Maria Alice Setubal, mais conhecida como Neca, preside hoje a Fundação Tide Setubal, criada em 2006 com o nome de sua mãe.
O objetivo original da fundação era dar continuidade à atuação iniciada em São Miguel Paulista, zona leste da cidade de São Paulo. A missão atualizada é apoiar iniciativas que promovam a justiça social e o desenvolvimento sustentável de periferias urbanas, enfrentando as desigualdades.
Para quem carrega o sobrenome do cofundador da Deca e responsável pelo crescimento e expansão do Banco Itaú, Neca – a única filha mulher de Olavo Setubal (1923-2008) – escolheu um caminho surpreendente.
Ela começou a vida acadêmica como cientista social. Tornou-se educadora profissional, fundou a ONG Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária para levar a experiência construtivista de alfabetização da iniciativa privada para a educação pública, trabalhou no UNICEF e envolveu-se com política.
Seja qual aspecto se queira pinçar da trajetória dela, uma coisa se sobressai: Neca desenvolveu a capacidade rara para ser uma interface entre o mundo privado e público. Atualmente, ter bom trânsito entre essas duas esferas parece ainda mais difícil, diante de tanta polarização.
Mesmo assim, Neca Setubal não desiste de se posicionar a favor da democracia e de pôr em prática o modelo de projetos em conjunto com poder público para ensinar quem esteja disposto a reduzir desigualdades.
Confira a seguir a conversa que ela teve com o Draft:
A senhora poderia ter achado um lugar de atuação onde quisesse, porque veio de uma família com recursos abundantes, não só financeiros, mas também no sentido cultural. Como encontrou a educação como seu lugar confortável de atuação?
Cresci num ambiente muito rico culturalmente. Meu pai era uma pessoa que adorava falar sobre histórias da Europa, muito especialmente, e sobre política brasileira e política econômica. E a minha mãe era uma pessoa que adorava a parte de arte – artes plásticas, literatura, música.
Então, cresci nesse ambiente que era realmente muito rico e privilegiado em termos culturais. A gente brinca que a nossa dificuldade sempre foi ter uma conversa mais descontraída, sempre foi uma coisa muito séria.
Por outro lado, era uma família empresária. Eu sou a única filha mulher no meio seis homens, com meu pai uma pessoa muito forte, uma carreira empresarial muito forte de destaque — depois, política também [Olavo Setubal foi prefeito de São Paulo entre 1975 e 1979].
Acho que fui buscar o meu caminho. Fui fazer Ciências Sociais na USP, no ambiente de ditadura militar. Então, fui me afirmando neste lugar de um olhar para o Brasil social, que lutava contra a ditadura, com espaço para voltar à democracia
Fui buscar o meu lugar de mulher numa luta para a volta da democracia e num país muito desigual e enxerguei, com esse olhar de socióloga, que para lutar por isso tinha de ser na educação.
A senhora se lembra quando despertou para a desigualdade que a gente vive no país?
Para mim é muito nítido que foi quando fui fazer o ginásio, que seria o atual Ensino Fundamental II.
Sempre estudei na mesma escola, Nossa Senhora do Morumbi, só de mulheres, de freiras. Na época do ginásio, a gente ficava o dia inteiro na escola e eram freiras muito modernas, jovens, lideradas por uma freira portuguesa, a Madre Isabel Sofia.
Depois, todas saíram e foram morar nas periferias de São Paulo, ficaram ligadas à Teologia da Libertação. E ali a gente fazia muitos trabalhos sociais. Então, foi ali que virei a chavinha e percebi que o Brasil era muito desigual.
Destaca-se seu comentário sobre ser a única filha mulher no meio de tantos homens que atuam no ambiente empresarial brasileiro. Imagino que não seja fácil. A senhora viveu a expectativa de ser a bonequinha da casa?
O meu nome, Neca, vem de boneca. Ao mesmo tempo que eu era esta única filha, a boneca, tive por muito tempo que ser muito dura para buscar o meu caminho, porque também as pessoas me enxergavam no rótulo “socialite, empresária”.
Até romper esse rótulo não foi fácil – mas não pela parte do meu pai, nem da minha mãe. Ao contrário, meu pai achava muito bonito ter uma filha intelectual.
O ginásio foi com as freiras modernas, mas o colegial [ensino médio] da mesma escola era muito tradicional… E os pais das minhas amigas as proibiram de ir para a USP. Ciências sociais, então, nem pensar – era o antro dos comunistas!
