade de mergulhar naquele ambiente.”
Todos os jovens inscritos receberam orientação vocacional gratuita, com teste de perfil, interesses, raciocínio e estilos de trabalho, para descobrir suas fortalezas e pontos a serem desenvolvidos. Quem tinha predileção pelas áreas oferecidas – de atendimento e vendas, continuou no processo. Dos selecionados, 70% eram negros e 68%, mulheres.
As aulas do curso são totalmente online e ao vivo e seguem preceitos de formação assertiva e aculturamento. Não há provas, mas os alunos desenvolvem projetos com o acompanhamento de mentores.
Ao término do curso de quatro meses, entra em cena a ferramenta de matching da Galena, que funciona com um algoritmo capaz de associar os jovens ao perfil de profissional requisitado por cada empresa cliente. Tudo se baseia no tripé cultura, comportamento e técnica, ou seja, aquilo que a startup acredita ser fundamental para se dar bem na carreira.
Por fim, os futuros profissionais seguem para uma entrevista, realizada na proporção de um jovem para cada vaga, e a empresa deve dizer logo na sequência se efetivará a contratação ou não, sem analisar currículo. “Consideramos que as pessoas não são o que o papel diz, mas o que elas fazem no dia a dia”, acredita Dib.
“No início, as empresas estranhavam: ‘Você está me pedindo para contratar só com base no que vi na entrevista?’ Sim, a ideia é confiar e saber que tudo o que os jovens da Galena não têm no currículo já foi suprido por nosso programa, com capacitação de mais de 680 horas. Se você tem certeza de tudo antes, então não é oportunidade, é minimização de riscos.”
Ao final da primeira rodada, 100% dos jovens foram contratados. Após quatro meses, as empresas indicaram que o desempenho deles era superior ao de outros profissionais que iniciaram o trabalho na mesma data. O NPS (métrica de satisfação do cliente) foi de 96, de um máximo de 100.
A Galena trabalha para que as vagas disponíveis ofereçam salário de ao menos R$ 2 mil. Os jovens que são contratados pagam uma mensalidade retroativa de R$ 300 à Galena até atingir o valor de R$ 6 mil. Caso o contrato de trabalho seja encerrado durante esse período, o pagamento é interrompido. Já das empresas, a startup recebe R$ 4 mil por contratação.
Sem qualquer investimento em marketing, a segunda turma atraiu quatro vezes mais candidatos, 12 mil, e selecionou 200, que neste mês de março serão inseridos também em novas empresas – já aderiram ao programa companhias como XP, PetLove, Alice, Nubank, Cora e Caju Benefícios. A partir de agora, vagas na Galena serão abertas todos os meses. A ideia é finalizar o ano com 1.800 jovens empregados. Em 2023, serão 10.800 vagas de emprego em novas áreas, como tecnologia e marketing digital.
META É INSERIR PROFISSIONALMENTE 50 MIL JOVENS EM 4 ANOS
Os números são expressivos. A população jovem do país entre 15 e 29 anos é hoje de mais de 47 milhões de pessoas, de acordo com a pesquisa recente Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, promovida pelo Conselho Nacional da Juventude do Brasil, em parceria com Fundação Roberto Marinho, Unesco, Em Movimento, Mapa Educação, Rede Conhecimento Social, Porvir e Visão Mundial.
“Com nosso programa, as empresas conseguem incluir em seu quadro de funcionários pessoas diversas e, dessa maneira, não só respondem a uma agenda externa, mas também se humanizam, trazendo impacto social para o centro de sua operação.”
A meta principal da Galena agora é atingir o número de 50 mil jovens capacitados, formados e empregados de forma qualitativa nos próximos quatro anos. Esse crescimento deve servir como experiência e estímulo para expandir o programa para outros países da América Latina que enfrentam problemas sociais semelhantes ao do Brasil na formação e inclusão de jovens.
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