“O que fiz em 2015. Como vejo 2016” Nosso papo de fim de ano com Vinicius De Paula Machado, da Goma

Isabela Mena - 15 dez 2015
Vinicius, da Goma, conta como passou este ano e quais são os planos para 2016.
Isabela Mena - 15 dez 2015
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Passar a régua neste ano de 2015 significa falar de crise e retração na economia. Este ano a inflação atingiu 10,7%, a retração econômica foi de 3,7% e o dólar já bate nos 4 reais (ante 2,80 de janeiro, quem se lembra?). A crise econômica pegou em cheio os negócios dos pequenos e médios empresários — 77% dos entrevistados de uma pesquisa encomendada pelo Sindicato da Micro e Pequena Indústria de São Paulo ao Datafolha dizem que temem ter de fechar seus negócios. Mas riscos sempre estiveram no cardápio do empreendedor. E nem só números se fazem os balanços do ano.

Por isso, estamos publicando uma série de conversas com empreendedores, makers, inovadores e criativos para saber como os negócios disruptivos se comportaram em 2015. Com as mesmas 10 perguntas para todos, queremos saber que transformações ocorreram, que aprendizados é possível tirar do ano, que estratégias foram criadas e usadas para superar dificuldades. É hora, sobretudo, de olhar adiante.

Seguimos a série com Vinicius De Paula Machado, empreendedor social e cofundador da Goma, uma associação composta por 92 empreendedores e 27 empresas que se uniram para fomentar economia colaborativa, inovação social e design sustentável na Zona Portuária do Rio de Janeiro. Vinicius é também sócio Fundador da Carioteca, uma empresa social que tem como propósito fomentar de comportamento colaborativo, especializada em estabelecer novas formas de interação entre pessoas e empresas utilizando metodologias de processos colaborativos, design thinking e facilitação de diálogos. Além disso, é idealizador e facilitador do Empreenda a Si Mesmo, experiência sobre comportamento empreendedor e busca por propósito através de diálogos direcionados á ação

Se você tivesse que escrever um verbete sobre a atual crise brasileira, como você a descreveria?
Crise é oportunidade de autoconhecimento e o Brasil passa pela crise de se redescobrir, se entender e assumir qual identidade quer ter no futuro. A gente vai passar por desafios que são cada vez mais complexos e, por isso, vamos precisar cada vez mais da inteligência coletiva. Acho que o verbete seria essa questão da identificação, de qual é esse Brasil do futuro que desejamos.

Como foi 2015 no seu quintal? Como a crise está afetando o seu negócio?
Pela perspectiva de empreender em rede, a Goma foi muito pouco afetada pela crise, pelo contrário, a gente só cresceu. Nos últimos oito meses, tivemos a entrada de mais 14 colaboradores da UP line que é uma agência de live makerting, e depois, de mais 17 pessoas da agência Rastro, de marketing digital. Então, a Goma hoje tem 92 associados, nunca esteve tão forte. E olhando por uma perspectiva para além da Goma, tivemos um número muito grande (acabamos de coletar informações nessa nossa última imersão de planejamento estratégico) de pelo menos dez projetos que foram feitos em rede, ou seja, pelo menos três ou quatro empresas da Goma se juntaram para entregar uma proposta de valor maior do que cada uma conseguiria fazer individualmente para os seus clientes.

Acabamos comprovando que em períodos mais difíceis, a perspectiva de trabalhar com mais gente, utilizar mais o capital social e visões de mundo complementares produzem soluções melhores

Foi um ótimo teste.

Com que cenário você está trabalhando para 2016? Que medidas você tomou diante da crise?
Vai ser bem nítida a divisão de, grosso modo, dois tipos de posicionamentos. Um, de pessoas ou instituições que vão assumir posturas mais conservadoras, com mais receio, apostando em mexer menos em suas estruturas, ou seja, vão ter mais medo de mudanças e vão ficar mais apegadas aos seus modelos mentais. E outro, de pessoas ou instituições que vão ter oportunidade de se repensar, por dentro. Porque à medida em que o cenário se torna mais instável a gente precisa realmente checar qual é a versão mais atual do nosso propósito e aquilo que queremos entregar para o mercado.

Se o mercado muda, nossas empresas também têm que mudar. Sabe aquela coisa de “a mudança que a gente quer ver no mundo também acontece dentro da gente?”