Meu pai nunca se preocupou com isso. Para ele, a USP era a melhor universidade do país, era lá que ele queria que os filhos estudassem.
Naquele momento, ele fazia parte da Arena [Aliança Renovadora Nacional, o partido que dava sustentação à ditadura], mas sempre foi a pessoa que se dizia liberal. Era um liberal de ideias e um liberal na economia.
Então, ele sempre respeitou o meu posicionamento e gostava de debater comigo as ideias que eu estudava na faculdade.
A senhora foi professora no Mackenzie, depois exerceu algumas funções no IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura da USP), depois no UNICEF e no Cenpec. Pode compartilhar um pouco o que traz de cada um destes ambientes e experiências?]
Eu trabalhei como professora um ano no Colégio Santa Cruz, depois uns três anos no Mackenzie, que foi o começo da minha vida.
Foi interessante, mas acho que onde eu comecei a aprender mais foi em uma pré-escola que criei quando eu estava com filhos pequenos – a Dominó.
Eu tinha 28 anos e fui professora alfabetizadora lá, onde fiquei cinco anos. É então que começa o meu olhar mais para a educação
Isso foi importante por dois motivos. Primeiro, por ter uma experiência de gerir uma organização; e depois, por assumir como professora alfabetizadora. A partir dessa experiência escrevi meu primeiro livro e levei ao IBECC da USP essa experiência como alfabetizadora para a escola pública.
Daí eu criei a ONG Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – com mais duas outras pessoas para implementar essa experiência construtivista que tive numa pré-escola pequena, na qual eu era uma das donas, e criamos um material didático mais amplo, para a escola pública.
Isso era 1987, véspera da Constituinte [realizada em 1988], momento quando várias organizações começaram a ser criadas. Aí começa a minha história, que é sempre dialogando com o contexto político brasileiro e com o espaço público.
Por falar no seu diálogo com o poder público, a senhora teve o exemplo do seu pai que entrou na política. Alguma vez teve vontade de cogitar a vida pública, candidatando-se? Lembro de a senhora ter apoiado a candidata Marina Silva, em 2014.
Eu adoro política. Foi uma experiência super importante na minha vida, embora, obviamente, tenha sido difícil, porque eu apanhei muito. Depois disso, mudou bastante o meu olhar para todos os projetos.
Eu entrei na política porque no começo dos anos 2007 o Oded Grajew, que é muito meu amigo, criou a Rede Nossa São Paulo (RNSP). Um dia ele levou a Marina para falar no Sesc e, quando terminou, todo mudo levantou para aplaudir. Eu fiquei super impressionada com ela
Aí, em 2009, ela já tinha saído do Ministério do Meio Ambiente e esse grupo começou a fazer um movimento para a Marina se candidatar à presidência. Eu estava envolvida neste grupo.
Ela saiu candidata e começou o movimento para o Guilherme Leal ser vice. Eu sou amiga do Guilherme de adolescência e ele me convidou para fazer o programa de educação da campanha.
A partir daí, Marina e eu fomos construindo uma relação muito forte. Entre 2010 e 2014, eu fico ligada a ela para criar a Rede Sustentabilidade, me mobilizo para captar recursos, conseguir assinaturas, vou junto com ela conversar com os ministros do TSE, enfim, fico bem na linha de frente
(Em sua primeira tentativa de registro como partido político, o então movimento teve negado registro e o direito a concorrer às eleições de 2014.)
Ficamos muito próximas e foi um momento que eu gostei muito de participar, apesar de todas as críticas, que foram muito agressivas, principalmente contra ela e, depois, contra mim, por ser “uma banqueira que explorava os pobres e tiraria a comida deles” e tudo isso…
Foi uma experiência super importante. Acho que introjetei essa visão e o espaço da política, que é fundamental para entender a importância da política no mundo, nos projetos, na vida.
A senhora também atuou na UNICEF, um órgão com um poder de abrir portas por conta da simpatia. Não sei como era o dia a dia ali, se foi uma coisa sofrida ou se foi bom também…
Em 1995, eu estava no Cenpec e lançamos um projeto muito inovador chamado Raízes e Asas. Era um material multimídia em cadernos, vídeos e cartazes, que ia direto para as escolas e trabalhava a formação de professores.
