Queridas e queridos que vieram depois,
Se hoje escrevo para vocês, é porque alguém, lá atrás, ousou sonhar comigo. Alguém desafiou os limites impostos, resistiu e persistiu, para que eu pudesse estar aqui, para que vocês pudessem estar aqui.
Nossa existência é fruto de uma teia de coragem e imaginação radical. Somos o sonho de nossos ancestrais realizado e o alicerce para quem ainda virá.
Nasci e cresci na periferia de Belo Horizonte, onde os livros eram portais para um mundo que eu ainda não conhecia. Eu os lia com fome, porque sabia que dentro deles existiam possibilidades que o mundo ao meu redor ainda não me oferecia
Poucos exemplares chegavam até mim, mas cada história alimentava um desejo: viver uma vida plena, ocupando espaços sem precisar pedir permissão.
Aprendi cedo que imaginar outros futuros é um ato revolucionário, mas torná-los realidade é um compromisso coletivo.
Minha trajetória profissional foi tecida entre luta e possibilidade. Como mulher negra, tive que me tornar ponte onde só havia muros.
Caminhei por trilhas que não haviam sido feitas para mim, e mesmo assim, persisti. Trabalhei, estudei, rejeitei os limites que me impuseram.
Hoje, ocupo uma cadeira de liderança em uma das maiores consultorias de tecnologia do mundo como head de Diversidade, Equidade e Inclusão para Americas e fui reconhecida como uma das 100 afrofuturistas mais influentes do mundo pela MIPAD, em parceria com a ONU
Mas títulos são apenas um detalhe. O que importa é a responsabilidade que carrego: abrir caminhos para que mais pessoas negras ocupem os espaços que historicamente nos foram negados.
Nem toda transformação, no entanto, vem apenas do trabalho.
Em 2023, minha vida tomou um rumo inesperado quando fui diagnosticada com um câncer de mama severo.
Foi um mergulho em um mar revolto, uma jornada de dores, curas e descobertas. Foi um aprendizado sobre vulnerabilidade e resiliência, sobre o poder do cuidado e da comunidade.
E foi também um reencontro com minha ancestralidade, um lembrete de que eu nunca caminho sozinha
No meio desse processo, nasceu Ancestrais do Futuro – Qual a mudança que seu movimento alcança? Um livro que não é apenas sobre minha história, mas sobre a nossa história coletiva.
Sobre como cada decisão que tomamos hoje molda o amanhã. Sobre como precisamos nos comprometer a imaginar radicalmente futuros mais justos e habitáveis para todos nós.
Escrevo para vocês porque sei que, assim como eu, vocês também sonham.
Talvez o mundo tente convencer vocês do contrário, insistindo que alguns caminhos não foram feitos para pessoas como nós.
Mas eu estou aqui para lembrar que somos herdeiros e herdeiras de uma longa tradição de sonhadores que transformaram a realidade.
A imaginação é uma tecnologia poderosa, ancestral, que nos permite ver além das barreiras impostas.
Se há algo que desejo que levem desta carta, é isso: sonhem alto, imaginem sem limites e construam o mundo que querem viver
Sejam a mudança que o futuro precisa. Sejam ancestrais dos que ainda virão. Sejam bons ancestrais do futuro.
Com coragem e esperança,
Grazi Mendes.
Grazi Mendes é professora e especialista em diversidade e inclusão.
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