A Carioteca tem uma vantagem competitiva grande porque a gente trabalha fomentando o comportamento colaborativo para promover a inovação social. Já chegamos como facilitadores de processos colaborativos utilizando inclusive metodologias de design thinking para repensar desde modelo de negócio à estrutura de produtos e serviços e até mesmo o desenho de ecossistemas empreendedores. Então crise, para gente, é ótimo. Quanto mais pegarmos pessoas e empresas do segundo grupo que estão dispostas a promover essas mudanças para se reposicionar mais temos possibilidade de prestação de serviços e parcerias infinitas.

Crise traz mesmo oportunidades ou se trata apenas de uma ameaça?
Se você for analisar a crise de consciência pela qual passamos mundialmente (isso ampliando o tipo de crise que estamos vivendo no Brasil) nunca tivemos tanta necessidade de trazer a questão do autoconhecimento para próximo da gente. Todas as crises pelas quais estamos passando, sejam elas políticas, financeiras ou ambientais, acho que, em algum momento, nos distanciamos da responsabilidade que temos para a manifestação da realidade que desejamos viver. Por exemplo, a gente reclama hoje da política brasileira mas por pelo menos 20 anos a abandonamos, deixamos pessoas que não consideramos minimamente corretas para conviver em sociedade nos representar. Essa crise de consciência, para mim, passa por uma crença budista que diz que o próximo avatar, o iluminado, não vai ser uma pessoa só, ele vai ser uma sangha, uma comunidade de prática. Então essa crise traz, sim, uma oportunidade para pararmos e entendermos que o mundo de poucos para muitos já não existe mais. E vamos precisar cada vez mais usar a inteligência coletiva para resolver os problemas.

Se tivesse amanhã 1 milhão de reais para investir, o que vice faria com esse dinheiro?
Investiria 250 mil reais no fundo de melhorias da sede e infraestrutura da Goma, 100 mil reais em uma plataforma da Carioteca com código aberto e Creative Commons como um grande repositório de ferramentas de gestão de projetos, metodologias participativas e design thinking, para que mais pessoas possam usá-las gratuitamente para desenvolverem e aprimorarem seus negócios e iniciativas e desenvolverem suas habilidades individuais como facilitadores de processos. Outros 600 mil reais eu usaria para gerar um fundo de desenvolvimento de negócios ecossistêmicos, para potencializar ainda mais empreendedorismo em rede, em que a próprias rede cocriaria os acordos e formas de uso dos investimentos. Os últimos 50 mil reais, investiria em aprimoramento técnico e educacional dos sócios e facilitadores associados da Carioteca.

Se você assumisse a presidência do Brasil em janeiro, no lugar da Dilma, o que faria no seu mandato até 2018?
Em termos ecológicos e ambientais, ia me posicionar de forma mais firme em relação a banir qualquer tipo de agricultura que envolva transgênicos. Já existe uma lista de países que excluíram a utilização de sementes da Monsanto em seus territórios pelas questões da preservação do solo, do consumo de transgênicos e de doenças correlatas ao uso de agrotóxicos e outras substâncias. E transferiria todo tipo de fomento ou isenção que existe para indústrias de matriz de óleo e gás para indústrias de energia limpa, não só eólica e solar mas também fomentando a questão da micro geração de energia em residências e edifícios comerciais, ou seja, navegando para substituir de vez a necessidade de termos grandes hidrelétricas no país.

Seria o primeiro a regular pela figura do Demoex, que é o ente político eleito dentro de uma democracia participativa, como é na Islândia. Ele tem uma função muito nobre que é tirar uma parcial do que o povo indica, que botão que ele deve apertar nas discussões que são mais relevantes para o país. Se amanhã ele fosse decidir sobre questões delicadas, não votaria em função de bancadas, partidos ou de agendas específicas mas sim de acordo com o que o povo indicasse. Em termos de fomento econômico, investiria em incentivos à geração de mais ecossistemas empreendedores no país, fugindo do tipo de fomento à startup que é um cópia do Vale do Silício, onde as pessoas acreditam que você faz um pitch de elevador, é incubado, acelerado e vai ser o próximo Zuckerberg. E regulamentaria a questão do financiamento colaborativo não só para projetos mas também para investimentos em startups, como é feito em outros países que permitem que se invista e compre ações de empresas por crowdfunding.

O que você faz para se manter motivado em tempos como esses?
Empreender não é fácil. Empreendedor é o cara que tem a capacidade de vislumbrar um futuro desejável e assumir a responsabilidade de, passo a passo, ir construindo e materializando essa realidade. Ou seja, é casar a visão com a ação e isso nunca é fácil porque sempre acabamos planejando coisas completamente diferentes de como elas se manifestam na realidade.

