Daqui a 20 anos, o filhinho de André Tachard encontrará uma carta esperando por ele. Escrita com todo o amor do mundo, ela vai contar para o futuro rapaz como era esse planeta em 2021, numa época em que ainda não existiam carros voadores e em que tanto os veículos terrestres como os aviões usavam combustíveis fósseis em níveis alarmantes.
“Ele vai achar até engraçado que a gente tenha discutido questões como carbono ou equidade de gênero, porque isso vai se tornar óbvio. E nós estamos fazendo parte desse momento histórico tão bonito, que vai transformar algumas pautas em obviedade”, diz Tachard, gerente de sustentabilidade da Embraer e diretor do Instituto Embraer.
Além da carta, Tachard também deixará como herança a construção de um novo mundo para as próximas gerações. Ele comanda as ações de sustentabilidade de uma das principais fabricantes de aeronaves no mundo e conta, com orgulho, que em breve estará no mercado um dos projetos mais disruptivos da Embraer: o carro voador.
Carro voador é uma espécie de apelido que a invenção recebeu, lhe conferindo o poder de levar nossa imaginação direto para um futuro utópico. Mas o nome técnico é o eVTOL, uma aeronave elétrica de pouso e decolagem vertical. Ela conta com dez hélices, sendo oito na horizontal e duas na vertical e tem capacidade para quatro passageiros incluindo o piloto.
Não é um carro porque não pode rodar nas ruas. Também não é um avião porque não precisa de uma pista para decolagem. Se você pensou em helicóptero, Tachard recusa a comparação. Ele diz que o eVTOL é um novo modal de transporte de baixo carbono, que trará grande impacto à mobilidade urbana das grandes cidades nos próximos anos.
O que faz dele um dos símbolos dessa nova era, em que a redução do impacto ambiental é um dos alicerces do desenvolvimento tecnológico, é a energia que o move. Em vez de combustíveis fósseis, é uma aeronave elétrica. No caso do modelo desenvolvido pela Embraer, a redução na emissão de gases poluentes é de cerca de 90%.
BAIXO RUÍDO PERMITIRÁ GRANDE FLUXO NO ESPAÇO AÉREO
A baixa produção de ruído é outro fator relevante da aeronave quando se discute sustentabilidade. E é também um dos elementos-chave para que o eVTOL se estabeleça como um modal de transporte nas grandes cidades. É só pensar em quanto barulho faz um único helicóptero, afetando tanto quem está dentro do veículo como quem está no solo.
Com uma redução de 80% na poluição sonora, é possível imaginar o fluxo contínuo de eVTOLs em rotas pré-estabelecidas. Ou seja, que se criem “avenidas” aéreas que permitam o deslocamento simultâneo dessas aeronaves, seguindo regulamentação. O sucesso da operação depende desse fluxo.
É um cenário parecido com o que víamos num clássico desenho de Hanna-Barbera transmitido no Brasil nos anos 1980: Os Jetsons. “É bem próximo da realidade que teremos”, brinca. “Não é algo para o futuro distante, você vai voar nele.”
“O eVTOL vem para atender a questão dos centros urbanos. Mais da metade do mundo vive em áreas urbanas e isso deve dobrar até 2050. A questão da relevância da mobilidade urbana hoje é inegável e esse transporte não é uma aposta, já é uma realidade.”
A Embraer já tem mais de 600 encomendas da aeronave, que passam a ser entregues a partir de 2026, o que a coloca como segunda fabricante desse modelo de aeronave no mundo. “Prevemos que aqui no Brasil tenhamos 3 milhões de usuários por mês, dentre eles, 1,8 milhão em São Paulo e outros 900 mil no Rio.”
ACESSIBILIDADE E COMPARTILHAMENTO
Porém, diferentemente de Os Jetsons, em que o carro voador ficava à espera da família na “garagem aérea”, o eVTOL está sendo pensado para funcionar de forma compartilhada. Afinal, o que é compartilhável também é mais sustentável. Será possível reservar um lugar na aeronave por meio de aplicativo e fazer a rota no horário estabelecido junto com outros passageiros. No futuro, o veículo poderá voar de forma autônoma, dispensando o piloto.
Para que uma disrupção aconteça, é necessário uma operação simultânea de várias aeronaves. Então temos um desafio gigantesco em relação ao controle do tráfego aéreo. Os efeitos positivos disso sobre a mobilidade urbana serão imensos.