Fizemos isso em parceria com a UNICEF e viajamos o Brasil. Mapeamos as escolas com boas experiências para mostrar a todas as outras e cada caderno tinha um tema.
Enfim, foi um material que fez sucesso pelo Brasil inteiro, fez parte de concurso de professores, várias secretarias de educação assumiram esse projeto. Foi um material muito inovador na época.
Aí, um dia, uma diretora da UNICEF da América Latina e Caribe veio para o Brasil, viu esse material, achou incrível e quis me conhecer. Conversou comigo e me convidou para ir trabalhar lá em Bogotá. Eu, num acesso de loucura, aceitei!
Por que em um “acesso de loucura”?
Eu tinha que morar em Bogotá com filho aqui. Então, fiz um combinado com ela – ficaria uma semana aqui, uma semana lá. Passava o tempo todo viajando, mas foi uma experiência incrível, super interessante.
Eu era responsável pela educação da América Latina e Caribe pelo UNICEF e conheci quase todos os países da região. E foi super interessante. Fiquei lá por quase dois anos.
Como essa experiência desembocou na Fundação Tide Setubal? O que lhe motivou, além de resgatar a história de sua mãe?
A minha mãe teve pouco tempo de experiência no espaço público. Foi só quando o meu pai foi prefeito e ela criou o Corpo Municipal de Voluntários – CMV. Ela morreu jovem, aos 52 anos, quando eu tinha 26.
Ela escrevia muitos diários, cartas, cartões, tinha um material de coisas dela que estava guardado e resolvi escrever um livro para os meus filhos e sobrinhos conhecerem a avó. Quando ela morreu, meu filho mais velho, que é o primeiro neto, tinha 15 dias.
Na verdade, digo que fiz isso para os meus filhos e sobrinhos, mas no fundo, fiz isso para mim mesma, porque foi uma grande terapia ressignificar a minha mãe naquele momento
Na época em que ela criou o CMV eu cursava Ciências Sociais e achava que o trabalho dela era de primeira-dama, absolutamente secundário…
E quando fui rever, não só a história dela – os diários que ela escreveu – como os discursos que ela fez na época que criou o voluntariado, fiquei absolutamente impressionada como ela tinha uma visão muito à frente das políticas públicas.
Ela fez toda a parceria dos voluntários com a Secretaria da Saúde, de Educação e da Assistência Social. Ela falava da centralidade do desenvolvimento humano, da importância de fazer junto com a comunidade.
Coisas centrais que a gente tem hoje na Fundação Tide ela já falava naquele momento, em 1975!
Aí resolvi criar uma fundação com o nome da minha mãe, em São Miguel Paulista. Como ela tinha morrido durante o mandato do meu pai e tinha feito muita coisa na Zona Leste, lá já havia um hospital municipal, uma escola e um clube da comunidade com o nome dela.
Fui lá visitar. A escola era a única coisa que ainda estava bem. O hospital e o clube estavam péssimos. Então, chamei meus irmãos, criamos um fundo patrimonial E criamos a fundação que, basicamente sou eu quem toca.
Reformamos o hospital e o clube, mas queríamos fazer um projeto de desenvolvimento local para melhoria da qualidade de vida da população. Daí, fizemos parcerias, criamos bibliotecas, desenvolvemos vários projetos de família, de jovens, de cultura e esportes.
Depois de dez anos, demos outro salto e passamos a pensar com essa experiência de território, com foco no desenvolvimento de periferias urbanas enfrentando as desigualdades sociais, espaciais com recorte de raça e gênero
Hoje, a gente continua lá em São Miguel e apoia periferias do Brasil com projetos nos recortes de alguns programas que a gente tem. Temos uma proposta de desenvolvimento local para os próximos dez anos com oito indicadores que a gente fez junto com o INSPER, e monitoramos de dois em dois anos.
Qual a importância do termo território? Ele aparecia nos diários da sua mãe?
Não. Ela usava comunidade. Território é um conceito que vem do geógrafo Milton Santos e envolve não só a questão geográfica do local, mas as pessoas e as relações entre elas.
A gente usa o termo “o território importa” porque estamos pensando as desigualdades e elas têm uma localização socioespacial – estão nas periferias e, às vezes, a periferia pode estar no centro, porque ela tem esse conceito social também.
É essa trama das relações sociais que compõem um território. E ele se compõe da localização geográfica e de todas as relações e interações dos grupos sociais, dos indivíduos, das hierarquias, dos equipamentos públicos que estão lá, de tudo que faz parte.