Em tempos de crise, utilizo bastante uma rede de apoio de amigos, parceiros e até mesmo clientes para trocar e saber como os outros me percebem em relação ao que tenho oferecido e para me atualizar com o propósito do que estou fazendo

Porque se você simplesmente guarda seus anseios e fica fritando em relação às ansiedades e possíveis cenários caóticos é bem possível que você tenha um burnout. Geralmente, quando a gente compartilha medos e anseios a gente começa a perceber que eles não são pessoais e que outras pessoas, até aquelas bem diferentes da gente, também têm.

O que você faz para motivar quem trabalha com você?
Venho de um background bem holístico, por assim dizer. Fui professor de yoga durante dez anos e hoje trabalho com facilitação de processos. Então, acredito que oferecer uma escuta ativa para pessoas que queiram compartilhar um sonho, um desejo, uma frustração, algum tipo de dificuldade, por si só, já ajuda e cria um ambiente mais favorável para que elas possam ser quem elas realmente querem ser. Uma outra coisa que gosto bastante de fazer é uma boa roda de conversa, escutando histórias reais do que as pessoas querem vir a ser. Ajuda muito as pessoas a assumirem seus riscos e se responsabilizarem mais por suas vidas.

Quais são os três pontos que mais lhe incomodam no ambiente de negócios brasileiro?
Um deles é a forma pela qual até mesmo a Startup Brasil vem fomentando negócios nos últimos anos, muito baseada nessa matriz que é cópia e cola do Vale do Silício e que demonstrou não ser tão eficiente nem tão alinhada com a realidade brasileira. O tipo de fomento precisa mudar e já vimos coisas interessantes vindas inclusive do governo, querendo fomentar mas deixando um pouco de lado aceleradoras e incubadoras (dando sua devida importância e tendo o devido cuidado) mas querendo fomentar mais ecossistemas empreendedores. Já estão começando a entender um pouco mais o poder das redes dentro do empreendedorismo e é um caminho para o qual precisamos olhar de forma atenciosa.

Um segundo ponto é acreditar que a cena empreendedora, seja de startups de base tecnológica, seja das de visão de valor mais compartilhado como negócios sociais e economia colaborativa, é um nicho de pessoas geralmente brancas, de classe média alta, homens, que têm o mesmo tipo de formação educacional. Não se dá muito valor para mulheres empreendedoras, não se dá muita visibilidade para empreendedores de outras regiões para além dos centros e, principalmente, para empreendedores por necessidade (não empreendedores porque querem ter cartões dizendo que são CEO).

O terceiro ponto é que somos muito caretas sem termos de abrir nossos mercados para absorver, aprender e hackear tecnologias mais desenvolvidas de outros lugares. Por exemplo, a gente mal engatinha com projeto de lei com relação à regulamentação de crowdfunding. Quando fomos agora para o OuiShare, o festival de economia colaborativa na Europa, as pessoas já estavam falando de Crypto Crowdfunding, desse financiamento em moedas digitais, os bitcoins, para troca e venda de ações de empresas que são de todo mundo. O próximo Uber, por exemplo, pode ser como o La’Zooz, em que os motoristas são coproprietários do negócio.

O que você diria para quem está nos lendo agora e pensando em abrir a sua startup ano que vem?
Vou fazer uma brincadeira um pouco ácida: Seu pitch de elevador não vale nada, é bem provável que sua ideia genial já esteja sendo empreendida em qualquer lugar do mundo que você nem tem noção mas a coisa mais importante disso é aprender fazendo, entender quais são as necessidades do seu público e cocriar soluções com ele porque, afinal de contas, as pessoas que vivem o desafio são as que melhor entendem para onde essas soluções podem ser direcionadas (às vezes elas só não têm condições de fazer isso). É muito importante que você entenda qual é a real dimensão de um ecossistema empreendedor. O mito do self made man já não existe mais, a pessoa que vai ter uma ideia genial e que, sozinha, vai se tornar a próxima bilionária ou o próximo CEO da lista da Forbes 500…

Ninguém faz nada sozinho. Quanto mais alinhado e próximo da inteligência coletiva você estiver mais preparado você vai estar para tempos que vão exigir resiliência

Para não quebrar, ande sempre com pessoas que tenham habilidades e visões do mundo diferentes das suas para que você consiga enxergar formas de resolver problemas diferentes das que você já têm. Provavelmente, suas maneiras de resolver problemas já estão cristalizadas pela forma como você sente, pensa e age de acordo com sua realidade mas esse mundo de uma verdade e um ponto de vista só vai levar a gente a padecer como espécie. Nunca precisamos tanto evoluir na forma como a qual colaboramos, aprendemos e até mesmo produzimos em conjunto para que possamos ter a chance de encarar os desafios como espécie mesmo, não só como negócio bem sucedido.

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