“Minha startup acaba de completar 20 anos. Eis aqui as lições que aprendi ao longo do caminho – e da luta”

Nuno Figueiredo - 15 set 2015
Nuno Figueiredo, da Signa, compartilha os desafios de sua trajetória: de startup a empresa rentável e sustentável.
Nuno Figueiredo - 15 set 2015
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Por Nuno Figueiredo

 

Completar 20 anos para alguém é um passo pequeno frente a toda uma vida que ainda está por vir. Para uma empresa é bem diferente. São poucas as empresas que chegam a essa idade e menos ainda aquelas que conseguem permanecer jovens, com a mente fresca, inovando, lançando novos produtos e tendo o pique e o empreendedorismo de uma startup.

Com os anos vêm o crescimento, mais gente, mais estrutura e vem junto a necessária, porém indesejada, burocracia administrativa. Chegam os procedimentos, as tarefas que não agregam valor ao cliente e tampouco ao acionista, mas que são necessárias para alimentar as entranhas corporativas para a máquina continuar girando. Você tem um ambiente feito de gente e, portanto, uma cultura para gerir. A vida fica complexa.

Vinte anos é uma vida. Cheia de histórias boas e ruins. Minha startup está comemorando essa marca. Viramos, há muitos anos, um pequeno negócio. Passamos por várias fases muito boas e algumas crises nesse tempo – que voou.

Vimos o país mudar radicalmente sua economia, viver períodos de bonança e, infelizmente, voltar a mergulhar numa crise braba, desta vez econômica e política, o rascunho do inferno para os negócios. Mas o barco não pode parar de navegar, se não afunda.

Li há alguns anos uma estatística do SEBRAE relatando que uma parte significativa das empresas brasileiras não chega a completar dois anos de existência. Sobra um número menor que completa cinco anos e, das que restam, menos ainda comemoram dez anos de vida.

A mortalidade precoce, antes dos dois anos, seria principalmente motivada pela inexperiência dos empreendedores à frente de um negócio. Não raro entendem do negócio que se propuseram a empreender, mas não sabem administrar uma empresa.

As empresas que completam cinco anos, dizia a estatística, o faziam pelo envolvimento e trabalho árduo de seus sócios, com, muitas vezes, o sacrifício de suas parcas economias e de seus relacionamentos pessoais, principalmente quando os resultados do empreendimento não atendem às expectativas.

Finalmente as que passam da árdua barreira dos cinco anos, e que ficam pelo caminho antes dos dez anos, o fazem porque seus fundadores estão exauridos física, emocional e financeiramente.

Eis a primeira grande lição que demorei a aprender: o dia tem caber nas oito horas de trabalho. No início não tínhamos capacidade de contratar talentos e o jeito de crescer foi arregaçar as mangas. Trabalhar 12 ou 14 horas por dia virou rotina. Sábados, domingos e feriados viraram dias úteis.

Você entra nesse turbilhão de forma consciente, mas se perde no meio da tempestade e se torna cada vez mais cansado e menos produtivo e, para compensar a queda no desempenho, aumenta a sua já insana carga de trabalho. Você fica parecendo o cavalo do livro “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, que, a cada novo problema, repete sua sina: “trabalharei mais ainda”.

Nesse processo houve outro grande aprendizado. É mais fácil caminhar quando há um sócio para dividir o fardo, ajudar a carregar o piano, alguém que acerta quando você erra e vice versa, alguém com quem você pode debater, xingar, tomar uma pinga e tornar a estrada tortuosa um pouco mais leve. É mais fácil brigar em dois do que sozinho, desde que a escolha do sócio seja bem feita, alguém que compartilhe das suas crenças e princípios. A longevidade da empresa também depende muito disso.

