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No Exército, ele sobreviveu a um tiro de AK-47. Hoje, é CEO da empresa que quer mostrar que o Brasil pode competir em inteligência artificial

Bruno Leuzinger - 20 fev 2025
Nelson Leoni, CEO da Wide Labs.
Bruno Leuzinger - 20 fev 2025
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Vinte anos atrás, Nelson Leoni era um jovem militar do Exército Brasileiro, líder de pelotão na Missão de Paz para Estabilização do Haiti, estabelecida pelo Conselho de Segurança da ONU após um golpe de estado e violentos conflitos no país. 

Foi então que, no dia 22 de junho de 2005, em solo haitiano, a vida de Leoni mudou radicalmente. E a mudança veio na velocidade de um tiro de fuzil.

“A gente tinha acabado de cumprir uma missão e retornava para a base quando a nossa tropa foi emboscada. Fui ferido em combate com um tiro de AK-47 que arrebenta o meu braço, explode o meu coração — e eu morro por oito minutos”

Trazido de volta à vida (e de volta ao Brasil), Leoni passou dois anos e meio internado, em recuperação. Ao sair do hospital, agora aposentado do Exército e já chegando aos 30 anos, ele se viu num dilema: o que fazer? Como se reinventar pessoal e profissionalmente?

Os passos que ele deu a partir dali o levaram a trilhar uma trajetória surpreendente. Hoje, Leoni, 45, é o CEO da WideLabs, empresa que desenvolve soluções de inteligência artificial e quer provar – em meio ao embate DeepSeek x ChatGPT – que o Brasil também pode ser um player competitivo desse mercado.

APÓS DEIXAR O HOSPITAL, ELE SE REINVENTOU COMO PALESTRANTE, PARATLETA E ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO DIGITAL

A carreira de Leoni pós-Haiti foi agitada. Por um tempo, ele se tornou paratleta de natação; seus treinos começaram ainda durante o período de reabilitação, como forma de recuperar, parcialmente, os movimentos do braço esquerdo. 

Em paralelo, ele construiu, a partir de 2007, um currículo como palestrante e profissional de comunicação digital. 

Eu vi que tinha um negócio começando chamado ‘redes sociais’ e optei por me dedicar a isso. Fui recontratado como civil pelo Exército, para dar minhas palestras, o que faço até hoje, e criar as redes sociais”

Do Exército, Leoni migrou para uma agência de publicidade, a Isobar (hoje Dentsu Creative), onde era o executivo responsável por engajamento de marcas como Unilever, Nivea e Banco do Brasil. 

Dois anos depois, rastreado no mercado por um headhunter, ele foi convocado para um processo seletivo no UNICEF. Ganhou a vaga e assumiu, em 2015, como head de comunicação digital do órgão no país.

“Acabei fazendo uma operação muito relevante: implementei toda a estratégia de comunicação digital e de resposta ao zika. Sempre [existiu] uma questão de propósito muito clara na minha vida”

 Leoni cresceu e mais tarde foi promovido para ser o chefe global de engajamento digital do UNICEF em Nova York. Participou da resposta à Covid-19 e, em 2021, decidiu retornar ao Brasil, por causa da família e com vontade de empreender.

“Eu tinha virado um alto executivo, mas estava sentindo falta da mão na massa, sabe? Queria gerar impacto real, mas vendo as coisas na minha frente.” 

CANALIZANDO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA AJUDAR A PRESERVAR AS MEMÓRIAS DE PACIENTES COM ALZHEIMER

Leoni voltou ao Brasil com um desafio da Area 23, agência de comunicação com foco no setor de saúde: viabilizar o desenvolvimento de uma solução tecnológica para dar suporte ao tratamento do Mal de Alzheimer.

A proposta, diz, era criar “uma evolução da Terapia de Reminiscência para ajudar a retardar os efeitos do Alzheimer, relembrando memórias fortes e positivas que ajudam na qualidade de vida do paciente”.

Foi aí que, num contexto “completamente aleatório”, Leoni conheceu o médico Marcelo Chapper e o físico Rodrigo Malossi. Em 2020, em Porto Alegre, eles tinham criado uma empresa, a Mind, para aplicar inteligência artificial à área de saúde. 

