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Impacto exige pés no chão: como o Labora acelera negócios que melhoram a vida das pessoas

Jorge Callado - 4 jul 2019
Flávia Vianna, coordenadora do Labora: desafio de transformar criatividade em inovação disponível para todos (foto: Lucíola Villela).
Jorge Callado - 4 jul 2019
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Sobreviventes do terremoto no Haiti, em 2010, Mélanie e Bob Montinard (ela, francesa; ele, haitiano) vieram para o Brasil com os filhos e levaram cinco anos até que Bob conseguisse regularizar sua situação. O perrengue daquele tempo sem trabalho inspirou o casal a criar a Mawon, que presta serviços a imigrantes.

Com Robson Melo e Pedro Concy, a história começou quando eles estagiavam no departamento jurídico de uma grande mineradora. Ali, descobriram o sonho em comum de empreender com educação. Hoje, são sócios na Estante Mágica, que transforma alunos de escolas públicas e particulares em escritores-mirins.

Mawon e Estante Mágica são dois cases do Labora, o laboratório de inovação social do Instituto Oi Futuro (no Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro), que desde 2017 acelera negócios de impacto e impulsiona a cena da economia criativa carioca.

“Nosso desafio é entender os movimentos da sociedade e como contribuir para que a criatividade saia do papel e se transforme em inovação disponível para todos”, diz Flávia Vianna, coordenadora do Labora.

O Oi Futuro já tinha uma longa bagagem impulsionando ONGs e tecnologias sociais por meio do programa Oi Novos Brasis, que apoiou mais de 200 projetos. Muitos eram quase embriões de negócios de impacto, mas sem compromisso com lucro.

O Labora nasceu com outro paradigma, já no contexto da crise econômica e seus índices estratosféricos de desemprego. Diante desse cenário, o time do instituto se lançou num brainstorming de auto-reinvenção. “Foi uma construção provocativa, que mexeu com a cabeça da gente”, diz Flávia. “E continua mexendo.”

A estreia se deu em junho de 2017. Numa parceria com o Yunus Negócios Sociais, o Labora lançou uma aceleração-relâmpago de três meses e cinco startups. Entre elas, a recifense Recicletool, de coleta automatizada de resíduos, e a paulistana Diaspora.Black, uma rede de anfitriões e viajantes interessados na cultura negra.

As startups tiveram seus modelos de negócio testados e revirados do avesso. A 818, por exemplo, pivotou e hoje atende por Orbita; a energy tech carioca conecta locadores e locatários de energia solar produzida nos telhados dos usuários.

Aquele ciclo foi só o começo. Logo em seguida, o Labora disparou, com o Instituto Ekloos, um edital para incubar 15 organizações (como coletivos culturais, cineclube, oficina de teatro) e acelerar cinco negócios de impacto cultural, por nove meses.

Reduzir custos para impactar mais

Um dos acelerados naquele ciclo foi a Estante Mágica. Sua plataforma é usada por professores em sala de aula para incentivar os alunos em projetos de escrita. Os textos e as ilustrações das crianças são depois digitalizados e convertidos em e-books e livros impressos, com direito a tarde de autógrafos na escola.

A monetização vem da venda dos livros em papel, que variam de 39 reais (capa mole) a 59 reais (capa dura). Fundada em 2012, a startup já mudou de escritório algumas vezes e vem dobrando de tamanho e faturamento ano a ano. Nessa onda, teria sido fácil perder as rédeas do negócio:

“Quando a aceleração começou, a gente estava num momento crucial”, diz Robson Melo, sócio que acumula as funções de diretor de educação e diretor de gente. “Vínhamos crescendo muito e precisávamos administrar bem esse crescimento, para continuar em uma pegada exponencial.”

Robson Melo, da Estante Mágica, na sessão de pitching no Experiência Labora (foto: Lucíola Villela).

Durante nove meses, os empreendedores foram bombardeados com conteúdos, palestras e mentorias que instigavam a definir processos, prioridades, propostas de valor. Como deveriam medir seu alcance? Aonde pretendiam chegar? Provocações assim se sucediam.

