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Que tal viajar o mundo levando o home office na bagagem? Entenda por que o nomadismo digital é uma opção cada vez mais concreta

Emiliano Agazzoni - 4 nov 2020
Emiliano Agazzoni, fundador da Remote Conference.
Emiliano Agazzoni - 4 nov 2020
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Em 2004, um nômade colombiano de uns 50 anos me disse o seguinte: “Você tem duas opções: ou viaja pelo mundo sendo jovem e com pouco dinheiro, ou viaja depois, mais velho e com dinheiro”

Isso ficou gravado na minha cabeça. 

Depois, ele acrescentou: “Bastam apenas três coisas para você poder viajar pelo mundo: dominar um ofício, um instrumento musical e falar outra língua além do seu idioma nativo”

Ele era um nômade — mas não era digital. O ofício que ele mencionava é o que, hoje, entendemos por trabalho tradicional a partir de um computador.

Três anos mais tarde, decidi fazer intercâmbio para trabalhar e estudar em São Francisco, nos Estados Unidos, e mais tarde na Austrália. 

Naquele ano, 2007, Steve Jobs apresentava a primeira versão do seu pequeno aparelho sem botões, batizado de iPhone. Meses depois, Tim Ferriss lançaria o best-seller The 4-Hour Workweek, considerado a bíblia do Nômade Digital 

Ou seja: tinham se passado dez anos desde a epifania que levara Makimoto e Manners, em 1997, a publicar Digital Nomad — o livro que afirmava que o ser humano poderia trabalhar a partir de qualquer lugar e não necessariamente estar num escritório físico.

Leia também: “Fui morar fora com mil dólares no bolso. É possível e vale muito conhecer outras culturas. Eis o que aprendi”

Nessa época, em 2007, os coworkings ganhavam força no mundo, as startups cresciam novamente (depois do estouro da bolha do ano 2000) e o trabalho flexível e o home office conquistavam popularidade. 

O movimento do nomadismo digital, porém, pertencia a poucas pessoas. Ainda não havia estourado. 

Havia raras exceções. Em 2005, a Automattic, a empresa de desenvolvimento web por trás do WordPress, era uma das primeiras a ser remote first (desde sua fundação) e permitia que seus funcionários trabalhassem a partir de qualquer lugar do mundo. Hoje são mais de 1 200 colaboradores distribuídos em 45 países.

OS PRIMEIROS NÔMADES DIGITAIS SOFRIAM COM A FALTA DE INFRAESTRUTURA

Em 2009 eu morava em Buenos Aires, depois de ter estudado em Córdoba, Argentina. Era difícil ficar quieto numa cidade. Criei uma conta no Couchsurfing, que seria o equivalente ao Airbnb daquela época. As pessoas ofereciam um sofá na sua casa para os viajantes (daí o nome) e tinham a opção de levá-los para turistar pela cidade. 

Como vocês devem perceber, minha paixão sempre foi viajar, conhecer culturas e ser parte de comunidades. Entretanto, nunca fui nômade digital puro. Durante três anos abri hostels na Argentina, Uruguai e no Brasil. Criei uma rede de embaixadores que usavam a Che Lagarto Hostels para criar experiências únicas para a comunidade de clientes.

A infraestrutura desses lugares não permitia que, naquele ambiente, o indivíduo pudesse viver e trabalhar. Então, os nômades digitais precisavam se deslocar até um espaço de coworking em cada destino. Mas isso mudaria alguns anos depois

Uma pesquisa de 2018 feita por And Co e Remote Year analisou o comportamento de nômades digitais e freelancers que trabalhavam remotamente e descobriu que 73% dos nômades digitais estavam na estrada havia quatro anos, ou seja, a maioria viajava desde 2014. Esse estudo foi o primeiro do tipo com nômades e freelancers do mundo inteiro.

COMUNIDADES DE NICHO E MARKETPLACES DE SERVIÇOS ALAVANCARAM O MOVIMENTO

Minha experiência com operação de hotéis me levou a ser sócio e COO da Plug em 2014, um dos primeiros coworkings do Brasil, responsável por montar a operação do Cubo no ano seguinte. 

Comecei um processo de evangelização do trabalho flexível e do futuro do trabalho. 

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Naquele ano, conheci a Roberta Vasconcelos, que iniciava sua startup BeerOrCoffee, que nasceria remote first e logo se tornaria a maior plataforma de espaços flexíveis da América Latina. Nunca vou me esquecer do dia em que seu CTO, Eric Santos, mudou para Portugal e continuou tocando a empresa.

Também naquele ano, conheci a Reisy Abramof, que iniciava sua vida nômade. Há cinco anos ela ajuda as pessoas (especialmente latino-americanos) a trabalhar remotamente. Morou no Sudeste Asiático, Austrália e agora está em Puerto Escondido, no México. 

Falando com Reisy, descobri como nos últimos dois anos o nomadismo digital se ampliou — muito por conta da expansão de redes de conexão de pessoas pela internet, marketplaces de serviços e comunidades de nicho

A infraestrutura também avançou nos últimos dez anos; hoje, temos mais espaços de coworkings, cafeterias, plataformas como Couchsurfing e Airbnb, guias turísticos virtuais, depósito de livros, serviços financeiros e celulares com capacidade de se transformar no nosso escritório virtual, além de um portfólio online cada vez mais diversificado de produtos e serviços. 

