Marketplace financeiro nascido no Santander, a Pi foca no modelo de investimento 3.0, sem intermediários

Priscilla Santos - 20 jun 2019
Felipe Bottino, CEO da Pi Investimentos.
Priscilla Santos - 20 jun 2019
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Ser um ecommerce de investimentos sem intermediários, com carteiras a um clique e dois formatos de serviço: o self-service, em que o usuário entra e escolhe no que quer colocar seu dinheiro sozinho, ou as carteiras de investimento prontas, selecionadas por gestores de grandes fortunas do Brasil, antes restritos a clientes milionários. Essa é a proposta da Pi Investimentos. “Temos o ‘Spoleto’, mas também grandes chefs de cozinha”, brinca Felipe Bottino, CEO, 37.

Lançada em março de 2019, a startup surgiu dentro do Santander Brasil, mas opera com “100% de autonomia”. Entre esses gestores premium estão o próprio Santander Private Banking, além da Tag, CA Indosuez Weath, Vitreo e Vinci. “O Santander Private Banking antes atendia clientes com 5 milhões de reais. Na Pi, se tem acesso aos mesmos gestores investindo a partir de 30 reais”, diz Felipe.

Na visão do CEO, o mercado de investimentos passou por três fases. Primeiro veio a “1.0”, com plataformas fechadas e produtos de baixo risco, em que se encaixam os bancos tradicionais; depois, na segunda fase, estão as corretoras, que funcionam como um supermercado de produtos de alto risco e contam com agentes de venda autônomos.

“A Pi é o modelo de investimento 3.0: não tem intermediário. Devolvemos para o autoatendimento o serviço mais barato e democratizamos o acesso a gestores de grandes fortunas. Ainda não tem ninguém no Brasil fazendo isso”

Dessa ideia do 3.0, aliás, vem o nome da Pi, inspirado pela constante matemática (π) que estabelece a razão entre a circunferência e o diâmetro de um círculo, e cujo valor aproximado é 3,14.

A startup criou um sistema de pontos conversíveis em dinheiro. Os investidores que aplicarem em produtos de renda fixa e fundos ganham Pontos Pi, que equivalem a um centavo de real cada. A verba é retirada dos valores que seriam pagos ao intermediário. “A indústria brasileira era a única em que quem comprava produtos financeiros com ou sem auxílio de um agente pagava o mesmo preço”, diz Felipe.

Outro ponto potencialmente negativo dos investimentos com intermediários, segundo o CEO, são os conflitos de interesses. “Os produtos financeiros que pagam maiores comissões em geral têm baixa liquidez e alta volatilidade. Assim, há um incentivo perverso de recomendar produtos pouco rentáveis e de alto risco para o cliente.”

A GESTÃO DE PATRIMÔNIOS PARA SUPER-RICOS PODE SER ESCALÁVEL

Engenheiro de produção e computação com dupla titulação no Brasil e na França, Felipe foi trabalhar no mercado financeiro logo após a graduação. Passou quatro anos na Gávea Investimentos, do economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Lá, o hoje CEO da Pi passou por diversas áreas, sendo a última a de Family Office, que tomava conta do dinheiro dos sócios. “Eram cerca de dez famílias com carteiras muito parecidas. Vi que gestão de patrimônio para super-ricos era escalável.”

Na sequência, Felipe cursou MBA em previdência e investimentos automatizados no MIT. Seu orientador era um bambambã, o americano Robert C. Merton, ganhador do Nobel de Economia em 1997.

Naquela década, Merton foi um diretores (junto com outro laureado no mesmo ano, Myron Scholes) do fundo Long-Term Capital Management. A ascensão e queda do fundo foram contadas no livro When Genius Failed (“Quando Gênios Fracassaram”, em tradução livre), de Roger Lowenstein.

“Eles ganharam dinheiro por anos, mas depois perderam muito”, diz Felipe. Após estudar fundos de previdência com Merton, ele voltou ao Brasil e trabalhou na Icatu Seguros, onde ficou seis anos como Product Manager, até assumir a liderança da Pi.

GESTADA DENTRO DO SANTANDER, A PI É TAMBÉM SUA CONCORRENTE

Uma das inovações que a startup acompanha, de acordo com o CEO, é que o risco não está mais necessariamente atrelado à faixa de renda.