No nosso caso, meu sócio e eu adotamos duas mudanças importantes na vida quase ao mesmo tempo. Saímos de uma multinacional, bem jovenzinhos, para empreendermos juntos, e casamos com uma pequena diferença de meses – não um com o outro, nem com a mesma mulher, bem entendido. Contrair matrimônio e lançar uma empresa ao mesmo tempo pode parecer uma decisão irracional, por duplicar a trilha pelo desconhecido e os riscos decorrentes disso. E, de fato, não é fácil conciliar os dois projetos. Ajuda quando o seu sócio vive a mesma situação.

Em casa, é preciso negociar bem essa situação também. Maridos e mulheres de empreendedores acabam pagando um preço, que às vezes não é pequeno, por conta da empresa que vai sendo construída na outra ponta da vida do casal. As ausências podem gerar distanciamento, o que é evidentemente ruim. No meu caso, não foi tão fácil reverter a síndrome do workaholismo, que é um vício, mas ter a pessoa certa do lado me ajudou a acelerar o rehab. Como resultado, meu sócio e eu estamos comemorando 20 anos de empresa – e 20 anos de casamento. Uma dupla conquista bem rara de se atingir.

O caminho da descontaminação, para o workaholic, é perceber que menos é mais. Vivi isso na prática. Menos horas de trabalho produziam melhor resultado do que jornadas malucas que tendiam à improdutividade. Depois de três anos de muito suor e lágrimas, e da primeira grande crise econômica, que sofremos em 1999, engrenamos a marcha.

Mas essa crise deixou suas cicatrizes: um período de impostos não-pagos, que, aos módicos juros praticados no Brasil, viraram uma dívida que, anos mais tarde, nos fez entrar no Refis – o Programa de Recuperação Fiscal da Receita Federal. Hoje, quase 10 anos depois, ainda restam umas parcelas, de pequeno valor, mas que ainda assim nos lembram desse período amargo.

Na virada do milênio, estabelecemos como foco trabalhar exclusivamente para o mercado de transportes e logística, onde já tínhamos feito um grande projeto bem-sucedido que nos abriu um mundo novo. Somos uma empresa de software e durante bom tempo programávamos para qualquer cliente, independentemente do setor.

Essa é outra lição que compartilho aqui: a especialização é uma coisa boa. A sua curva de aprendizagem aumenta e sua dispersão – de energia, de atenção e de recursos – diminui. Começava então a nossa onda mais perfeita, que começamos a surfar com taxas de crescimento vigorosas, que atingiriam seu ponto mais alto em 2001, com um aumento de faturamento de 45% em relação ao ano anterior.

Nessa época, já com 12 colaboradores, meu sócio e eu tomamos a difícil decisão da carreira em Y. Deveríamos continuar como especialistas em Tecnologia da Informação ou deveríamos nos aprimorar no conhecimento do mercado onde nos propusemos a atuar? Foi uma decisão difícil. Éramos os melhores programadores da empresa. Mas a empresa precisa de nós como gestores, como vendedores – e como empresários.

Não dava mais para fazer de tudo. E nem mesmo aquilo que mais gostávamos. Optamos pelo negócio, e abrimos mão de atuar na parte técnica. Com um bom frio na barriga, voltamos para a sala de aula. Fizemos o curso de Logística Empresarial na Fundação Getúlio Vargas, curso de Logística Internacional na BSP – Business School São Paulo – e trocamos os eventos de TI por eventos de transporte e logística.

Passamos a dar palestras em eventos do setor, participar de feiras, congressos e afins. Aprendemos a linguagem e o negócio de nossos clientes e essa decisão se mostrou acertada. Os grandes projetos que viriam em seguida nos mostraram isso. Nosso conhecimento recém-adquirido se mostrou decisivo para entrarmos em novos mercados, como o de transporte marítimo. Num oceano onde as soluções disponíveis não entendiam as necessidades e nem falavam a língua dos clientes do setor, nadamos de braçada.

Aqui tivemos outro aprendizado: ninguém cresce sem atrair talentos, e talentos não chegam prontos – é preciso formá-los com as competências necessárias. Ter um bom time é fundamental. Nunca poderíamos ter abraçado o lado dos negócios se não tivéssemos uma equipe capacitada a encarar os desafios técnicos.

