Luciano Braga, 30 anos, gaúcho gente boa que você também pode chamar de Braga, é um criativo. Sempre foi, cresceu com muitos sonhos, cheio de vontades distantes, queria ser roteirista, professor, cartunista, ativista e comediante de stand-up. Se formou publicitário. Trabalhava como redator, afogado na rotina massificante das agências. E ali, entre um cliente e outro, um prazo para ontem e outro, percebeu uma questão de saúde: precisaria criar para si, por prazer, ou iria enlouquecer.
Entre 2010 e 2011 ele começou a tocar três, ora ora, projetos paralelos: Braga Comics, Shoot the Shit e One Ted a Day. Os três deram certo, mas vamos focar no convite que ele recebeu em 2013 e que mudaria sua trajetória. Amigos na UFRGS, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o convidaram para dar uma palestra sobre projetos paralelos, com o objetivo de incentivar os alunos de Design e Arquitetura a pensar a respeito. O papo foi bem, todo mundo gostou, o convite se repetiu no semestre seguinte e Braga percebeu que tinha algo ali. No mesmo ano, formatou o primeiro encontro com o nome de Projetos Paralelos. Ao todo, 90 pessoas compareceram, e ele entendeu que tinha mais um serviço a oferecer.
A sua palestra evoluiu para um curso e está virando livro (já escrito e procurando editora). A ideia é incentivar os outros a rever suas carreiras e desenvolver projetos paralelos próprios, entendendo que também podemos construir outro mundo a partir de nosso arranjo profissional. “No geral, o publicitário é um insatisfeito. É um criativo frustrado, cheio de ideias mas limitado pelo que dá dinheiro para a agência”, diz ele. Mas ele percebeu que a insatisfação não se limitava ao que sentia ou via nos colegas:
“Comecei a perceber que a maior parte das carreiras é limitada. Sabe que tem muita gente boa que não produz nada por prazer, nada para si mesmo? Você conhece pessoas assim, não conhece? Olha o desperdício”
Braga entendeu como as (no mínimo) 8 horas dedicadas ao trabalho produtivo são uma convenção, um acordo geral mais ou menos imposto, mais ou menos passado adiante por inércia. Essa constatação é parte das reflexões que ele vem acumulando nos últimos anos, somadas à sua própria experiências com o trabalho e a frustrações e realizações pessoais. Por volta de 2008, ele passou por uma formação intensa em duas vivências que propunham a realização, o “vai lá e faz”, na Perestroika, em Porto Alegre. Aquilo o marcou.
“Comecei a buscar minhas ideias e meus valores, algo que tinha deixado de fazer na minha vida por ser reativo e não proativo. E isso era ser cartunista. Em 2009, comecei o simplório Tiras Toscas e foi um marco pra mim, a primeira vez que criei algo e coloquei no mundo”, lembra. O site evoluiu e hoje é o Braga Comics, com atualizações quinzenais e repercussão interessante. Braga instituiu uma divisão interessante de seu tempo e criou um processo muito pessoal para tocar o projeto: ele dedica 20 minutos na segunda-feira, 20 na quarta e outros 20 sexta para pensar no tema das tiras. Na tarde de sábado, ele senta, desenha e, a cada duas semanas, posta uma tirinha nova no site.
Mais ou menos ao mesmo tempo, ele começou a Shoot the Shit, do qual já falamos aqui no Draft. Junto com mais dois amigos, Giovani Groff e Gabriel Gomes, se propõe a desengavetar ideias de ações sobre a cidade e outras que não foram aprovadas nas agências e dava dó deixar guardadas para morrerem. As intervenções da Shoot the Shit misturam ativismo com a linguagem da publicidade, buscando algo leve, convidativo, engraçado. Tiveram resultado, começaram a sair na mídia, e a iniciativa virou empresa, uma não-agência de comunicação para impacto social. A outra iniciativa de Braga é o One Ted a Day. Mais simples, é um blog com vídeos do TED com a proposta de disseminar no Brasil a linguagem de palestras objetivas, cativantes. Ele e Gabriela Guerra fizeram a curadoria, que terminou em 2013.
QUANDO O PROJETO PARALELO DEIXA DE SER PARALELO
Esses três projetos aconteceram ao mesmo tempo e juntos geraram uma repercussão legal ao longo de 2011, 2012. Dentro da agência os colegas passaram a reconhecê-lo pelas tirinhas, pela Shoot the Shit, pelos TEDs. Ele deixou de ser um redator anônimo para virar o Braga dos quadrinhos, das ações na rua, um tipo de reconhecimento: “Eu ficava sábado à tarde desenhando, fazia uma tirinha, saía num site gringo e bombava, todo mundo via. É uma repercussão que vale mais do que dinheiro”.
A nova condição fez com que Braga conseguisse largar as agências, em 2012, para se dedicar apenas aos seus projetos autorais. Foi trabalhar em casa, com renda instável. Logo, sobrou tempo para dedicar a mais duas vontades: o curso Visionários da Cidade, onde é professor junto com Daniel Caminha e Aron Krause; e a graphic novel O homem da capa amarela, que foi escrita por ele e está sendo desenhada por Péricles Lanuch.