EM 2020, CRIEI A PRIMEIRA CONFERÊNCIA SOBRE TRABALHO REMOTO DO BRASIL

Sem dúvida, não foi a pandemia que gerou esse movimento, e sim o avanço digital e a abundância de opções que permitem que esses nômades viajem e trabalhem remotamente. 

Em 2016, um estudo do Global Workplace Analytics revelou que 35% da força de trabalho dos Estados Unidos mudariam seus empregos para um modelo remoto durante 100% do tempo. Já em 2020, o estudo demonstra que 56% da força de trabalho (75 milhões de pessoas) de lá pode trabalhar remotamente, pelo menos durante parte do tempo.

Essa convivência com nômades digitais, a experiência em outros países e minha atuação (desde 2014) a favor do movimento do trabalho flexível me levaram a criar, em 2020, a primeira conferência sobre trabalho remoto e nomadismo digital do Brasil: a Remote Conference, que nasceu para discutir o assunto e ajudar pessoas e empresas a construírem uma cultura de trabalho remoto efetiva

No evento digital, realizado em outubro, Camilo Olarte, CEO da Lokl, compartilhou o seguinte sobre os desafios dos nômades digitais: 

“Eles têm dores como a escolha dos planos de saúde e seguros de vida que cubram suas viagens por diversos destinos, dores de cabeça por conta dos trâmites relativos à residência (às vezes você quer ficar um tempo a mais e o visto já não permite), serviços financeiros que permitem usar seu dinheiro e fazer transferências de qualquer parte do mundo, a construção de patrimônios, a criação de uma família, além de, muitas vezes, não sentirem que pertencem a uma comunidade”.

Já existem soluções que fortalecem o ecossistema do nômade digital. A Lokl é uma startup que surgiu em 2019, na Colômbia. Ela combina serviços financeiros e a possibilidade de adquirir uma propriedade para usar em qualquer parte do mundo junto com uma comunidade de suporte em todos os destinos.

Antes dela, já havia a Revolut, um serviço financeiro que surgiu em Londres em 2015 e permite comprar criptomoedas e fazer transferências virtuais. No mesmo ano, na Costa Rica, nasceu a Selina, primeira rede de hospedagem e coworkings exclusiva para nômades digitais, que aterrissou no Brasil em 2018. 

Quando falamos de residência, há países como a Estônia, o primeiro do mundo a oferecer, com poucos cliques, uma “residência eletrônica”, que habilita empreendedores digitais a abrir uma empresa na União Europeia. 

Leia também: Tudo devagar-quase-parando? Inspire-se na história do brasileiro que foi empreender na Estônia, o país mais digital do mundo

Neste ano, Barbados também lançou um visto de 12 meses exclusivo para nômades digitais e qualquer pessoa ou família que queira trabalhar remotamente a partir de uma ilha paradisíaca. Tonika Sealy-Thompson, embaixadora no Brasil de Barbados, foi uma das palestrantes na Remote Conference. 

TRABALHAR NA EMPRESA DOS SEUS SONHOS NÃO DEPENDE MAIS DE ESPAÇO FÍSICO

Hoje, ferramentas e plataformas digitais como Fiverr, Trello, Slack, Doist, Workana e Trampos facilitam a comunicação e gestão do trabalho remoto.

Não muito tempo atrás, as empresas precisavam dos seus colaboradores num única localização para alavancar seus negócios no melhor estilo de produção industrial. Isso mudou. E a boa notícia é que existe um ecossistema de suporte para que as pessoas possam viajar e trabalhar remotamente.

No ano passado, a família nômade do casal Karen Bussacarini e Patrick Marquart decidiu viajar pelo mundo com seus dois filhos. “A escola é mundo”, diz Karen, quando pensa na educação do seus filhos. Eles são empreendedores digitais brasileiros e trabalham remotamente.

A busca de talentos não depende mais dos espaços físicos. Trabalhar na empresa dos seus sonhos, tampouco. Agora, que tal combinar tudo isso com viagens e um acúmulo de experiências inesquecíveis que você vai levar para o resto da sua vida?

Sem dúvida, 2020 foi o ano da mudança que, sem querer, presenteou o nomadismo digital com o boost que ele merecia. Aquilo que ouvi do nômade colombiano em 2004 voltou mais forte 16 anos depois.

Em casa, estamos repensando nossa vida. Minha mulher, brasileira, também já morou fora e o desejo de viajar e trabalhar em qualquer parte do mundo está mexendo conosco. A infraestrutura está mais adequada para o nosso caso — um casal com filhos. 

E aí, vamos fazer uma aposta? Será que até 2021 viramos uma família de nômades digitais?

 

Emiliano Agazzoni é gestor sênior de hubs de inovação e especialista em gestão de comunidades. Nascido em 1983, na Argentina, é formado em Gestão de Turismo e Hospitalidade pela Universidad Blas Pascal, em Córdoba, estudou  Business Negotiating na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e empreendedorismo e inovação na ESPM.  Sua experiência inclui consultoria para gestão de comunidades de clientes como Mercado Favo, World Creativity Organization, Distrito, BrandGym e Sportheca entre outros. Foi sócio e COO da Plug.co, e participou da fundação do Cubo, atuando como gerente de operações.

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