Uma das metas da Estante Mágica, conta Robson, era (e é) expandir cada vez mais sua presença nas escolas públicas:

“Levamos a questão para o Labora e recebemos de volta uma provocação: antes de pensar em ampliar, vocês precisam pensar em se manter. Isso mudou o nosso mindset”, diz Robson.

“Foi um aprendizado importante: aumentar o impacto, crescer e democratizar o acesso implica em garantir [antes] a sustentabilidade do negócio.”

A partir de feedbacks como esse, a Estante Mágica ajustou o foco para investir em tecnologia, otimizar seus processos, reduzir custos e impactar mais gente. O lucro é revertido para o crescimento da startup, que se mantém sem investimento externo. Hoje, são 120 funcionários – e a expectativa é chegar a 200 ainda em 2019.

O faturamento em 2018 bateu em 16 milhões de reais. E olha que, pensando bem, essa nem é a cifra mais impressionante. Presente em 4.300 escolas (800 públicas), a Estante Mágica soma 650 mil livros produzidos e algo como 1 milhão de cópias impressas – muitas famílias encomendam mais de um exemplar.

Isso é impacto de verdade. Métrica nenhuma quantifica o valor de uma iniciativa que estimula centenas de milhares de crianças em todo o Brasil a reconhecer, por meio da escrita, o poder de sua própria imaginação.

Metamorfose de ONG em empresa

O desejo de ajudar o outro é o motor da trajetória de empreendedorismo do casal Bob e Mélanie Montinard, sócios da Mawon, que vem sendo acelerada pelo Labora em um programa de 18 meses, com parceria técnica da Startup Farm.

Com mestrado em Direito Internacional, Mélanie trabalhava em projetos de proteção a crianças em Porto Príncipe, no Haiti, onde Bob atuava como mediador de conflitos comunitários e reintegrando jovens envolvidos com o crime. Até que o terremoto de janeiro de 2010 arrasou o país e sacudiu suas vidas.

“Por conta dessa dor que vivenciaram, eles conseguiram mapear todo o trajeto que um imigrante precisa fazer para se regularizar no Brasil”, diz Flávia, do Labora.

O casal chegou ao Rio no fim de 2010. A partir de 2012, a Mawon começou a atuar como ONG, uma associação que acolhe, integra e orienta imigrantes em meio aos trâmites burocráticos de regularização no país.

Com o tempo, ficou claro que o modelo de ONG, com sua dependência de doações e editais, restringia o potencial de impacto. Em julho de 2018, a Mawon começava a ser acelerada pelo Labora, visando um novo modelo de atuação.

Mélanie lembra seu “desespero” ao pensar que todos os demais empreendedores acelerados estariam em nível muito à frente: “Eu cheguei lá pensando: meu Deus, eu vou ser a única perdida!”. Aos poucos, percebeu que não estava sozinha, e que as dúvidas que ela tinha não eram só dela.

Da esq. à dir.: Mélanie Montinard, Graziele Vieira e Bob Montinard, da Mawon (foto: Lucíola Villela).

A metamorfose está só no começo. Desde outubro de 2018, a Mawon vem atuando como uma empresa, vendendo seus serviços de documentação. É um modelo ainda híbrido, em que os lucros são repassados para a associação que oferece serviços complementares, como aulas de português e capacitação para empreendedorismo.

Segundo Mélanie, 450 clientes foram atendidos desde outubro. Um dos desafios, hoje, é afirmar-se perante o público como um negócio de impacto social:

“Algumas pessoas nos veem como despachantes, outros pensam que somos uma associação que ajuda refugiados… Não estamos aqui para fazer assistencialismo. Estamos trabalhando com histórias de vida, com o jeito de viver das pessoas.”

A CEO da Mawon conta como o Labora transformou o seu olhar. Um ponto-chave foi a abertura para a crítica construtiva, fundamental para qualquer negócio evoluir:

“Você tem que se abrir e aceitar as críticas, porque é assim que vai poder crescer. Essa é uma mensagem que a Flávia [Vianna] falou desde o primeiro dia, e que me tocou muito. Hoje, eu sou outra pessoa.”

Exercitar a empatia, a esperança e a solidariedade – mas sem tirar os pés do chão. Esse é um aprendizado essencial para todo empreendedor disposto a fincar raízes sólidas e intensificar o impacto de seu negócio junto à sociedade.

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