Imagine uma escola de pescaria no centro de uma vila. Ali, alunos, professores e outros trabalhadores são pessoas da comunidade que não conseguem manter a estrutura do lugar ou oferecer aulas por falta de recursos e de conhecimento.
Apoiar essa escola para que ela siga em sua missão não envolve apenas “dar o peixe” ou “ensinar a pescar”, como diz a ultrapassada expressão popular. Trata-se de contemplá-la de forma completa: oferecer as varas e compartilhar técnicas de como negociar novas aquisições no futuro, comprar também o anzol e outros equipamentos necessários e promover cursos que ensinem sobre as técnicas de pescaria e as diferenças entre os peixes e seus valores nutricionais.
O olhar sistêmico para a filantropia é o foco do segundo de três eixos estratégicos que norteiam as ações de enfrentamento aos principais desafios do Instituto Sabin, acompanhados nesta série de reportagens de NetZero sobre “O fortalecimento dos ecossistemas de impacto” (os outros dois eixos estratégicos do Instituto Sabin são promoção da saúde integral e do bem-estar e engajamento social e filantropia).
Essa maneira de enxergar e praticar a filantropia também representa a evolução do estilo de atuação da instituição, de acordo com Gabriel Cardoso, gerente-executivo do Instituto Sabin:
“Começamos com um trabalho assistencialista e de apoio, com voluntariado corporativo e ações urgentes e emergenciais, especialmente na área de saúde, por causa de nosso DNA – como ficou evidente na pandemia. Aos poucos, evoluímos para uma filantropia mais estratégica, que realiza e apoia ações com foco em abordagens mais sistêmicas e estruturais.”
Balizado pela teoria de sistemas, que entende o ecossistema de impacto social não como partes isoladas, mas, sim, relacionadas, o Instituto Sabin busca, nesse eixo, fortalecer individualmente quem atua na ponta da cadeia, ou seja, ONGs, universidades, negócios de impacto, empreendedores sociais e outros dinamizadores – como a escola de nossa vila imaginária.
O objetivo é que eles estejam preparados para beneficiar a sociedade como um todo no futuro de forma mais sustentável, responsiva e autossuficiente.
Isso se dá com esforços no médio e longo prazo e não envolve apenas apoio financeiro, mas ferramentas como mentoria, orientação, formação, estudos e pontes para novas parcerias. Cardoso explica:
“Quando articulamos com diversos atores para tornar mais independentes os sistemas em que vamos atuar, deixamos um legado: fortalecemos a sociedade civil e tornamos as redes de proteção sociais mais robustas e as cidades e comunidades mais resilientes e equilibradas. Isso está intimamente ligado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.”
Para compor o portfólio de iniciativas apoiadas, o Instituto Sabin leva em conta questões como adequação à missão, viabilidade, sobreposição de projetos e contextualização do território – elas podem ser nacionais, como a Coalizão pelo Impacto, em parceria com o Instituto de Cidadania Empresarial, e regionais, focadas no ecossistema de impacto social do Distrito Federal e dos 12 estados em que o Grupo Sabin atua.
Exemplos desta segunda categoria são o Descentraliza – Laboratório de Impacto da Periferia, que seleciona e apoia por meio de jornada empreendedora iniciativas de impacto socioambiental em regiões periféricas, como o Saúde+ e o PAIS (Programa de Aceleração de Impacto Social), uma plataforma que incuba e acelera ONGs, organizando trilhas de competências (comunicação digital, condução de reuniões, finanças e liderança), formando uma comunidade organizada de empreendedores sociais, e promovendo e incentivando iniciativas como a Jornada de Inovação Social.
Uma das instituições que compõem esse ecossistema de impacto, por meio do programa Saúde+, é o Instituto GESCA, em Santo Antônio de Jesus (BA). A entidade acolhe crianças, adolescentes e jovens por meio de ações de dança, música, cultura, cidadania, contação de histórias e capacitação para o mercado de trabalho.
Em ações anteriores, o GESCA recebeu doação de 130 pacotes de exames pelo Instituto Sabin. Como participante da Comunidade de Empreendedores Sociais Saúde+, o GESCA também foi vencedor, em 2021, da Jornada de Inovação Social (programa de aceleração de projetos de impacto social, promovido pelo Instituto Sabin, com apoio da Phomenta, na Comunidade de Empreendedores Sociais Saúde+).
