Quase 40% da produção mundial daquele cafezinho nosso de cada dia é certificada. Trata-se de uma preocupação (justa) com a produção e o cultivo da planta. Mas, e depois da colheita, quando o pé de café já não mais valor comercial? Pouca gente se dá conta disso. Thiago Wulfert Pereira Valverde, fundador da Wood n’ Coffee, encontrou um destino inteligente, sustentável – e de um bom gosto exemplar – para madeira proveniente de cafeeiros que seriam descartados: colheres para cupping (prova de café), copos, pires e outros utensílios.
As lavouras erradicadas, seja porque perderam produtividade, algo natural após cerca de duas décadas, seja porque morreram em decorrência de eventos naturais como geadas, são, na maioria das vezes, queimadas. Para isso, o produtor precisa de autorização de órgãos ambientais, além de equipamentos específicos. Quando isso não é possível, há ainda outras opções (comuns especialmente entre pequenos agricultores), como amontoá-las em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e esperar a chuva acelerar seu processo de deteriorização, ou ainda vendê-las por preços irrisórios para uso em fornos de padarias e pizzarias.
“Quando a madeira descartada pela indústria do café é queimada, acontece uma emissão extrema de gases tóxicos, como o CO2. Nós apostamos em dar um destino mais sustentável para esse material, reaproveitando-o em produtos voltados para os apreciadores da bebida, e a usá-lo como forma de fortalecer a comunidade cafeicultora”.
Hoje são mais de seis fazendas parceiras da Wood n’ Coffee – a maioria delas com certificações que atestam a utilização de métodos que apoiem os três pilares de ESG no cultivo, como é o caso do programa da Rainforest Alliance – que, ao vender ou doar as plantas, preenchem um formulário detalhado. Nele, explicam quando aconteceu o plantio e o motivo da retirada e fornecem informações sobre a variedade da madeira e outras curiosidades.
E é aí que entra outra sacada da Wood n’ Coffee: a rastreabilidade total de seus insumos. Cada item comercializado tem um código de origem, que pode ser consultado no site da empresa, e que mostra o caminho completo que o produto percorreu.
UMA IDEIA SUSTENTÁVEL
Por quase duas décadas, Valverde trabalhou na área de marketing de grandes produtores de café como O’Coffee e Ipanema Coffees. Morando na fazenda, descobriu um hobby: artesanato em madeira e marcenaria. Um dia, decidiu aproveitar um cafeeiro caído e nunca mais parou. Uma de suas primeiras criações foi a colher para cupping, hoje o carro-chefe da Wood n’ Coffee e brinde “queridinho” de fazendas e instituições ligadas ao cultivo de café, como a ABIC (Associação Brasileira da Indústria do Café) e a COOXUPÉ (Cooperativa Regional dos Cafeicultores de Guaxupé).
“Quando fiz a colher, tive um clique”, conta o paulista que, morando desde 2000 em Minas Gerais, já proseia como mineiro. “Consegui enxergar todo o processo da Wood n’ Coffee e condensar no objeto as áreas em que tenho experiência: sustentabilidade, inovação, tecnologia, marketing, colaboração com o produtor e comércio exterior.
Depois vieram o copo para café, o pires e o suporte para cápsulas. Mas veio também a pandemia de Covid-19. Valverde, que já tinha clientes em países como Estados Unidos e Japão, viu a demanda despencar. Quase desistiu, mas, em 2021, apostou na sociedade com dois colegas. Aos poucos, os clientes retornaram. Hoje o leque inclui Museu do Café, Rabobank e até o tradicional hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
Também ganhou fôlego para investir na melhoria de processos de negócio, que incluem desde a extração da madeira junto aos produtores até a comercialização, e técnicos, como acabamento e tratamento da madeira para evitar rachaduras, e está em conversação para representação na França e nos Estados Unidos, mercados sustentáveis mais maduros.
Seu foco no momento é o desenvolvimento de uma espécie de “selo” da Wood n’ Coffee para que os produtores de café contem ao consumidor que, além de serem sustentáveis no manejo, estão atentos também à lavoura erradicada e destinam seus rejeitos – ainda que não totalmente, mas ao menos parte deles – para o reaproveitamento.
“Quero mostrar ao consumidor de café que não se trata apenas da bebida. Quero que fazendo os produtores parceiros pensem: por que vou queimar minha madeira ou vender barato se posso seguir o procedimento da Wood n’ Coffee e ser sustentável?”
LINHA PET
No último ano, além de ampliar o portfólio com outros produtos relacionados ao café, como o suporte para filtro (veja foto acima), a Wood n’ Coffee se aventurou no mercado pet. Foi outro “clique” baseado em uma experiência pessoal de Valverde. Durante o lockdown, quando trabalhava por longas horas na garagem de casa, os filhotes de sua cachorra insistiam em roer as colheres dosadoras que ele fabricava.
O empresário desenvolveu, então, uma linha de mordedores sem adição de nenhum componente tóxico, artificial ou de açúcar e feitos apenas com a madeira de cafeeiros. Ideais para ambientes internos (como apartamentos), os mordedores são ainda veganos e ajudam a remover o tártaro dos dentes. Mas o melhor mesmo é que eles distraem a cachorrada para que a gente possa tomar nosso cafezinho em paz.
Como uma marca de bolsas e acessórios pode impulsionar a economia da floresta e o comércio justo? A carioca Bossapack contrata indígenas da Amazônia para pintar e impermeabilizar com látex o tecido de suas mochilas e pochetes.
Visão holística, uso combinado de tecnologias e ética nos negócios: em entrevista exclusiva ao Draft, a holandesa Marga Hoek, fundadora e CEO do think tank Business For Good, crava a receita para viabilizar o futuro e salvar o planeta.
Contra o negacionismo climático, é preciso ensinar as crianças desde cedo. Em um dos municípios menos populosos do Rio de Janeiro, a Recickla vem transformando hábitos (e trazendo dinheiro aos cofres públicos) por meio da educação ambiental.