Cada território tem uma “personalidade”, uma necessidade, porque a população que está ali tem as suas características próprias. Nesse sentido, me parece que a Fundação Tide Setubal tem ciência de que para alterar esses marcadores que foram elencados, tem de haver uma espécie de cocriação e tem de se ouvir essas pessoas para entender o que elas querem, estão dispostas a aprender ou a mudar. Mas não é isso que a gente vê na prática em muitas ações sociais e em muitas ações praticadas pelo poder público. Por que isso não é óbvio? Por que ouvir as pessoas e enxergar cada local com a sua “personalidade” é tão difícil?
Eu acho que há uma cultura hierarquizada, em que as pessoas gostam de ter o seu poder e controlar de cima para baixo. Tem uma cultura de impor os projetos, chegar com o projeto pronto.
Mesmo o poder público chega com o projeto pronto, criado dentro da secretaria e impõe goela abaixo. E aí, via de regra, não dá certo.
Onde a gente peca? Na implementação. Quando você vai implementar, não dá certo porque não fez a lição de casa – não combinou com os russos (risos)… a população não está envolvida, não entende, não acredita
Neste governo Lula, estamos atuando em algumas secretarias para poder fazer com que esse modelo seja usado em alguns programas de infraestrutura e está dando certo. Acreditamos que esse modelo vai ser difundido em vários outros locais.
Uma vez que na Fundação Tide, vocês entendem que é preciso ouvir as pessoas e adaptar as soluções a depender da característica de cada território, como é possível “exportar” essas experiências locais para o Brasil todo ou para regiões do país que são tão diferentes em suas necessidades?
A gente está, por exemplo, na Secretaria de Periferias do Ministério das Cidades, desenhando junto com eles o PAC que será lançado para as periferias.
Mas não é uma coisa de grande escala. Estamos pensando em 20 municípios, numa organização que vai receber o recurso para fazer o que fazemos, porque o poder público não sabe fazer isso.
Quem tem um pouco esse pé na realidade é a grande organização social. Também não adianta ser uma pequenininha porque não tem perna [recursos].
São necessárias organizações sociais maiores, que estão nos territórios, nas comunidades, que têm essa capacidade de articular várias organizações e ter diálogo com o poder público para fazer isso
O nosso modelo é complexo, mas não precisa ser uma fundação para implementar. Pode ser, às vezes, uma universidade comunitária, um grupo como os Maristas, que tem organizações consolidadas e fortes.
E precisa ser um equipamento que esteja aberto na comunidade. Não pode ser uma coisa pública fechada, com grades em cima, aqueles muros que ninguém entra – aí não dá certo.
O Ministério das Cidades está reproduzindo o modelo completo, mas às vezes você pode reproduzir parte dele. Ele pode ser reproduzido ainda em várias etapas, em instâncias diferentes. Dá para ser fatiado em várias partes.
O que não dá pra ser fatiado é a ideia de que tem de ouvir as pessoas na ponta, certo?
É isso. Precisa trazer junto as pessoas, porque elas é que te dão força pra ir lá bater no poder público. O nosso foco na Fundação Tide são as pessoas e o poder público.
Eu admiro o Edu Lyra, mas ele tem um modelo diferente. Ele traz a comunidade, arrecada recursos e faz tudo sozinho. Não é o nosso modelo.
Nosso modelo é fazer com o poder público para replicar.
A minha pergunta agora é mais no campo da senhora como líder. Quando iniciou as atividades da Fundação Tide sentia-se preparada para esse desafio de gestão?
Sempre fiz o papel de ponte, mas era um desafio assumir o papel de ser filantropa. Foi muito difícil no começo, às vezes é até hoje.
Lá em São Miguel, eu era sempre confundida com o Banco Itaú. Achavam que o banco estava querendo usar ali para fazer agência… sempre tem uma teoria conspiratória por trás. Eu não queria ser confundida nem com uma fundação empresarial, nem com quem está ali fazendo caridade
Hoje em dia, a gente já tem um destaque, um lugar diferente. Como eu vim do Cenpec, que é uma ONG, trouxe para a Fundação Tide esse “jeito ONG” de atuar – fazer junto com a comunidade.
E também algo que, de alguma forma, sempre foi meu – um jeito corajoso de assumir posições políticas e não partidárias.