Em 2022, quando Leoni encontrou os dois, a IA era algo que ainda engatinhava; o ChatGPT só seria lançado no fim de novembro. Assim, foi com espanto que ouviu que a dupla gaúcha daria conta de montar uma inteligência artificial na linha do que ele vinha buscando.

“Eu falei: ‘peraí, eu vim dos Estados Unidos, ninguém conseguia, no Brasil ninguém consegue, e você está me dizendo que dois caras lá de Porto Alegre conseguem? E eles: ‘É, a gente consegue’. Era difícil acreditar. Então eu falei: ‘Tá bom. Só que, se for verdade, eu vou fazer vocês ganharem o mundo’…” 

Em outubro de 2022, o projeto, batizado de bAIgrapher, alçava voo numa parceria com a Biogen, grande farmacêutica dos EUA. “A gente conseguiu resolver uma questão muito importante e latente que acontece na IA, que é a alucinação [a geração de informações falsas ou distorcidas]”, diz Leoni.

O bAIgrapher foi o primeiro projeto que ele encabeçou como sócio da nova empresa do trio, a WideLabs. Leoni explica como funciona a inovação:

“O bAIgrapher entrevista o núcleo familiar e de amizade do(a) paciente, que seleciona as melhores histórias com seu ou sua cônjuge; aí, a IA reescreve essas histórias em primeira pessoa e sintetiza a voz do paciente – que diariamente escuta as suas maravilhosas histórias de vida. E isso ajuda MUITO na retenção das memórias”

Menos de um ano depois, em junho de 2023, o projeto recebia o Leão de Bronze em Cannes, na categoria Print & Publishing. “Hoje, tem um estudo clínico [em andamento] para, se der tudo certo, ser implementado no SUS”, celebra Leoni.

“ME DIZ AÍ, CHATGPT: QUEM INVENTOU O AVIÃO?”

O bAIgrapher ajudou Leoni a encontrar um novo propósito. “Eu tinha agora achado um lugar onde podia usar minha influência de networking, capacidade de negócio, e experiência de liderança para desenvolver projetos que pudessem gerar impacto.”

A premiação em Cannes, segundo ele, deu uma “visibilidade estratosférica” à WideLabs. E chamou a atenção da NVIDIA, que levou a startup para dentro do seu programa de aceleração, o Inception

O trio tinha a ambição de criar uma IA legitimamente brasileira, que funcionasse sob a ótica do país, com a nossa cultura, os nossos vieses, as nossas idiossincrasias. (Um exemplo simples: quando eles perguntaram ao ChatGPT quem inventou o avião, a plataforma omitiu Santos Dumont e respondeu “os irmãos Wright”.)

A NVIDIA curtiu a ideia e apresentou a WideLabs a outro parceiro gigante, a Oracle. “Em 2024, a gente começou a treinar um modelo trabalhando em conjunto: NVIDIA, Oracle e WideLabs”, diz Leoni. “Eles cederam as máquinas, que são a parte mais importante; e a gente cedeu nosso ‘braço’ e capital intelectual.”

UMA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL VERDADEIRAMENTE VERDE-E-AMARELA

E assim, no fim de julho de 2024, a WideLabs lançava em Brasília, durante a 5ª Conferência de Ciência e Tecnologia, o seu modelo de linguagem grande (LLM, na sigla em inglês), em versão verde-e-amarela. Ganhou o nome de Amazônia IA

Num contexto em que o uso de IA vai se tornando cada vez mais difuso e cotidiano, permeando a aquisição de conhecimentos, Leoni explica o que significa, para ele, o lançamento desse LLM nacional:

“Estamos tendo a oportunidade de dar ao brasileiro a sua própria inteligência artificial para aprender sob a nossa ótica. Porque ao aprender sobre o Brasil sob a ótica de um país gringo – que não valoriza como a gente a nossa terra –, a gente perde legitimidade, perde a nossa história”

O empreendedor cita vantagens do Amazônia: é multilíngue e ao mesmo tempo nativo em língua portuguesa; é soberano e sustentável, pois seu processamento ocorre em data centers localizados no país, e que consomem energia renovável.