Chegamos aos 20 anos com vários colaboradores com mais de 10 anos de casa. Pessoas que compartilharam nossos desafios e nos ajudaram a superar inúmeros obstáculos. Isso é algo muito difícil de se obter no mercado de tecnologia, que possui uma rotatividade de mão de obra acima de média de outros mercados.

Um cliente bem atendido é o caminho mais curto para o próximo cliente. Em 2002 vieram as multinacionais. Empresas que nos olhavam com desconfiança e pensavam duas vezes antes de deixar seu principal sistema, um ponto crítico de suas operações, que precisa rodar bem 24/7, nas mãos de uma empresa tão pequena quanto a nossa. Eles estavam certos. Mas estavam errados.

Lembro de uma reunião com o diretor de uma multinacional americana em que ele me confidenciou sua indecisão, diante da nossa estatura, para concluirmos o negócio. Para ele, se tratava de casamento – nosso sistema iria gerenciar a sua principal atividade-fim. Ele estava acostumado a contratar as maiores empresas de TI do mundo e nós não nos encaixávamos nesse perfil.

O dono de uma startup, ou de uma pequena ou média empresa, que nunca tenha passado por isso que deixe o primeiro comentário aqui nesse artigo. Comentei com o cliente que, menores, trabalharíamos com o dobro de atenção e esmero para não termos nenhuma crise que não pudéssemos dar conta. Fechamos o contrato. E o trabalho com essa empresa, uma de nossas grandes parceiras, flui bem desde 2002.

A entrada de outras multinacionais nos deu porte, alguma capacidade de investimento e lá fomos nós criar novos produtos para atender a novas demandas dentro do mercado a que decidimos nos dedicar. Um momento importantíssimo para qualquer negócio. A hora de crescer, o desejo de expandir. Isso, bem feito, pode te catapultar. Mas isso, feito de qualquer jeito, pode quebrar também.

O porte dos projetos aumenta com a seguinte fórmula: o crescimento da dificuldade é linear, mas os custos que decorrem do mesmo desafio crescem de forma exponencial. Bill Gates escreve sobre isso em seu livro “A Estrada do Futuro” – se você fizer um projeto com um nível de dificuldade 10 e gastar 1 milhão no mesmo, ao fazer um projeto com dificuldade 100 o custo será muito maior que 10 milhões.

Como tudo na vida, conhecimento teórico é bom e importante, mas, na prática, a banda toca em outro ritmo – e a ficha nem sempre cai na hora certa e novas interrogações sempre aparecem sem avisar. Você tem que enfiar o dedo na tomada para aprender de verdade o que é um choque elétrico. O verdadeiro aprendizado, se não o único, vem daí.

Nós estávamos fechando um contrato após o outro, e o tamanho dos projetos e a curva acelerada de crescimento veio finalmente cobrar a sua conta. O crescimento anual de mais de 30% durante três anos consecutivos estancou com a crise de 2008. Nos vimos obrigados a desacelerar o caminhão lotado. Como que é se breca esse troço sem capotar? A luz amarela acendeu. Era hora de repensar.

A complexidade de alguns projetos provou que Gates estava certo. Nossos custos saíram muito do previsto. Estávamos com mais de 50 colaboradores. O tamanho da empresa começou a gerar seus complicadores. A veia essencialmente técnica da empresa mostrava sua deficiência em outras áreas, práticas e competências imprescindíveis para o bom andamento do negócio.

No meio desse processo decidimos, pela segunda vez, voltar para a sala de aula. Meu sócio e eu fomos fazer um MBA em gestão empresarial na FGV e depois engrenamos uma extensão internacional em Irvine, na Califórnia, em pleno 2008. Depois de 11 anos à frente de uma empresa, fomos finalmente aprender o que deveríamos saber para fazer, melhor, talvez do jeito certo, aquilo que já fazíamos há mais de uma década.

