Biodiversidade e mudanças climáticas são conceitos que andam juntos: um impacta diretamente no outro. Não foi à toa que, na COP 27, no Egito, a biodiversidade ganhou um dia inteiro de discussões – até porque trata-se de um dos efeitos mais críticos da devastação e mais difíceis de reverter. “Esta é uma das razões pelas quais dizemos que manter as florestas em pé está custando cada vez mais caro”, diz David Canassa, diretor da Reservas Votorantim, desenvolvedora de projetos de economia verde da empresa.
Canassa está na COP 15, a chamada COP da Biodiversidade, em Montreal, no Canadá, e acaba de apresentar ao mundo a primeira metodologia de crédito de carbono na Mata Atlântica. Chamada de PSA-Carbonflor, a metodologia é inédita e propõe uma nova forma de geração de créditos a partir da manutenção do carbono existente, além de incluir áreas que não são abarcadas pelo REDD+ (sigla para Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação florestal, mecanismo já existente para compensação de emissão de gases).
Na entrevista a seguir, o executivo explica as vantagens da PSA, a repercussão da proposta em Montreal, com está o ânimo do mercado, e a importância de atrair investimentos para as florestas em pé.
NETZERO: O que é o PSA-Carbonflor?
DAVID CANASSA: PSA-Carbonflor é a metodologia baseada em Pagamentos por Serviços Ambientais. Desenvolvemos o projeto em parceria com a Eccon Consultoria e ele foi baseado na Lei 14.119/21, que regulamenta justamente este pagamento por serviços ambientais, com sequestro de carbono e preservação da biodiversidade entre as modalidades passíveis de remuneração. Os mecanismos já existentes, como o REDD+, não levam em conta carbono estocado nas florestas e da biodiversidade acoplada a elas. E também há territórios que não são contemplados pelo REDD+.
A nossa provocação, com o PSA-Carbonflor, é levar essa metodologia de crédito de carbono a lugares que não estavam cobertos, como a Mata Atlântica. Entendemos que o REDD+ tem um potencial interessante, fomos os primeiros a aplicar o projeto no Cerrado brasileiro, mas ele não é suficiente.
Qual a necessidade de cobertura dessas áreas?
A grande questão é que manter florestas em pé vai custar cada vez mais caro. Haverá cada vez mais dificuldades, principalmente financeiras, de manter essas florestas por conta das mudanças climáticas – que provocam também a queda da biodiversidade, e a manutenção fica mais difícil ainda. São muitas muitas forças agindo ao mesmo tempo pela degradação. Então, não podemos deixar biomas de fora.
Como fazer com que haja interesse de investimento nas florestas em pé?
A humanidade vem desmatando muito para usar este espaço para outras culturas. Entretanto, hoje já sabemos que a quantidade de terras já existentes é suficiente para manter a segurança alimentar mundial.
Temos que fazer a floresta em pé valer mais do a área da floresta derrubada para outros cultivos. Ou seja: criar mecanismos de valorização. Nós criamos o PSA-Carbonflor. Quando um investidor analisar, isso vai entrar na conta. Teremos assim a possibilidade de mais florestas conservadas e, ao mesmo tempo, incentivar o agronegócio a fazer o que é possível com as terras já existentes.
Com o clima mudando rapidamente existe uma tendência de savanização na Amazônia, por exemplo. Mesmo que houvesse desmatamento zero esta tendência segue. O que significa que precisamos intervir, precisamos de mecanismos de apoio para manter esta floresta de pé. Isso vai custar dinheiro. Como conseguir? Sistemas como o PSA-Carbonflor podem ajudar a frear o desmatamento e a perda da biodiversidade. Vamos entrar com tecnologia, plantios adicionais para que não só a floresta seja mantida, mas também biodiversidade. As florestas sentem as mudanças climáticas como a gente sente. Se a gente sente que chove muito, ou está quente demais, as florestas também sentem e perdem a biodiversidade.
Você apresentou o PSA-Carbonflor na COP em um domingo. Como foi a receptividade dos países?
O auditório estava cheio e nossa apresentação gerou muito interesse. Fomos procurados por empresas do Japão, Estados Unidos. As florestas não cobertas pelo REDD+ podem sim atrair investimento. Muitas empresas no âmbito mundial já se comprometeram com o reflorestamento. Isso já acontece e pode ter uma potência maior a partir de agora. Faltava apenas uma metodologia para manutenção.
Como você vê a relevância desta COP da biodiversidade para o mundo?
Pela primeira vez, numa conferência mundial, falou-se em um número neste tema: por ano, a contribuição de mudanças climáticas e biodiversidade virá em 10 gigatons. Esta é uma meta, não um número cravado. Quando você tem número as coisas ficam mais palpáveis.
Outra coisa que está ficando clara aqui é o papel dos governos e das empresas na implantação destes mecanismos. O âmbito da biodiversidade é local. Os esforços devem ser conjugados e esta pauta é forte.
As empresas estão dizendo: estamos buscando soluções, vamos procurar juntos. Mas precisamos de diretrizes.
O bagaço de malte e a borra do café são mais valiosos do que você imagina. A cientista de alimentos Natasha Pádua fundou com o marido a Upcycling Solutions, consultoria dedicada a descobrir como transformar resíduos em novos produtos.
O descarte incorreto de redes de pesca ameaça a vida marinha. Cofundada pela oceanógrafa Beatriz Mattiuzzo, a Marulho mobiliza redeiras e costureiras caiçaras para converter esse resíduo de nylon em sacolas, fruteiras e outros produtos.
Aos 16, Fernanda Stefani ficou impactada por uma reportagem sobre biopirataria. Hoje, ela lidera a 100% Amazonia, que transforma ativos produzidos por comunidades tradicionais em matéria-prima para as indústrias alimentícia e de cosméticos.