Em fevereiro de 2025, a WideLabs anunciou o lançamento de outros três modelos da “família Amazônia”. Um deles, o Guará, serve para a transcrição de áudios em português brasileiro e é “capaz de entender sotaques, gírias e termos regionais”.

IRONIAS DA TECNOLOGIA: O USO DE IA TORNOU “MAIS HUMANIZADO” O ATENDIMENTO AOS CLIENTES DE UMA REDE DE HOSPITAIS

Hoje, a WideLabs opera no B2B e no B2G (para este ano, ainda, planeja se lançar também no B2C). 

Entre clientes recorrentes e projetos pontuais, Leoni menciona Raízen (“estamos fazendo uma solução de gestão de conhecimento para eles”), Coca-Cola, Atena Saúde, Biofy, Engeluz… Além do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Outro cliente, este não-nomeado, é uma “grande rede de hospitais”. O CEO da WideLabs revela um fato curioso: 

“Nos testes, recebemos um feedback bem interessante, de que o atendimento estava mais ‘humanizado’. Só que antes era feito por humanos, e agora é feito por IA! Essa é a parte irônica da história, porque a IA dá atenção 100% para você”

A WideLabs se organiza em cinco verticais. Uma delas, multi-indústria, desenvolve agentes conversacionais, os famosos chatbots. Outra mira empresas de saúde para auxiliá-las em demandas como gestão de processos e atendimento ao cliente.

Uma terceira vertical tem foco em soluções jurídicas, incluindo análise de grandes volumes de documentos, a partir de um primeiro case junto ao MP gaúcho para desburocratizar o trabalho da Justiça. 

Há ainda uma frente ligada a sensores e IoT, para análise de dados em tempo real; e uma área de “projetos personalizados”.

O SONHO É CHEGAR AO FIM DO ANO COM MAIS RECONHECIMENTO ENTRE O PÚBLICO

Hoje, a WideLabs mantém dois escritórios, em Porto Alegre e São Paulo. A próxima sede deverá ser em Brasília, afirma Leoni. “Estamos num crescimento acelerado, rampando. Agora, somos 60 e poucas pessoas; em breve, seremos cem.”

Além de um novo escritório, a empresa mira a internacionalização. “Enxergamos a América Latina como um oceano azul. Os grandes players não olham muito para cá. E a gente, com parceiros, tem essa capacidade de avançar rápido.” 

Mesmo reconhecendo o gigantismo desses “grandes players”, como a OpenAI, criadora do ChatGPT, Leoni não parece preocupado com a concorrência. E diz que viu a ascensão da chinesa DeepSeek como algo positivo, até: 

“Brinco que o DeepSeek foi um presente que ganhamos depois do Natal. Porque a gente foi muito questionado: ‘Como vocês treinaram o modelo [de linguagem grande] sendo pequenininhos, sem muito dinheiro?’. Teve que vir uns chineses para mostrar que dá sim para fazer o treinamento de um modelo [com restrição de recursos]…”

Não que os recursos por trás da WideLabs tenham sido tão restritos. A empresa não abre o investimento (nem o faturamento), mas Leoni destaca a relevância dos parceiros. “Não existiria o Amazonia IA sem NVIDIA e Oracle”, afirma. “A gente não teria capacidade de infraestrutura para desenvolver um negócio desses.”

Olhando adiante, com a confiança no futuro e a segurança de quem encontrou o seu propósito, o capitão do Exército que sobreviveu a um tiro de fuzil e se tornou empreendedor faz uma única ressalva: gostaria de chegar ao fim de 2025 vendo a WideLabs ser mais reconhecida.

“Me dói, às vezes, as pessoas falarem que ‘o Brasil não tem uma IA’. Pelo amor de Deus, dá um Google! Ou pergunta para o próprio ChatGPT!”, diz Leoni. “Teve até um jornalista que perguntou na minha frente, e ele [o ChatGPT] defendeu o Amazônia IA, falou ‘benzão’ dos nossos diferenciais… Até ele sabe!”

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