“A crise da indústria da mídia é uma crise de modelo de negócios – não é uma crise de demanda”

Giovanna Riato - 19 maio 2016Adriano (de camisa quadriculada, ao centro) e os participantes da aula na Academia Draft.
Adriano (de camisa quadriculada, ao centro) e os participantes da aula na Academia Draft.
Giovanna Riato - 19 maio 2016
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O temporal da segunda-feira, 16, não impediu as pessoas de irem à aula da Academia Draft sobre A Nova Indústria da Mídia, conduzida por Adriano Silva, publisher do Projeto Draft e cofundador da Academia. Se o interesse é grande é porque a crise é braba. Jornalistas, publicitários empreendedores da área de mídia venceram o pé d’água e compareceram. Por causa do temporal, a ProjectHub, que tradicionalmente sedia as aulas às segundas-feiras, ficou sem luz (assim como muitos bairros de São Paulo naquela noite) e a aula migrou do espaço intimista para o auditório da Unibes, também pertinho da estação Sumaré do metrô.

A mudança repentina exigiu adaptação: avisar todos de última hora e achar o cantinho certo para acomodar a terceira grande atração das aulas da Academia Draft (depois do conteúdo e da troca de ideias): frutas fresquinhas para beliscar, petiscos orgânicos da Farofa.la, além de refrigerantes, água e cerveja para amortecer o choque das informações que viriam nas duas próximas horas.

Antes de abrir a transmissão ao vivo para o pessoal que se inscreveu para assistir pela internet, Adriano pergunta o que cada um espera descobrir naquela aula. As expectativas eram muitas: entender o consumidor de informação, descobrir estratégias para os anunciantes e encontrar inspiração para empreender no mercado de conteúdo. Sem soberba, o professor avisa que vai dar o seu melhor, mas que as respostas ainda estão em construção. É tudo troca e descoberta.

Transmissão aberta. Todos atentos. Para inspirar, começa falando de nova economia – tema de outra palestra dele. Ele cita exemplos de disrupção e negócios criativos só pela importância de lembrar que, sim, é possível mudar e inovar até no aparente beco sem saída que a indústria de mídia está agora:

“Você pode hackear tudo na sua vida”

Ele passa por cada período da internet e traça um paralelo com a evolução da mídia e da comunicação em cada um destes momento (você vê abaixo as etapas detalhadas). E segue provocando: “Todos nós da mídia fomos criados para ser gate keepers e decidir quem entra e quem não. Acontece que não temos mais esse poder há muito tempo”. Adriano se refere à saudosa época em que os veículos de comunicação criavam sua comunidade de leitores que só poderia ser acessada pelos anunciantes, caso eles pagassem muito bem. Agora recursos como o retargeting derrubam intermediários e permitem que as empresas cheguem ao consumidor de forma assertiva. E essa nova lógica deixa as os comunicadores de cabelos em pé.

Parece que sobra para todo mundo: as agências de publicidade têm que buscar a rentabilidade sem contar com o BV e os veículos de comunicação, coitados, precisam inventar outro modelo de negócio. Adriano garante que o caso não está perdido. Ele mesmo se reinventou ao longo da carreira e sempre encontrou novas saídas. Trabalhou na editora Abril onde conduziu a criação de uma série de títulos e depois foi para o Rio de Janeiro assumir a diretoria de redação do Fantástico, da Globo. A partir daí empreendeu. Trouxe para o Brasil o Gizmodo, entre outros blogs e percorreu alguns caminhos na internet até criar o Projeto Draft.

A CRISE NÃO É DE CONTEÚDO

A boa notícia para os veículos de comunicação, ele conta, é que a crise passa longe de ser de conteúdo. O desafio é encontrar um modelo de negócio que funcione. Para Adriano, um dos ativos mais importantes de um veículo de comunicação é o grupo de pessoas que ele cria em torno de si. “As marcas fazem conteúdo para reunir comunidade. Quem faz diferente tá errado”, reforça, levantando a voz em alguns tons para ninguém deixar passar. “Ainda existem pessoas que gostam de correr, ou que gostem de carros. Elas querem se informar e nunca precisaram tanto da gente. Demanda por curadoria, edição e referência é enorme.”

