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“Nunca tivemos tantos jovens sofrendo com ansiedade e depressão. Precisamos investir na educação socioemocional, com urgência”

Priscylla Spencer - 3 set 2021
As quatro "mosqueteiras" voluntárias (a partir da esq.): Milene Lamarca, Priscylla Spencer, Sandra Carabetti e Tania Iorillo.
Priscylla Spencer - 3 set 2021
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Em setembro de 2018, participei de um workshop sobre suicídio promovido pela ONG Espaço SER, em parceria com o Grupo Mulheres do Brasil. Na ocasião, pude constatar que, sim, o tema é  preocupante e delicado. Mas descobri também existem pessoas querendo falar e fazer alguma coisa para reverter essa situação.  

Naquele dia, eu havia decidido sair de casa pela primeira vez à noite, após mais de dois anos do nascimento do meu filho, pois estava full time somente no maternar. Parecia um chamado! 

Não sei o motivo do meu interesse nesse tema, além de tentar entender o desafiante “sentido” de uma criança tirar a própria vida. É difícil aceitar que isso aconteça e que estamos de olhos fechados para esse fantasma que parece cada vez mais próximo do grupo de pessoas que fazem parte do nosso círculo afetivo 

Deixei meu pequeno com o meu marido e fui. Fiquei um pouco perdida, pois parecia estar entrando no mundo novamente, depois de tanto tempo fora dele. Listei e escolhi algumas atividades e eventos gratuitos para participar e assim recriar novos “vínculos” pessoais e profissionais. O curioso foi ter escolhido justamente esse evento para o meu reingresso no mundo social. 

Levei comigo um pequeno texto impresso sobre o assunto, o suicídio cada vez presente em nossas vidas e a ausência de ações preventivas, até então. Nem imaginava que conheceria a família Campos, e seríamos amigos e parceiros em projetos. 

Tive a grande oportunidade de ouvir uma família que vivenciou a tragédia de perder um jovem com apenas 14 anos de idade. E o mais incrível é que eles usaram a dor da perda para ajudar outros jovens que sofrem com algum tipo de transtorno. Ressignificaram a dor 

O Matheus, 14 anos, é (sempre será) filho de Tania Iorillo e Fernando Campos, fundadores da ONG Espaço SER – Casa Matheus Campos. A ONG leva o nome dele, para perpetuar e manter viva sua memória como símbolo da luta pela vida. 

COMO PREVENIR O “CURTO-CIRCUITO” QUE LEVA AO SUICÍDIO?

O trabalho desse casal para não deixar que outras famílias, cujos filhos sofrem com algum transtorno, vivenciem o que eles vivenciaram — ou melhor, para que esses jovens se sintam amados, incluídos na sociedade e não pensem em tirar a própria vida — me deixou emocionada e muito sensibilizada.

A doação de amor através de atividades terapêuticas e físicas é a forma que eles encontraram para seguir em frente, unidos com o propósito de acolher esses seres que gritam silenciosamente por socorro. Atividades como yoga, meditação, reiki, tai chi chuan, acupuntura, aulas de línguas e artes são algumas das práticas e terapias dedicadas de forma voluntária a esses jovens. 

Muitos deles possuem dentro de si algo que os faz se sentir deslocados do mundo, e mesmo de seu lar e sua família. Então, como despertar a ideia de pertencimento? E o que eles estão querendo nos dizer, qual a mensagem? Será que não é possível mudar esse cenário e evitar o “curto-circuito” que leva ao suicídio?

Essa ótima definição — “curto-circuito” — é da Tania Iorillo, fundadora da ONG. Com base nessas perguntas, nós nos unimos para transformar essa realidade.

Eu e Tania começamos a conversar sobre a nossa vontade de criar um projeto de educação, com a finalidade de levar ferramentas que trabalhasse as emoções das crianças e jovens nas escolas.  

Teve início, assim, uma troca de ideias sobre o objetivo em comum de mudar a educação — além de uma linda amizade. 

UM QUARTETO DE VOLUNTÁRIAS E “MOSQUETEIRAS” DA EDUCAÇÃO

Para que a troca de ideias fosse mais produtiva, juntou-se a nós (eu e a Tania) uma psicóloga voluntária da ONG, que por conta de outras prioridades não pôde seguir conosco. Caminhamos um pouco mais lentamente, mas as ideias surgiam e colocávamos tudo no papel. Montamos a estrutura e só precisávamos de uma ajuda para “aparar” algumas arestas.

Um pouco mais à frente, a Tania, com sua luz, trouxe mais duas voluntárias da ONG para nos ajudar com o projeto, as queridas Milene Lamarca e Sandra Carabetti. Pronto! Formamos as quatro mosqueteiras do projeto Educação. Voltamos a caminhar com mais vontade, velocidade e novos insights.

Nesse período me tornei voluntária da ONG em outra frente, nas redes sociais, e em paralelo fomos arrumando o que faltava. 

Minha jornada na ONG é desafiante e ao mesmo tempo grandiosa e inspiradora. Aprendo diariamente como tratar o outro, como escutar, dialogar e respeitar a vontade e opinião de cada um. Com as meninas — Tania, Milene e Sandra –, toco o barco das redes sociais com bate-bolas quase diários. Entre desabafos, risadas e choros, ao final sempre conseguimos nos desvencilhar das “armadilhas” sabotadoras e chegamos a um consenso bom para todas 

A Tania, professora de francês, tornou-se idealizadora de projetos por ter muitas ideias relevantes. A Sandra é a nossa pedagoga e conselheira, e a Milene, de analista de sistemas tornou-se buscadora de soluções humanizadas. Quanto a mim, migrei de engenheira a facilitadora de transformações — do mapeamento dos processos ao mapeamento dos sentimentos.