A crise de 2008 derrubou nosso faturamento, situação que se estendeu por 2009. Depois disso a tempestade passou e voltamos a crescer. Embalados pelo nosso primeiro planejamento estratégico – coisa que jamais tínhamos feito – abrimos uma fábrica de software no interior e começamos a mirar na internacionalização do nosso negócio.

Passamos a atender os embarcadores, que são as indústrias que embarcam carga utilizando os operadores logísticos e transportadores, e colocamos mais três multinacionais na nossa carteira de clientes. Aí nos preparamos para lançar nosso produto mais audacioso. Fizemos nosso primeiro plano de negócios para esse lançamento e fomos bater na porta do BNDES em busca de um financiamento – que nos foi infelizmente negado.

Eis a impressão que ficou: o BNDES é um clube fechado que atende sempre os mesmos clientes, empresas grandes que, não raro, teriam outras possibilidades de financiar projetos e ideias. Esse jogo não está aberto para PMEs como a nossa, que ficam relegadas aos juros altíssimos das linhas de crédito convencionais dos bancos de varejo.

A crise atual, para nós, começou no final de 2013. O ano da Copa do Mundo que prometia ser um marco na história do país na verdade consolidou uma das maiores crises da história brasileira recente. Isso, junto com um clima eleitoral marcado por um antagonismo surdo e colérico, azedou de vez a economia. Os clientes retraíram os investimentos, o mercado de novos negócios congelou e ficamos com a impressão de estar andando rápidos, numa via expressa – só que na contramão.

Em 2014, tivemos que fazer o primeiro corte de pessoal em nossa história. Uma ferida que ainda não cicatrizou totalmente. É tão difícil formar e treinar colaboradores especialistas. E é muito doloroso ter que demitir gente competente.

Há o chavão de que toda crise significa oportunidade. É uma frase boa para rechear os biscoitos da sorte que vem junto com a comida chinesa, mas, na prática, não serve muito como bálsamo. As contas para pagar não dão trégua. Claro que a vida segue. Já enfrentamos tempestades antes, os marujos foram formados em tempos bons e ruins, e confiamos que a tripulação fará o seu melhor para que o barco passe pelo que alguns gostam de chamar hoje de “tempestade perfeita” que afeta os países emergentes.

Valeu a pena passar por tudo isso? Vale a pena ir adiante?

Não esqueço nunca de Fernando Pessoa, em “Trabalhadores do Mar”:

“Valeu a pena? tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do bojador
Tem que passar além da dor”.

Seguimos em frente. Sempre buscando fazer o melhor. Sempre buscamos aprender mais. Voltamos outra vez para a sala de aula no ano passado, agora fazendo parte de um grupo de empresas de TI que estão estudando as melhores práticas para o segmento. E contratamos uma consultoria para nos auxiliar a melhorar os processos internos.

Como o tempo está ruim para todo mundo, não adianta nada reclamar da crise, nem do governo, nem dos políticos – inclusive porque fomos nós mesmos que os pusemos lá. Então estamos nos dedicando a fazer aquilo que sabemos fazer de melhor: apresentar novos projetos que agreguem valor aos negócios de nossos clientes. E, sim, vamos tratar de lançar aquele novo produto – com ou sem BNDES. Ainda estamos definindo se isso será uma nova unidade de negócios ou uma nova empresa.

Num momento duro como esse, que provavelmente vai nos acompanhar por mais tempo, compartilho com você uma última aprendizagem nesses 20 anos como empresário no Brasil: procure pelos espaços vagos a serem conquistados, no mercado em que você atua, com seu talento, em vez de reclamar daqueles lugares que não estão mais disponíveis.

E boa sorte. Os próximos 20 anos já começaram.

 

Nuno Figueiredo, 46, Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, fundou a Signa em 1995 com seu sócio, Henri Coelho. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

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