Com o fim de muitos títulos, Adriano acredita que comunidades ficaram órfãs de informação de qualidade, de um veículo capaz de representá-las. Este movimento abre uma grande oportunidade.

“Eu não sei como ganhar dinheiro com isso, também estou tentando, mas existe demanda. E quem tem demanda, tem tudo”

Suspiro de alívio entre os presentes.

OS ANUNCIANTES PRECISAM ESCOLHER UM LADO

Para as marcas, Adriano diz que começa a pesar a necessidade de escolher um lado, se posicionar para atrair quem tem o mesmo ponto de vista e formar a tal da comunidade. “Não é para falar, é para mostrar. Nem todas as pessoas se conectarão com o propósito da empresa e tudo bem. Saímos da era de gerar consumidores para a era de ter consumidores fãs.” Ele conta que, do storytelling saltamos para o storydoing: é hora de mostrar, de estar presente.

“É a era dos consumidores com microfone na mão. Temos que entender que são eles que nos sustentam e mostrar respeito, falar a verdade não só para vender”, arremata. Por essa lógica, a comunicação não está mais no que a marca quer dizer, ela está em todos os pontos de contato. “Se o cliente tem um problema e é atendido mal pelo SAC, você tem um problema de comunicação. Se tem uma questão jurídica, você tem um problema de comunicação.”

É o novo mundo em que o tal propósito da marca tem que fazer sentido e funcionar 100% não só para os clientes, mas para todo mundo que está lá dentro como representante da empresa.

“Não há mais intermediários. Mídia é qualquer lugar onde as pessoas se encontrem.”

É questão de sotaque, ele diz. “Precisamos perceber quando o sotaque expirou, quando o anúncio fica velho em um mundo de conversas.” O universo virtual das trocas pede mais. “Depois de aprender a engajar, as marcas começam a trocar e, o mais difícil, a ouvir.” Adriano avalia que o brand content também dá os primeiros sinais de envelhecimento: “Precisamos renovar a linguagem”. Já as ações que promovem a experiência se fortalecem. Ele cita a Brahma, que decidiu reformar campinhos de futebol em periferias antes da Copa no Brasil. “Isso contra uma propaganda com mulheres de biquíni na praia: qual dos dois faz mais sentido?”

KODAK OU APPLE. QUEM VOCÊ QUER SER?

Ao longo do papo sobre comunicação e internet, foi inevitável passar pelos dois grandes saltos dados pela Apple. O primeiro, ao lançar o iPod e destruir a indústria fonográfica como ela era até então, e o segundo, com o iPhone, produto que aniquilava justamente a inovação anterior da empresa, que garantia a rentabilidade. “Acredito que, mais importante do que o que Steve Jobs criou, é o que ele escolheu matar. É muito corajoso dar esse passo no escuro.”

É um olhar e tanto para a figura do fundador da Apple, já tão desgastada como referência de inovação. “Ele mesmo decidiu matar o próprio produto antes que alguém o fizesse. É muito difícil matar aquilo que te trouxe até aqui.” Pronto, é nessa hora que todo mundo olha para o próprio umbigo e sente um pingo de vergonha da falta de coragem de dar, às vezes, um passo pequeno adiante.