Tachard reforça que segurança é o pilar do projeto, mas acessibilidade e democratização também são citadas como vantagens do modelo. “Investimos para que a experiência do usuário fosse a melhor possível, inclusive em relação a pessoas com restrição de mobilidade”, diz. O preço, segundo ele, será atraente o suficiente para que qualquer um troque um táxi ou o carro pelo eVTOL.
Entre os exemplos de rotas iniciais, a serem administradas pela iniciativa privada, estão trajetos de cerca de 30 quilômetros. O passageiro poderá subir até o topo de determinado prédio na avenida Paulista ou na Barra da Tijuca, por exemplo, e se deslocar rumo ao aeroporto.
“Se você estiver na Paulista e quiser ir para o aeroporto de Guarulhos, não precisará romper a cidade toda – o que é ruim para o ambiente e para você, que levará muito tempo no trânsito. Em 15 minutos, você estará em Guarulhos”, exemplifica.
SUSTENTABILIDADE COMO FORÇA MOTRIZ
Sustentabilidade sempre esteve ligada ao desenvolvimento de aeronaves da Embraer, porque a busca por eficiência energética está ligada ao menor uso de combustível.
“A Embraer sempre se dedicou a emitir cada vez menos gases de efeito estufa a partir de uma aeronave. A gente sempre cuidou disso por uma questão de eficiência no uso de combustível. O principal aspecto ambiental já vinha sendo bem-tratado”, conta Tachard.
Mas em 2016, quando começaram os estudos para o eVTOL, já existia na empresa um certo frisson por tecnologias de baixa emissão de carbono.
“A barra mundial subiu e temos que acompanhar essa necessidade porque estamos atingindo níveis críticos em determinados aspectos ambientais.”
A Embraer decidiu então, em 2019, aprofundar as questões ESG na empesa. Em 2020, nasceu a Eve, a startup da EmbraerX que está à frente de um portfólio guiado pela questão de baixa emissão de gases de efeito estufa. “Não tem outa opção, e é interessante sentir isso no contexto global.”
Na prancheta de projetos da Embraer, muitas novidades devem surgir nos próximos anos, respeitando o longo ciclo de desenvolvimento tecnológico do setor.
Agora, os estudos estão concentrados na avaliação dos aviões voando com biocombustíveis 100% de fontes renováveis. Estão também no radar da empresa as aeronaves híbrido-elétricas, as totalmente elétricas e aquelas movidas à hidrogênio. Ainda este mês, a Embraer deve apresentar pré-projetos de aviões elétricos voltados para a aviação regional.
A década de 2030, promete Tachard, será repleta desse tipo de inovação.
FUTURO MAIS SUSTENTÁVEL É UM CAMINHO SEM VOLTA
Ao longo da carreira, Tachard conta que viu a sustentabilidade traçar um caminho de altos e baixos nas empresas. “A minha percepção é de que estamos dobrando uma esquina e não tem mais volta, não retroage. Isso é muito motivador. Estamos muito confiantes e orgulhosos de antemão de fazer parte desse novo planeta que a gente tanto espera. Não é moda, não é um projeto, é uma jornada.”
“O líder que não entende por que avançar numa agenda ESG corre sério risco na carreira como executivo. Aqui na Embraer não precisamos mais dessa etapa de convencimento ao apresentar um projeto.”
Depois de uma cruzada de décadas em busca de consenso sobre a necessidade de um compromisso global em torno da sustentabilidade, o clima agora é de esperança. E Tachard se emociona ao pensar no que está ajudando a construir para as próximas décadas. “Eu espero que meu filho termine de ler a carta e diga: ‘O papai não ficou satisfeito em ver a banda passando, ele brigou para algo melhorar’. O que a gente quer é deixar um mundo bom para os nossos filhos.”
Como uma marca de bolsas e acessórios pode impulsionar a economia da floresta e o comércio justo? A carioca Bossapack contrata indígenas da Amazônia para pintar e impermeabilizar com látex o tecido de suas mochilas e pochetes.
Visão holística, uso combinado de tecnologias e ética nos negócios: em entrevista exclusiva ao Draft, a holandesa Marga Hoek, fundadora e CEO do think tank Business For Good, crava a receita para viabilizar o futuro e salvar o planeta.
Contra o negacionismo climático, é preciso ensinar as crianças desde cedo. Em um dos municípios menos populosos do Rio de Janeiro, a Recickla vem transformando hábitos (e trazendo dinheiro aos cofres públicos) por meio da educação ambiental.