O número de procedimentos estéticos entre jovens entre 13 e 18 anos cresceu mais de 140% entre 2011 e 2021, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
O principal motivo desse aumento, segundo artigo recente produzido pela Universidade de São Paulo, são as redes sociais e o descontentamento do jovem com a própria imagem. Ele se compara com o mundo e, para se sentir parte dele, precisa seguir a manada.
O efeito manada é um conceito da psicologia social que explica por qual motivo as pessoas agem conforme o grupo do qual fazem parte de modo automático, quase sem reflexão.
É uma forma de defesa adquirida nos tempos mais remotos quando os seres humanos precisavam reagir rapidamente a uma fuga, por exemplo. Portanto, seguir o grupo na fuga era sinal de proteção.
O jovem costuma viver o efeito manada de forma recorrente. Isso porque vivem uma fase em que pertencer ao mundo e se sentir aceito é tão importante quanto comer.
A maturidade é o antídoto contra o efeito manada. Assim, quanto mais o jovem amadurece e se percebe único, se sente seguro e confia em si mesmo, mais ele consegue fugir e dizer não a esse movimento.
Em 2016, o efeito manada uniu adolescentes que obrigaram um rival a cavar a própria cova. A vítima de 13 anos sofreu cortes, pancadas e pauladas durante quatro horas em Trindade (GO).
Tantos outros casos parecidos pelo mundo nos mostram como o jovem é influenciado pelo ambiente e como é preciso ter cuidado com o tipo de material que ele está tendo contato.
Eu vivi isso na pele na minha juventude. Na pele, no cabelo, e em todo o corpo. Sendo mulher, atender a padrões de beleza, infelizmente, era — e ainda é — a regra
Passei boa parte da minha adolescência fazendo escova e alisando meu cabelo para me sentir parte de algo que eu ainda não sabia o que era.
Custava caro e estragava o meu cabelo. Cresci ouvindo minha mãe e minha madrinha se submetendo ao mesmo desafio.
A minha madrinha conta a história de que, quando jovem, passava o dia com o grampo de prender roupa no nariz para tentar afiná-lo.
Minha salvação foi que eu nunca gostei de seguir muito as regras do jogo. A minha rebeldia então foi não sucumbir mais ao sistema do cabelo liso.
E imediatamente, ao mudar de escola no Ensino Médio, vi a oportunidade de começar a contar a minha história. A da Marina com cachos.
Mulheres e meninas especialmente se veem obrigadas a seguirem padrões de beleza muitas vezes inalcançáveis. Estar “na moda” custa caro e causa danos muitas vezes irreparáveis. Tudo isso para se sentir parte de algo que criaram para elas. Para nós.
O mercado se aproveita e capricha nas propagandas, nas mensagens subliminares e ninguém sai ileso. Nem as crianças.
Desenhos, filmes e livros infantis estão recheados de estereótipos. Muito recentemente apenas, estamos vendo personagens que valorizam a diversidade e começam a trazer representatividade para as narrativas
Mas é nas redes sociais em que o perigo maior mora. Sem regras, bom senso e repleta de “efeitos manada”, essas redes não perdoam.
A regra é clara. Os filtros mais usados são aqueles que desaparecem com as manchas na pele, afinam o rosto e deixam todos — principalmente todas — com a mesma cara.
Mais recentemente um app andou chamando a atenção das pessoas e viralizou em nas redes sociais.
Com a promessa de criar diferentes avatares do usuário utilizando inteligência artificial, a aplicação Lensa saiu de menos de 1 milhão de downloads em outubro de 2022 para mais de 5 milhões em 8 de dezembro de 2022.
A IA do app se baseia no sistema Stable Diffusion, que faz parte de um grupo de sistemas generativos que parecem ser a grande tendência de aplicativos em 2023.
O modelo de texto para imagem é de código aberto, o que significa que o Lensa pode usá-lo sem ter que pagar por uma licença.
Nem todo mundo está feliz com os resultados. De um lado, vários artistas reclamaram no Twitter e em outras plataformas sociais que o aplicativo está usando obras de arte roubadas para criar os avatares, com algumas imagens geradas ainda mostrando a assinatura original do artista.
Do outro, diversos usuários, principalmente mulheres, questionaram o resultado de seus avatares que transformaram todas em ninfas, guerreiras, animes etc., sempre com aquela pegada sexualizada
Não bastasse isso, narizes afilados, olhos claros, cabelos alisados e pele clara. Além disso, registros da criação de imagens insinuando nudez a partir dos dados recebidos pelo app foram encontrados.
O que essa IA está nos ensinando com isso? Nós adultos, ainda conseguimos fazer uma análise crítica e questionar esses pontos, mas, e o jovem?
Qual o efeito que essas aplicações e os filtros presentes nas redes sociais trazem para a vida desses usuários?
Em 2020 o documentário Coded Bias trouxe reflexão semelhante, a de que há vieses na Inteligência Artificial.
A doutora Joy Buolamwini, pesquisadora do MIT Media Lab, descobre que o reconhecimento facial não vê rostos de pele escura com precisão, então embarca em uma jornada para promover a primeira legislação dos EUA contra preconceito em algoritmos que afetam a todos nós.
É muito importante pensar como esse tipo de aplicação e de inteligência de máquina podem ser poderosas na construção de toda uma sociedade.
De forma aparentemente leviana, em troca dos seus dados e imagem, usuários ganham novas fotos para compartilharem em seus perfis, mas também ganham a dúvida de quem realmente são
Mulheres e crianças, mais uma vez, se veem fadadas ao sistema patriarcal, em que seus corpos estão a serviço do homem.
Foi esse o recado que essa “inteligência” trouxe. Há uma intencionalidade sexual por trás dela.
Eu me senti completamente desfigurada na maioria dos avatares. Meus cabelos, cujo orgulho foi conquistado a duras penas, perderam os cachos… Meu nariz afinou e ganhei seios enormes dos quais eu não gostei. Fazendo o trocadilho, não achei nada de inteligência ali.
Cada vez mais, torna-se urgente que essas discussões cheguem às escolas e coloquem crianças e jovens a problematizar a tecnologia.
Não há nada de inocente ali, e eles precisam saber disso. Deveria inclusive existir uma disciplina dedicada a abranger temas como o perigo das redes, do compartilhamento de dados e do quão efêmero e irreal é o mundo virtual.
Mas dá pra começar em casa. Para ontem.
Marina Gontijo é mãe de dois, mestre em Educação e empreendedora. Fundou a Ways Education, uma startup que ajuda crianças e adolescentes a descobrirem seus talentos através de atividades fora da caixinha (a Ways foi pauta aqui no Draft).
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