Mais para frente na aula, Adriano resgata a referência para lembrar de um fim vergonhoso. “Steve Jobs fez o que a Kodak não fez e morreu. A câmera digital era um produto que ela já tinha, mas não quis colocar no mercado. Alguém veio e fez isso.” E daí, ao fazer o paralelo com a indústria de mídia, o complemento:

“O capitalismo evolui. Negócios andam para frente. Ou a gente se adapta ou vamos submergir reclamando que o mercado é injusto. Ele não é injusto, é darwinista”

E vem outro exemplo. O MSN Messenger, que chegou a ser a plataforma favorita das pessoas para trocar mensagens no mundo e perdeu espaço para o WhatsApp. “A Microsoft apostou que era uma empresa de computadores e não foi para o mobile, que é onde as pessoas estavam naquele momento. Quantas vezes não fazemos isso com o nosso negócio, de nos enxergar de forma totalmente equivocada?”

Adriano defende que, se você não está confortável, é preciso movimentar, buscar saída. Para ele, a mídia pragmática, com ad exchanges, retargeting e outras ferramentas, mata a mídia tradicional. “Isso é genial. O anúncio segue a pessoa física e acaba com o gate keeper, fere a lógica histórica dos veículos. É fantástico.” E continua: “Se você vira um gato gordo, fica sem musculatura para a hora em que precisa se mexer”, diz, sem esboçar qualquer preguiça ou medo de dar os próximos passos. Depois dessa, a gente, do lado que ouvia, também se compromete a fugir da armadinha do gato gordo.

Para encerrar, segue um resumo sobre a evolução e as diferentes fases da internet e da mídia:

-1995 a 2001: Internet 1.0
Emergência dos portais, que eram porta de entrada das pessoas na rede. Os sites nasciam estáticos e unidirecionais, sem troca. A publicidade mantinha o formato tradicional, apenas replicado na nova plataforma. “Nessa época, quando o seu cliente pedia uma campanha você resolvia com um filme de 30 segundos para TV, outdoor e campanha na revista Veja. Era colocar isso no ar e você podia esquecer o assunto. Hoje o problema começa justamente quando a campanha vai ao ar”, diz Adriano, lembrando do consumidor empoderado com o microfone na mão.

-2001 a 2009: Internet 2.0
Os celulares começavam a ter novo uso: era possível trocar SMS além de fazer ligações. Chega a primeira geração da banda larga. Ascensão do Google. Emergem os blogs, ferramentas simples que permitem que todos publiquem profissionalmente na internet. A novidade mostrou que a presença na internet não pode ser estática e os sites se tornam via de mão dupla, com espaço para ouvir o leitor. “A blogsfera foi uma grande disrupção, a criação de um novo player. O debate se enriquecia depois do ponto final com o debate que acontecia nos comentários. Foi a primeira iniciava a envelhecer o modelo dos portais”, diz Adriano. Ele enfatiza que nesse momento surgiu o problema da rentabilidade da indústria de mídia — que se se agrava desde então.

-Depois de 2009: Internet 3.0
Bem-vindo à era das redes sociais. Facebook faz modelo de blog envelhecer e oferece novos caminhos para a propaganda na internet. O WhatsApp acontece. Google everywhere. Sites passam a reunir comunidades e surge a social TV. “Ninguém mais fica só em uma tela. Você assiste TV e comenta usando o celular.” Marcas começam a notar que não chegarão ao consumidor com um reclame, mas com conversa. Smartphones e tablets fazem a ligação telefônica parecer a coisa mais antiga do mundo.

-Internet 4.0, o que vem por aí:
Fim da web, da URL. “Parece irreversível que teremos cada vez mais internet e cada vez menos web”, diz Adriano. A tendência é por um mundo cada vez mais digital, mas menos dependente de sites. Com tudo na nuvem, entram em decadência também os suportes físicos: DVD, pendrives, HDs… A linguagem publicitária envelhece. “Você sabe quando estão querendo te vender e não embarca nessa.” A internet e a comunicação tendem a ficar nas mãos de poucos gigantes: Google, Facebook, Apple, Microsoft e Amazon, que consolidam muitos negócios. Do outro lado, empresas cada vez menores e competentes também encontram seu espaço.

 

 

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