Essa caminhada envolveu a participação numa trilha de inovação social conduzida com o Instituto Sabin e o recebimento de capital semente no valor de R$ 3 mil para prototipar o Conectô Jovem, projeto de inclusão digital voltado para a produção de conteúdo de marketing digital e gestão de mídias sociais.
Em seguida, vieram o pitch e o investimento de R$ 30 mil para a execução da ideia, que capacitará jovens da periferia para oferecerem serviços a uma empresa ou serem empreendedores, obtendo renda e melhorando sua qualidade de vida.
“Muitos jovens da região não sabem o que querem e podem fazer em termos de carreira”, conta Lucilene Souza, do Instituto GESCA. “Nossa capacitação inclui um módulo para entenderem a ideia de protagonismo e outro focado em empreendedorismo e mercado de trabalho.”
De acordo com a administradora, o ponto forte do trabalho do Instituto Sabin é não incluir apenas investimento, mas também conhecimento e ferramentas de planejamento estratégico, gestão, projeto, marketing e comunicação para a estruturação do projeto.
“Não tínhamos nem ideia de como começar e eles trouxeram tudo isso. Agora, se, no futuro, nossa parceria se encerrar, já temos conhecimento suficiente para buscar outros parceiros e nos tornar sustentáveis, que é o sonho de todas as organizações.”
Quando participou e venceu a Jornada de Inovação Social em 2021 com um projeto de cooperativa de produção agroecológica de produtos de limpeza e higiene e cosméticos na comunidade do Morro do Sabão (DF), o Clube e Escola de Rugby Samambaia tinha como objetivo central ensinar a produzir, vender e gerar renda no pós-pandemia.
Com a ideia em execução, a entidade sem fins lucrativos logo entendeu os benefícios gerados: a produção abastecia o consumo dos próprios aprendizes, que não tinham como comprar esses itens.
“Almejamos algo maior com essa iniciativa de economia solidária, mas logo percebemos que muitas pessoas recebiam cesta básica e não tinham dinheiro para comprar produtos de higiene e de limpeza que faltavam. Agora, mesmo que em microescala, já vemos que boa parte passou a ter acesso ao próprio sabão em uma comunidade tão precária”, conta Cauan Felipe Amorim, diretor executivo da instituição.
As principais competências e ferramentas de gestão que auxiliaram o Rugby Samambaia a executar o projeto de formação e qualificação profissional baseado na interdisciplinaridade com o esporte foram fortalecidas graças ao envolvimento em programas de aceleração de ONGs, muitos deles financiados e apoiados pelo Instituto Sabin, em parceria com outras entidades.
Em 2020, no PAIS (iniciativa realizada em parceria com os institutos Sabin, Bancorbrás, BRB e Sicoob), foram seis meses de imersão, com cursos, conversas e rodas de conversa sobre temas sobre gestão, transparência, boas práticas e certificação.
No ano passado, mais oito meses de desenvolvimento de projeto e prototipação na Jornada de Inovação Social, de onde também veio investimento que viabilizou a construção de uma sede com equipamentos adequados e permitiu o planejamento dos cursos.
Amorim acredita que:
“Essa mobilização de rede, essa troca de ideias e esse engajamento que o Instituto Sabin articula é essencial para unir e fortalecer instituições do terceiro setor que causam impacto social. Sua marca forte também abre outras portas.”
Fundamental ao desenvolvimento sustentável do país, a proteção da Floresta Amazônica é um dos focos centrais de ação em nível nacional no portfólio do Instituto Sabin, por meio de programas como a Jornada Amazônia, iniciativa liderada pela Fundação CERTI para fortalecer o ecossistema de inovação da região.
Seu programa Sinergia, que contou com o apoio estratégico do Instituto Sabin, teve como objetivo promover a troca de conhecimento entre diferentes ecossistemas. Durante quatro meses, em 2021, qualificou incubadoras da região para potencializarem suas atuações e incentivarem o empreendedorismo de impacto e desenvolveu startups por meio de suporte em negócios, tecnologias e conexões com o mercado. Outro ponto-chave foi contribuir na estruturação de um modelo da atuação para os próximos cinco anos.