As meninas atuam na linha de frente da ONG, no acolhimento direto aos jovens, junto com os especialistas em cada terapia e prática. Eu fico mais nos bastidores, antes nas redes sociais e agora full time no projeto de educação. 

NO MUNDO PÓS-PANDÊMICO, A EDUCAÇÃO “GRITA” POR NOVAS PRÁTICAS

Voltando ao projeto de educação, logo saiu o nosso manifesto e, em seguida, a cartilha. Depois de muitas reuniões de brainstorming, remue-méninges (em francês), como diria a Tania, conseguimos andar e finalmente consolidar todas as ideias na cartilha.

De 2018 a 2021, chegou a hora de espalharmos essas sementinhas para o mundo. Não haveria momento mais propício para lançarmos o projeto do que esse momento pandêmico/pós-pandêmico, onde a necessidade de mudar a educação grita por novos olhares e novas práticas. 

O nosso projeto aborda enfaticamente a preocupação com a saúde mental dos alunos, por isso estruturamos a cartilha com esse olhar, acolhimento e empatia. 

Acreditamos que é preciso dar às crianças e aos jovens a oportunidade de uma nova educação. Aquela que os ensine além do conhecimento exterior, que os faça olhar para dentro de si, a fim de se tornarem cidadãos mais conscientes e humanizados. Uma educação que os estimule a desenvolver reflexões sobre valores e sentimentos e permita a construção de ferramentas para lidar com as adversidades e impasses da vida

Assim, essas crianças e jovens poderão aprender, reaprender e reformular seus pensamentos — e encontrar caminhos alternativos positivos para lidar com suas frustrações e propósitos.  

Essa nova estrutura educacional, embasada na formação socioemocional, permitirá que os jovens se tornem formadores de opinião, e não formados por ela. É isso que o mundo pede com urgência. É isso que cessará gradativamente a taxa crescente de ansiedade, depressão e suicídio no mundo.

As crianças e jovens anseiam por mudanças que façam sentido, um novo mundo com uma nova visão mais colaborativa e humanizada. 

O que é o projeto Educação Consciente e Integrativa: 

É uma forma simples e prática de transformar a base da educação sem muitos investimentos. O projeto mostra ser possível reestruturar a educação do nosso país unindo forças: escolas, pais, professores e alunos. As atividades propostas, práticas e inovadoras, contribuem para uma educação consciente, liberta e criativa. Crianças e jovens precisam da oportunidade de uma educação voltada não só ao conteúdo, mas sobretudo aos valores que os formem para a VIDA. Uma educação que os ensine a aprender e reaprender. Que os ensine a serem APRENDEDORES.  

As práticas como base para ensinar o autoconhecimento: 

As práticas energéticas e complementares são validadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e alinhadas com a Carta de Ottawa, que preconiza que a promoção da saúde deve estar ligada ao bem-estar e à qualidade de vida de forma mais ampla. E estamos falando aqui de saúde emocional.  

Essas práticas incluem: yoga, meditação, tai chi chuan, aulas ou oficinas de arteterapia, origami, musicoterapia, dança, reiki, jardinagem e culinária. Acrescentamos ainda outras dinâmicas, como rodas de conversa, projetos sociais e atividades em conjunto com os pais. 

Estudos comprovam, também, benefícios dessas ações complementares para o autoconhecimento. São ferramentas riquíssimas e necessárias na formação dos jovens cidadãos. São essas e outras que queremos levar para as escolas, desde a base infantil. 

Por que implantar? 

O incentivo às práticas complementares servirá como alavancas para uma educação mais  humana, reflexiva e colaborativa. Certamente, de nada servirão as fórmulas decoradas, as respostas prontas sobre história, o cálculo da raiz quadrada ou as boas notas se esses alunos e alunas não forem capazes de lidar com as próprias emoções e frustrações.  

Somos seres preocupados com o futuro da nova geração. Queremos fazer algo para melhorar nosso país e o mundo. Acreditamos que o futuro “justo” para todos dar-se-á com os jovens despertados por uma NOVA EDUCAÇÃO: autoconhecimento, compartilhamento, engajamento, generosidade e liberdade do Ser.  

Esse é o resultado daquela noite, quando tudo pareceu estar sendo muito bem planejado. Por quem? Não sei bem ao certo. Mas acredito veementemente na máxima de que “nada acontece por acaso”. 

Não há nada que nos leve a crer na existência de um Brasil comprometido nesse nível com a saúde mental da população. No entanto (e como sempre), são a solidariedade, a generosidade e a compreensão de cada um que devem ser usadas como tábua de salvação por quem rema contra a corrente

Não pode haver humanidade maior do que se colocar ao lado daquele que  se debate entre a depressão e o desejo de pôr fim a tudo. E a prevenção começas pelas escolas.

 

Priscylla Spencer, 40, é Facilitadora de Transformações, criadora do método ‘Mapeamento dos Sentimentos para Líderes do Agora’ e coordenadora na ONG Espaço SER – Casa Matheus Campos, instituição filantrópica que atende pessoas a partir de 8 anos de idade, com ansiedade crônica, depressão profunda, transtornos psíquicos e tendências suicidas. Dela, o Draft já publicou um Lifehackers, aqui.

 

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