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“Museu não pode se limitar à contemplação da arte; é um espaço vivo que fomenta a produção criativa”

Daniel Schneider - 5 jun 2018
Os oito artistas selecionados na Residência Artística: combinando materialidade/virtualidade inspirada na capital mineira.
Daniel Schneider - 5 jun 2018
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“Residência” é morada, o lugar onde alguém reside. Num sentido ligeiramente diferente, a Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte (MG), foi residência para os oito artistas selecionados pelo Programa de Residência Artística em Arte Digital, nas três semanas desde 14 de maio até 3 de junho. A proposta para os artistas selecionados – Alexandre Milagres, Augusto Henrique Lara Alves de Paula, Fabrício Bastos Pereira Lins, Flávio CRO, Guilherme Henrique Xavier do Nascimento e Souza, Letícia Vianna, Mari Moraga e Thiago Moreira Faria – foi criar obras que combinassem materialidade/virtualidade a partir das inspirações relacionadas à cidade de Belo Horizonte e ao painel “Civilização Mineira” (1959), de Candido Portinari, acervo em exposição permanente no espaço cultural. O projeto “retira” o painel das paredes da Casa Fiat de Cultura, interligando suas cores, linhas e inspirações à cena urbana de Belo Horizonte.

Com curadoria do professor da Escola Guignard (UEMG) e pesquisador de arte e tecnologia no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, Pablo Gobira, a Residência Artística tem este nome porque significa habitar um lugar onde se desenvolve um novo processo de produção artística, colocando a arte em diálogo com o contexto em que está inserida. Trata-se, portanto, de uma interação entre as pessoas e o ambiente de onde surgem novos conhecimentos e proposições.

“A ideia de criar um Programa de Residência Artística na Casa Fiat de Cultura surgiu da percepção de que o museu contemporâneo é um espaço vivo, conectado à cidade e aos cidadãos. Isso vale também para casas de exposição e centros culturais. Como espaço vivo, portanto, a Casa Fiat de Cultura não se limita à contemplação da Arte; também propõe e viabiliza espaços e oportunidades de fomento à produção criativa”, conta Clarita Gonzaga, coordenadora do Programa Educativo da Casa Fiat de Cultura, de onde partiu a iniciativa do projeto. “O formato desta primeira edição remete a um desejo manifesto já há algum tempo de se construir uma discussão estética acerca das novas tecnologias e possibilidades de conexão e comunicação no campo da Arte e Cultura. Esta aproximação com a Arte Digital vem abrir caminhos para novas possibilidades de atuação, dentro da perspectiva da cultura na fronteira do digital/material”, explica.

O programa recebeu mais de 30 inscrições e teve interessados de outros estados do Brasil. E não se trata de um curso. “De modo diferente dos cursos e oficinas, a residência artística não se apresenta como um processo de formação linear. A formação, do modo que entendo, na residência, acontece de modo difuso, descentrado e, no caso da produção da arte digital, ainda se dá em ação disruptiva”, explica Pablo. “O processo seletivo priorizou artistas iniciantes, com trajetórias e produções que indicassem uma afinidade conceitual com a proposta. O desafio é uma imersão criativa e colaborativa, que acontece sob a orientação do curador. Os processos vivenciados darão corpo a uma série de obras que serão expostas em um segundo momento, o da consolidação dos resultados”, completa Clarita. Os selecionados aceitaram o desafio de vivenciar uma jornada transdisciplinar de experimentação colaborativa para repensar o espaço museológico no ciberespaço. De 3 a 29 de julho, será aberta uma exposição na Piccola Galleria da Casa Fiat de Cultura com os trabalhos dos oito residentes, incluindo um trabalho coletivo.

A criação foi “aberta e colaborativa”: “Foram momentos de troca e partilha muito ricos para todos.”

“Foram produzidas obras em realidade aumentada, audiovisuais, experimentos realizados através de percursos de bicicleta que possibilitaram desenhar uma nova cartografia na cidade, trabalho explorando o som da cidade em relação com o painel de Portinari, dentre outros”, conta Pablo.

A temática do projeto é “O museu como interface de fronteira no virtual/material”, e convidou os participantes a produzirem trabalhos que abordem o conceito de um mundo contemporâneo cada vez mais digitalizado e com enorme acessibilidade de informações, onde museus e espaços expositivos são ressignificados a todo instante, deixando de atuar apenas como espaços de contemplação, mas funcionando também como ambientes de conexão entre artista, público, obra, cultura e sociedade.

“Estamos diante de uma residência em arte digital que envolve campos variados das artes, ciências e tecnologia. Justamente por essa diferença da imersão na residência nós temos uma estrutura física, pensada em parceria com a CASACOR, para receber os residentes que não terão uma formação direta de ‘como fazer arte digital’, mas já trabalham com as linguagens artísticas digitais”, esclarece o curador. Pensado para que os artistas conseguissem combinar suas atividades de pesquisa e experimentação e todos os seus desdobramentos, o ambiente onde a Residência aconteceu foi projetado pela CASACOR Minas, a maior mostra de arquitetura, paisagismo e design de interiores do estado, que é parceira da Casa Fiat de Cultura neste projeto.

Com características que misturam referências de uma habitação e de um escritório/estúdio de criação, as instalações são assinadas pelos arquitetos Paulo Augusto Campos e Sarah Floresta e permitiram que o público acompanhasse todo o desenvolvimento desse processo de criação artística. “Para a comunidade em geral, a Residência foi um espaço para a descoberta dos processos que envolvem a criação estética. O público teve livre acesso ao espaço de trabalho dos artistas, podendo não só observar as atividades como também conversar e trocar ideias com o grupo”, informa Clarita. “É tudo muito aberto e colaborativo. Posso dizer que foram momentos de troca e partilha muito ricos para todos”, avalia.