“Tem jovens e pessoas com menos renda que querem correr mais risco. O mundo de investimentos hoje requer se arriscar mais para conseguir um retorno similar ao que se tinha antes, em função da diminuição de juros”

A Pi foi gestada dentro do Santander, que detém 100% do seu capital, mas funciona de maneira autônoma, inclusive com endereço fora da sede do banco. Segue, assim, uma tendência de grandes empresas criarem ou adquirirem startups para colocá-las em modo de funcionamento independente, como uma forma de se obter o melhor dos dois mundos: a solidez da companhia e a agilidade para a inovação de um negócio pequeno e disruptivo.

“Está comprovado que fintechs trabalham muito melhor com um banco. Brasileiros veem como um ‘porto seguro’, tem muita credibilidade, solidez. Mas não gostam de taxa alta, usabilidade ruim”, afirma Felipe, que responde ao diretor de canais digitais do Santander.

“Quando o assunto é dinheiro, o brasileiro tem dificuldade de terceirizar e trabalhar com empresas menores. Trabalhar com o Santander, para nós, é muito bom do ponto de vista de que dispensa apresentação”

A startup consegue manter uma estrutura relativamente enxuta, com 100 pessoas, graças ao suporte do Santander nas áreas de Jurídico, Compliance e RH. O restante opera de maneira autônoma. Em termos estratégicos, diz Felipe, a Pi funciona como um competidor do Santander, oferecendo em sua loja produtos do banco e também de seus concorrentes. Algo que o CEO vê como saudável para ambos os negócios:

“Somos mais um concorrente do banco — não ‘o’ concorrente. Existe uma troca, trabalhamos juntos. Se preciso de um gestor, o banco tem vários. Nós temos ferramentas para falar diretamente com o público que deram certo. É uma oportunidade ter um concorrente dentro de casa.”

MAIS DO QUE INVESTIMENTOS, UMA EMPRESA DE ECOMMERCE

Para falar de investimento, a Pi vem apostando numa linguagem jovem e bem humorada. A plataforma criou o programa “Investimento é Pi” no canal MyNews, no Youtube. A apresentação ficou a cargo de Mara Luquet, jornalista da área de finanças pessoais, Antônio Tabet, um dos criadores do Porta dos Fundos.

Tabet é também a estrela dos comerciais de TV em que incorpora diferentes personagens em cenários diversos (banheira, escritório etc.), travando diálogos que descambam em bate-bocas sobre a ineficiência das soluções oferecidas por bancos e corretoras, com os palavrões censurados pela vinheta que dá nome à startup: pííííííí. A campanha gerou queixas de associações ligadas a corretoras e administradoras de consórcios.

Felipe conta que cerca de 70% da despesa da startup é com marketing digital. Em relação à força de trabalho, a área de TI responde por porcentagem equivalente. Percentuais elevados para esse mercado, segundo o CEO (pelo menos até bem pouco tempo, quando empresas do setor ainda estavam arraigadas a um modelo tradicional).

“Nesse sentido, somos muito mais uma empresa de ecommerce do que de investimento. Hoje devem ter três pessoas aqui que entendem de fato de investimento. Funcionamos no conceito de plataforma. O cara que trabalha no Uber não entende necessariamente de carro, mas tem parceria com quem sabe do assunto”

Esse perfil seria um facilitador na hora de contratar talentos de TI. Felipe conta que, no começo, era difícil atrair desenvolvedores para trabalhar em um banco e os salários precisavam ser muito altos:

“Quando viram que trabalhávamos com metodologia ágil e tecnologia de ponta, inverteu. Recebemos currículo até de gente aceitando ganhar menos para trabalhar na Pi. As pessoas às vezes acham que a cultura da empresa é parte superficial, mas é o mais importante. Reduz custos de produção e contratação.”  

Um ponto que exigiu cautela foi traçar a parceria com os gestores de grandes fortunas. “Eles construíram marcas muito fortes. E pensavam: ‘Será que vou canibalizar minha marca?’. Normalmente, eles têm clientes que gostam de conversar, falar da família dos filhos”, diz Felipe. “No caso da Pi, não tem isso. Mas, aos poucos, mostramos que é muito bom para o cliente. O desempenho desses gestores é muito superior ao restante da indústria. Então, a ideia era escalar essa excelência de gestão de carteiras.”

O CEO não revela quantos clientes já conquistou nos três primeiros meses desde o lançamento, mas afirma que a expectativa é chegar a um milhão em até quatro anos. A Pi se diz a primeira corretora a funcionar 100% na nuvem e uma das pioneiras no país nesse modelo de investimento 3.0. A startup, porém, “não vai acabar o gerente do banco nem o agente autônomo”, diz Felipe, convicto de que o novo formato irá coexistir com os anteriores. “Surgimos para ser uma terceira via.”

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