Nas palavras de Janice Maciel, coordenadora da Jornada Amazônia:
“Na região norte do País, o ecossistema de impacto social ainda é pouco estruturado e isso impossibilita a cultura de inovação e empreendedorismo. Projetos como o nosso permitem trazer isso à tona e iniciar a mudança na realidade da região. Isso vai além de ações isoladas e desintegradas que não geram resultados sistêmicos e em escala, que é o que precisamos.”
De acordo com Janice, os resultados das ações com as incubadoras serão visualizados com mais clareza no futuro, mas, no caso das startups, já se observam interações e desenvolvimento de produtos com grandes empresas, parcerias de desenvolvimento tecnológico no ecossistema de Florianópolis e outros investimentos.
Inicialmente, o trabalho incluiu 30 startups, mas depois afunilou o escopo para as 15 com maior competitividade até que cinco foram incubadas e fortalecidas por meio de benchmark e troca de experiências com instituições experientes.
Nos próximos meses, a estudante de direito, Gabriella Thaynah da Silva Nonato, da Universidade Federal de Alagoas, trabalhará na estruturação de uma startup que incentive a entrada e ascensão de mulheres no mercado de trabalho por meio de planejamento e capacitação de marketing e gerenciamento de mídias sociais.
O projeto, que ganhou o nome de Eleva, foi o vencedor do Enacthon 3.0 (2022), maratona organizada pela Enactus Brasil (organização sem fins lucrativos que tem como objetivo inspirar jovens a melhorar o mundo pelo empreendedorismo) e financiada pelo Instituto Sabin pelo segundo ano consecutivo para unir universitários na solução de problemas socioambientais. A ideia vai ao encontro do projeto de atuar nas várias frentes do ecossistema para fortalecê-lo como um todo.
“Hoje há muitos recursos disponíveis para organizações com um certo grau de maturidade, mas pouquíssimo para os estágios iniciais”, conta Gabriel Cardoso, do Instituto Sabin. “Por isso, queremos apoiar maratonas de inovação social que sejam capazes de aumentar o número de empreendedores e empreendedoras que busquem enfrentar problemas socioambientais do país.”
A estudante Gabriella comenta:
“Queremos aprender a criar soluções reais de impacto, que serão fundamentais para o nosso futuro: em breve estaremos no mercado de trabalho e vamos sentir na pele o que essas mulheres que queremos impactar estão sentindo.”
Criado em agosto de 2020, o Instituto Elas Transformam é uma iniciativa formada por quatro amigas para combater a violência doméstica e a desigualdade de gênero em comunidades do Distrito Federal e de Goiás, que já vinha aumentando nos últimos anos e se intensificou com a pandemia. Entre suas ações estão projetos permanentes e descentralizados de caráter preventivo, assistencial, de profissionalização e de promoção do bem estar físico e emocional da mulher.
Em 2021, a instituição se inscreveu na primeira edição do Programa Descentraliza, organizado pela Impact Hub Brasília (organização global de espaços colaborativos, comunidades empreendedoras e programas de capacitação) e com apoio estratégico do Instituto Sabin, foi reconhecida como iniciativa com potencial para se tornar negócio de impacto e selecionada para uma jornada empreendedora.
Com a ajuda de profissionais de diferentes áreas que ofereceram mentoria e troca de conhecimento e experiências, o Instituto Elas Transformam conseguiu mensurar seus impactos, compreender e mapear seu público, realizar ações de maneira mais assertiva e entender a importância da articulação externa com diferentes instituições e parceiros.
“O que define essa parceria proporcionada pelo Instituto Sabin e outras instituições é exatamente o ‘cuidar de quem cuida’: eles nos ajudam a ter uma melhor estruturação interna, o que nos faz melhorar e aumentar o impacto no público alvo”, acredita Amanda Leite Ferreira, presidente do Instituto Elas Transformam.
“O fortalecimento e a estruturação de instituições como a nossa possibilita um trabalho mais efetivo dentro das comunidades, gerando não só a transformação na vida de cada um, mas fomentando a transformação e a cidadania.”
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