“O grupo realmente se apropriou da proposta de construir obras que conectassem o painel Civilização Mineira à cidade de Belo Horizonte. Houve uma entrega muito sincera dos artistas no sentido da procura de conhecer a obra e pensar possibilidades. Estamos com uma boa expectativa quanto aos resultados materiais (obras), ainda em produção, mas já posso adiantar que os resultados processuais são excelentes”, comemora Clarita.

Thiago Amoreira é um dos oito residentes. Ele tem 21 anos, é natural de Pitangui (MG) e está terminando seu curso de Artes Visuais com habilitação em Desenho e formação complementar em Artes Digitais, na Escola de Belas Artes da UFMG. Ele ficou sabendo da existência da Residência através da indicação de um amigo, “via link privado do Instagram”, e resolveu se inscrever pelo interesse que tem em realidade virtual e aumentada. “E porque eu poderia sair da proposta inicial”, acrescenta.

“Me senti muito bem em ser um dos selecionados, com uma força muito grande para trazer para o meu trabalho e portfólio, porque sou um artista em formação. E fiquei muito contente também porque motivei um amigo para participar e passamos juntos! Quando vi meu nome fiquei muito feliz, aí vi o dele e ‘dei mortal para trás’”, brinca.
Para Thiago, “esta residência abre portas. Já estou mediando outra residência no Rio de Janeiro e essa aqui vai ser um forte portfólio, encaminhamento. A estrutura preparada pela Casa Cor também ajudou muito a inspirar a gente, além de ser um espaço extremamente confortável.”

Ele nos dá uma dica de como será o trabalho que estão desenvolvendo coletivamente: “é o Portinari aumentado, um app de celular em realidade aumentada. Na hora que a câmera do celular identifica o painel do Portinari, um outro mundo acontece na sua frente. O que estamos fazendo é expandir o painel”, conta.

Seu trabalho individual ainda depende de alguns materiais para acontecer. Ele quer imprimir uma maquete 3D do painel “Civilização Mineira”, “com Ouro Preto ao fundo e BH à frente, e buraquinhos com sensores de luminosidade, que serão displays dessa poética sonora”, explica. “Interações vão acontecer dependendo da forma como essa maquete é tateada”, conta, ele que se inspirou nos painéis multissensoriais criados pela Casa Fiat de Cultura para o público com deficiência visual.

Outra residente é a cineasta gaúcha Mari Moraga, de 30 anos, formada em audiovisual pela UNISINOS. Nascida em Pelotas (RS), criada em Camaquã, no interior do Rio Grande do Sul e moradora hoje da capital de São Paulo, ela ficou sabendo da oportunidade através da internet. “Fiquei muito interessada em vir para BH, para ter uma experiência em desenvolver um projeto em outra cidade”, diz. “Esta residência é importante para fazer uma conexão com o meu trabalho como cineasta em um formato de vídeo arte”, conta. “Fui muito bem recebida, gostei muito de poder trocar ideias e conhecer os outros residentes e também o curador, Pablo, e sua equipe. Os projetos estão sendo desenvolvidos de forma colaborativa e o espaço destinado para a residência é muito agradável de trabalhar”, elogia.

“Minha proposta é ressignificar o painel, trazendo através de entrevistas a figura de mulheres estrangeiras, que vieram de outros países e também do interior do estado e hoje são as novas habitantes da cidade de Belo Horizonte”, conta Mari. “A cidade também é retratada como personagem, através de prédios representativos do glamour e progresso e, em contraponto, os espaços abandonados e deteriorados que também habitam as ruas da capital mineira. Utilizo na montagem um material de arquivo de 1950 com prédios e espaços urbanos, em comparativo a hoje. Na sonoridade, o caos urbano e referências musicais do passado e presente”. Seu vídeo ainda está em edição, mas ela diz que deve ficar com cerca de seis minutos. “Está sendo muito produtivo. Estou fazendo captações de imagens e entrevistas, conhecendo pessoas e interagindo com a cidade. Conhecendo muito sobre a história e as diversas visões sobre a história de BH. Estou agora editando o material e formatando o projeto para a exibição”, completa.

“Acredito que a Casa Fiat de Cultura dá um passo importante quando realiza uma residência em arte digital e, antes dela, recebe uma exposição da Bienal de Arte Digital. Isso significa que há uma preocupação com as produções contemporâneas de arte que envolvem as tecnologias e as ciências e que há uma possibilidade não apenas de abraçar esse processo de produção artística, como também temos aí uma centelha de esperança de que a preservação da arte digital pode começar a ser estimulada nessa iniciativa”, analisa Pablo. “A importância da residência, portanto, é enorme, tendo em vista que colabora para uma memória do momento presente da produção nas linguagens artísticas digitais”, pondera.

Numa extensão do projeto da Residência Artística, a Casa Fiat de Cultura também recebeu professores das redes pública e privada de ensino num curso que apresentou aos docentes o projeto e suas dinâmicas de coparticipação, numa experiência que tem o objetivo de servir de inspiração para elaboração de propostas similares, adaptadas ao espaço escolar.

Esta matéria pode ser encontrada no Mundo FCA, um portal para quem se interessa por tecnologia, mobilidade, sustentabilidade, lifestyle e o universo da indústria automotiva.

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