O futuro da sua família e da minha – um pequeno exercício de futurismo

Adriano Silva - 24 maio 2022 Adriano Silva - 24 maio 2022
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Sempre considerei que o grande problema de não ter filhos seria a impossibilidade de ter netos.

Um casal sem filhos tem uma perspectiva de vida bem bacana. Você dorme mais e melhor. Você pode decidir, na madrugada de sábado, pegar o carro e ir passar o fim de semana na praia. Seu dinheiro é só seu. Sua mulher é só sua, seu marido também etc. Você não precisa servir de exemplo a ninguém e se você morrer amanhã o problema é só seu.

Com filhos, o jogo muda. Você não é mais o centro gravitacional do seu próprio universo. Você vira um provedor com compromissos financeiros pesados pelos próximos 25 anos

Sua sensibilidade ao risco e suas preocupações com o futuro (desde as contas que vencem no fim do mês até o mercado de trabalho daqui a duas décadas) tendem a aumentar bastante. E agora você é responsável pela formação de outro ser humano.

Mas haveria, para esse casal livre, leve e solto, que pode transar em qualquer lugar da casa na hora em que bem entender, um momento na vida em que os netos fariam falta. 

Eis o ponto: filhos talvez não façam tanta falta quanto netos. Filhos são trabalho duro. E representam um contrato de longo prazo. Já netos, de modo geral, exigem muito menos esforço. Implicam muito menos riscos. O contrato, para começar, não é seu. Você é, no máximo, uma espécie de testemunha. (Ou, vá lá, de fiador.)

Netos costumam reenergizar seus avós. Netos têm o poder de inventar um sorriso novo, uma gargalhada exclusiva, nos pais de seus pais. Netos trazem consigo o convite a um novo ciclo na vida de gente que está entrando nos anos numa espécie de estabilidade que às vezes se confunde com monotonia e ausência de propósito

Se os casais com filhos vivem a crise do empty nest, quando seus rebentos saem de casa para encarar a vida adulta, os casais sem filhos encarariam na meia idade um outro tipo de crise – o ageing nest, ou o envelhecimento do ninho. 

Essa era uma boa tese. Mas me dou conta de que dois outros fenômenos precisam entrar nessa conta.

As mulheres da minha geração estão entrando agora na menopausa. Constato que metade delas optou por não ter filhos. Sozinhas ou com seus companheiros ou companheiras, elas lidarão com seu ageing nest adotando um cachorro ou um gato, ou os dois. Viajarão mais, lerão mais, assistirão mais filmes e séries.

A outra metade das pessoas, que escolheu ter filhos, está engravidando mais tarde, por volta dos 35 anos. Então aqui temos o primeiro fenômeno que precisamos considerar: quem decidiu procriar só conhecerá os netos depois dos 70 anos.

Ou seja: não haverá muita convivência dos avós com os filhos de seus filhos daqui para frente, mesmo que dê tudo certo e essas pessoas consigam viver com saúde até depois dos 80 (o que parece ser também uma tendência)

O segundo aspecto a levar em conta: se aplicarmos a mesma regra da minha geração à geração seguinte, assumiremos que ao menos metade deles não procriará. (Eu acho que essa taxa tende, na verdade, a aumentar.) 

Ou seja: ter filhos não garante, de modo algum, que você vá se tornar avô ou avó. Já na minha geração, metade das pessoas que decidiu ter filhos (e que já representava metade do total de indivíduos) simplesmente não terá netos – por decisão dos seus filhos.

Aliás: interessante essa progressão aritmética ao contrário, em que metade das pessoas, geração após geração, decide não procriar. A cada 100 indivíduos teremos apenas 50 mamães e papais, que gerarão apenas 25 progenitores, que por sua vez serão seguidos por apenas 12 corajosos procriadores, e assim por diante. 

A população humana diminuirá. Um alento para o planeta. 

***

Há outro ângulo interessante nesse olhar sobre o futuro da sua família (e da minha): o impacto dessas mudanças no empty nest e no ageing nest na situação das pessoas (como você e eu) quando se tornarem idosas. 

As famílias tinham meia dúzia de filhos ou mais por alguns motivos: dificuldades técnicas, financeiras ou religiosas com a contracepção, demanda por mão de obra para ajudar nos afazeres da casa ou no trabalho da família – e, claro, o estabelecimento de uma rede de proteção para os pais, quando envelhecessem.

Não que ter uma pá de filhos garantisse que um deles sequer fosse cuidar de você. Mas suas chances de contar com um teto e um prato de comida aumentava estatisticamente com o tamanho da prole. 

Este cenário mudou. Famílias com mais de dois filhos são cada vez mais raras. E representam um ato pouco sustentável, ao contribuir para o aumento da população humana. Pode-se dizer que gerar três ou quatro crianças é mais ou menos como ter um SUV – você só tem se puder pagar pelo luxo, e se não se importar muito com sua pegada de carbono

Famílias com dois filhos parecem ser o fiel da balança: dois indivíduos produzem dois novos indivíduos antes de morrer. Ou seja: você não contribui para o aumento da população, e nem para a sua diminuição. É mais ou menos como o flexitarianismo: talvez você pudesse fazer mais, mas qualquer contribuição é bem-vinda. 

Famílias com um filho dão uma contribuição melhor para a melhoria das condições de vida na Terra: dois indivíduos sairão de cena tendo deixado apenas um em seu lugar. A melhor analogia talvez seja com os vegetarianos – seus hábitos não erradicam o sofrimento animal, mas não é possível dizer que estão fazendo pouco. 

A grande questão, para esses pais de filhos únicos, é que estarão impondo a um só indivíduo o cuidado de duas pessoas em seus processos de envelhecimento. Trata-se de uma herança pesada. Seria desejável que esses pais planejassem de algum modo sua finitude, para tornar menos árduo o trabalho futuro de seu filho ou filha.

E pessoas sem filhos talvez sejam as que mais contribuem, no curto prazo, para a regeneração do planeta. Na metáfora que venho propondo, corresponderiam aos veganos: seu gesto está no nível da abnegação. 

Você vai embora e não deixa ninguém em seu lugar. Sua família termina em você. Você não passará sua carga genética adiante. Do ponto de vista da evolução, é o gesto mais altruísta que espécimes programados para o egoísmo reprodutivo, como nós, poderíamos tomar

O ponto aí é compreender que não haverá ninguém para cuidar da sua inevitável decadência física e mental. Nem sempre, infelizmente, a vida termina de modo rápido e indolor. E você estará sozinho. Então é fundamental preparar bem, com antecedência, as condições que lhe permitirão viver bem seus últimos anos.

 

Adriano Silva é fundador da The Factory e Publisher do Projeto Draft e do Future Health. É autor de dez livros, entre eles a série O Executivo SinceroTreze Meses Dentro da TV A República dos Editores, e lançou recentemente seu mais novo título: Por Conta Própria: do desemprego ao empreendedorismo – os bastidores da jornada que me salvou de morrer profissionalmente aos 40.

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