Sempre fiz isso no Cenpec, assumindo os posicionamentos políticos em prol da democracia, o que não é padrão das fundações. As fundações sempre são neutras e, via de regra, têm dificuldade de assumir estes posicionamentos.
Trago para a Fundação Tide essa minha história e ela acaba sendo uma fundação diferenciada mesmo. Hoje isso é muito claro para mim.
Estamos falando de dar ouvido às pessoas que estão nos territórios, sejam eles mais ou menos vulneráveis. Como esse empoderamento e a voz dessas pessoas devolve para vocês, na fundação, o que está acontecendo no campo democrático do país? Ou no campo da discussão que procura ser democrática diante de eventos como o Oito de Janeiro, em 2023, quando o Congresso, o Planalto e o STF foram invadidos?
Acho que a gente está num momento de fragilidade da democracia. Ainda estamos numa democracia, mas ainda é um momento de ter cuidado, de continuar tendo um trabalho de fortalecimento.
Na Fundação Tide, um dos nossos programas se chama Democracia e Cidadania Ativa, pelo qual apoiamos organizações que atuam nesse fortalecimento da democracia e a gente tem muita clareza desse nosso papel.
Publicamente, a senhora já disse que é complicado falar em “média” quando a gente tem tanta desigualdade interna. Na falta de um conceito melhor, com o que vocês trabalham para entender o quanto algo está melhorando ou não, e o quanto a própria fundação contribuiu para isso? Se a média é tão cruel, como é possível avaliar a gente pode avaliar?
Eu sempre me incomodo com a média. No caso da educação especialmente, nós tivemos um índice super importante, que foi o Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado em 2007 para avaliar o aprendizado e a taxa de aprovação dos estudantes].
A gente não tinha nenhum índice, então, quando foi criado o Ideb foi ótimo, porque pudemos comparar ao longo dos anos qual era o patamar de aprendizagem dos alunos. Mas era uma média.
O que o Ideb acabou criando? Um vício em que as escolas, as secretarias de educação acabavam melhorando a média ao melhorar os melhores… O patamar de baixo continua ruim, mas você melhora a média porque melhora os de cima. É muito cruel isso
No caso da educação é muito evidente – você deve trabalhar com quem está pior, que são os 20% mais pobres. Só que, especialmente depois da pandemia, você tem de 30% a 50% de pessoas muito pobres, dependendo da região, que estão muito abaixo do nível de aprendizado.
É um absurdo a desigualdade educacional, como é absurda a desigualdade social brasileira. Tirar essas pessoas deste lugar e melhorar o índice, muitas vezes, demora quatro a cinco anos, se for com muito sucesso. E vai exigir mais recurso, porque precisa ter classes menores, com professores melhores e materiais específicos para conseguir fazer um bom trabalho com essas crianças.
Poucos querem realmente ter compromisso de melhorar a qualidade de todos. Dá para melhorar o Ideb sem melhorar a qualidade de todos, sem diminuir a desigualdade. Esta é a armadilha!
E isso vale para outras situações brasileiras. Nós vamos ter agora o grande desafio do imposto de renda. Já começou-se a mexer em algumas coisas, como a taxação dos mais ricos com os recursos de quem investia fora e não pagava imposto.
Por falar nisso, qual é a sua visão sobre as propostas para redução da desigualdade consideradas polêmicas, como a taxação dos super ricos e a renda mínima universal?
Eu acho que tem de haver uma taxação progressiva no Brasil. É absurdo que seja uma taxação regressiva. Isso tem de mudar e a gente tem que ter uma taxação progressiva do imposto de renda.
E tem que haver outra discussão depois, porque as outras questões são muito complexas, como aumentar a taxação sobre herança, taxação de fortunas. Tudo isso é um pacote que tem de ser discutido na sociedade brasileira. Uma coisa puxa a outra.
Muita gente que trabalha com educação bate na tecla de educar ou treinar na área de tecnologia, um recurso que será cada vez mais usado. Não me lembro de ter visto iniciativa específica da Fundação Tide nessa área. Esta é uma bandeira que vocês ainda pretendem levantar?
Não, porque na fundação a gente não tem a bandeira da educação, especificamente.
O nosso foco são as periferias. É o sujeito, é o território, é um olhar em que obviamente a educação entra, mas com um foco intersetorial para pensar as desigualdades
Não vamos entrar na educação de uma forma específica; a gente entra na educação na medida em que ela está por trás das desigualdades.
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