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O Projeto Âncora inova com gestão escolar democrática e educação a serviço da cidadania

Paulo Vieira - 20 jun 2018
Vista área do Projeto Âncora: terreno de 12 mil m² e lona de circo para assembleias com presença dos alunos
Paulo Vieira - 20 jun 2018
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Em Cotia, na Grande São Paulo, existe uma escola diferente. Lá, 160 crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social que vivem em comunidades do entorno decidem não apenas o que vão estudar, mas os próprios rumos da instituição. A gestão democrática, aplicada por meio de assembleias com a participação dos alunos (ou “educandos”, como são chamados), é uma das marcas do Projeto Âncora, uma das escolas mais inovadoras do Brasil e do mundo.

Tema de um episódio da série Destino: Educação – Escolas Inovadoras (exibida pelo Canal Futura em parceria com o Sesi), o Âncora recebe semanalmente a visita de educadores e curiosos em geral – as crianças atuam como cicerones. O Projeto Draft esteve lá num desses dias de visita, numa terça-feira de maio, para entrevistar sua cofundadora, Regina Steurer, e entender como a escola abre mão do ensino tradicional para transformar jovens em protagonistas da sua própria educação.

O QUE É? Uma das 12 escolas mais inovadoras do mundo, de acordo com levantamento do Sesi, da Fundação Roberto Marinho e do Instituto Inspirare, o Projeto Âncora atende 160 crianças e adolescentes de baixa renda em horário integral, com correspondência aos ciclos infantil, fundamental I e II e médio das escolas brasileiras. Eles não se agrupam em classes por idade, mas em “núcleos de aprendizagem” – iniciação, desenvolvimento e aprofundamento. Cada aluno (ou educando) define junto com um tutor os projetos que irá executar conforme seus interesses, necessidades, aptidões e potencialidades.

NÃO TEM AULA? No sentido estrito, não. A criança é responsável por seu aprendizado e estimulada a controlar sua agenda. Em sessões individuais, o tutor ajuda a mapear tarefas para levar a cabo o projeto escolhido. As disciplinas da base curricular comum são aplicadas e absorvidas na prática; temas da matemática, por exemplo, surgem quando os educandos se dedicam a calcular a economia gerada por uma colheita abundante de tomates-cereja na horta comunitária da escola. E assim como não há aulas, não há provas. Para “passar de ano”, o critério principal é o ganho de autonomia. O tempo de permanência na iniciação é elástico: pode ser de “uma semana a três anos”.

A ESTRUTURA O terreno de 12 mil m² tem fincada em seu centro geográfico uma lona de circo. Como na ágora ateniense, a praça central onde os gregos antigos se reuniam, debatiam e se dedicavam a inventar a democracia, o circo é palco de assembleias em que são tomadas as decisões coletivas que norteiam a rotina e os rumos da instituição. Sob a lona também ocorre, claro, a prática das atividades circenses, fundamentais (segundo os educadores) para a injeção de habilidades socioemocionais, como desinibição e eloquência. Há ainda uma horta comunitária, laboratórios, um half-pipe para skate, refeitório, cozinha, oficina e diversas áreas arborizadas.

OS FUNDADORES O Âncora é fruto do desejo do executivo catarinense Walter Steurer (1940-2011) de devolver ao país o que sua família (de origem austríaca) tinha recebido ao chegar, fugindo da guerra na Europa. Sua esposa, a arquiteta Regina Steurer, havia trabalhado em iniciativas de urbanização de comunidades carentes e na implementação de programas habitacionais no Rio de Janeiro e em São Paulo. O casal tinha clareza sobre a dimensão da desigualdade econômica e social do Brasil – e sabia o que não funcionava para resolver nossos problemas. “O assistencialismo só enxugava gelo. Vimos que a solução estava na educação”, diz Regina.

ORIGEM E EVOLUÇÃO O projeto nasceu em 1995, como uma associação sem fins lucrativos que “apenas” complementava a educação regular de jovens por meio de atividades práticas, esportivas e artísticas, sempre de olho na inserção cidadã. A lona do circo subiu em 1996, mesmo ano em que a quadra foi inaugurada. A primeira turma do curso de computação formou-se em 2004. Mas o Âncora só confirmou sua vocação em 2012, tornando-se efetivamente escola. A metamorfose continua. No ano passado, deu início ao ciclo equivalente ao ensino médio.

O EDUCADOR Uma plêiade de pedagogos e teóricos brasileiros (como Paulo Freire, Nise da Silveira e Anísio Teixeira) é citada entre as referências do Âncora. A grande inspiração, porém, é a Escola da Ponte, de Portugal. Seu fundador, José Pacheco, veio ao Brasil em 2010 para atuar como consultor voluntário do Âncora, o que culminou no lançamento da escola dois anos depois. Algumas de suas frases embutem princípios comuns aos dois projetos: “Escolas não são edifícios, são pessoas”; “O conhecimento é aquele que se coloca a serviço da comunidade”; “Ser humano não é só domínio cognitivo, é afeto, emoção, espiritualidade”.

OS VALORES Nada de palavras vazias. Os valores que a escola prega são aplicados e materializados no seu dia a dia. Autonomia, responsabilidade, respeito, afetividade, honestidade e solidariedade são algumas das virtudes valorizadas (de verdade) no Âncora. Os alunos tomam parte na gestão, ajudam a definir os objetivos da escola por meio de assembleias e aprendem a exercitar a empatia, a ouvir os anseios dos colegas e a entender de que forma as suas próprias vontades e ações impactam os outros ao redor.

O PODER DA EDUCAÇÃO No Âncora, a educação não é um fim em si. E tampouco apenas um meio para permitir aos alunos – educandos – cumprir uma sequência de etapas até o ensino superior. Sua finalidade é formar cidadãos que possam transformar as vidas de suas famílias, suas comunidades e – por que não? – o país. Nas felicíssimas palavras de Marcel de Sena, tutor e especialista de matemática do Âncora, o objetivo é fazer com que as crianças “aprendam coisas que os adultos hoje não sabem: tratar outros com respeito, colocar o incômodo de forma afetuosa, envolver-se com o coletivo para transformar”.

 

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