A troca de rotinas abriu novos espaços na rotina dele. Hoje, Braga tem tempo para fazer a feira. Cuida da casa, algo como uma hora por dia, construindo o espaço com a sua cara. Cozinha o almoço, cuida das plantas. É dono de casa e gosta disso. Tinha menos dinheiro, é verdade, mas também mais tempo livre.
E ter tempo livre começou a apontar um comichão. Aí, voltamos àquela palestra na UFRGS, que desencadeou a percepção de que ele poderia criar o Projetos Paralelos. Braga, então, passou a propor encontros-palestras no nos.vc, uma plataforma online para criar cursos. Deu uma renda boa por alguns meses, até que o tema saturou em sua rede local e ele foi buscar outras possibilidades.
A partir disso, ele desenvolveu um outro serviço, um curso focado em pequenos grupos que funciona da seguinta forma: três pessoas, cada uma com sua ideia, todas trabalhando juntas num modelo de cocriação. Ou seja, todos juntos colaborando, cuidando de cada projeto da melhor forma que aquele grupo puder fazer durante os quatro encontros semanais de três horas do curso. Neste processo, Braga assume o papel de facilitador, não mais o de professor. A palestra trabalha a inspiração, enquanto o curso pretende ajudar quem tem a ideia mas não sabe o que fazer com ela. O curso custa 180 por pessoa e, as palestras, de 50 a 60 reais.
REALIZAR PROJETOS PARALELOS É UMA QUESTÃO DE SAÚDE
Uma outra iniciativa da Projetos Paralelos está em formação em parceria com a Cosmonauta, empresa especializada na criação, planejamento e design de apresentações persuasivas e visualmente impactantes. Juntos, eles propõem um encontro de dois dias que mistura a inspiração da palestra e a proatividade do curso de Braga, visando tanto ajudar a decolar os projetos quanto a demonstrar que realizá-los é uma questão de saúde, no sentido mais holístico do termo. “A possibilidade de desenvolver aquilo que gostamos, aquilo que dá prazer, traz equilíbrio emocional e sanidade mental”, afirma.
Hoje, a Projetos Paralelos oferece palestras e cursos, além do livro que está no forno. Braga tem vontade de abrir novos espaços, mas desde que mudou sua vida para ajudar os outros a mudarem as deles, encontra prazer em ver as pessoas descobrirem do que gostam. “Tem muita gente que não para para pensar nas coisas que gostaria de fazer. Tem um guri nessa última turma do curso do Projetos Paralelos que percebeu ali que não fazia nada de divertido na vida. Então o trabalho era, antes de descobrir como tocar um projeto, descobrir o que diverte ele. O projeto paralelo genuíno tem que nascer assim, da motivação sincera. Para mim é muito legal ser um ator dessa percepção do outro, reacender essa chama da diversão, da criatividade”, diz.
Na visão de Braga, um projeto paralelo é algo que:
1) Não precisa te dar um sustento.
2) Não tem deadline. Você pode tentar coisas novas e experimentar, pode assumir riscos.
3) É o “trabalho do amor”, algo que você vai gastar tempo porque realmente quer.
Ou seja: baixo risco, baixa pressão, muito amor.
Além disso, considere que começar algo assim vai exigir que você se desdobre e aprenda habilidades novas, aumentando o seu repertório futuro: expande a zona de conforto, estimula a criatividade. Te leva a construir um caminho próprio, propondo autoconhecimento. Fazer o que, para que lado? “Claro que depende muito do que a pessoa quer para sua vida e do contexto que está vivendo, não é pra qualquer um, nem a qualquer momento”, diz Braga.
NÃO SE DEMITA. OU FAÇA ISSO IMEDIATAMENTE.
Ele dividiu sua palestra em em dez dicas, e a primeira é: não se demita. “É bom ter um emprego que dá dinheiro, é bom comprar roupa e poder viajar. Essas coisas. Temos que ter cuidado com isso. Mas a última dica é: ou se demita, porque às vezes só se demitindo você vai ter tempo para tocar nisso e ter sangue nos olhos, porque você precisa de dinheiro, então vai tocar a vida no projeto paralelo”, diz, e prossegue: “Já me demiti sem ter nenhuma garantia e não consegui fazer virar, depois voltei ao mercado e me demiti de novo quando os projetos paralelos começaram a dar dinheiro. Passei pelos dois cenários e as duas experiências, ambas foram válidas. Mas o que eu levo pra vida é, se você está num emprego que não gosta, não fique nem mais um dia nele”.
Braga criou o Projetos Paralelos porque sabe que muita gente simplesmente não pode se demitir. Sua proposta é usar o tempo livre para buscar o que falta. É uma alternativa para quem quer deixar a vida mais interessante, botar seus desejos no mundo, trabalhar por prazer e cuidar dessa criação. Quem sabe até acaba botando comida na sua mesa.
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