Para ajudar a filha a aceitar os cabelos naturais, ela abriu mão da progressiva e criou o Império dos Cachos

Vanessa Fajardo - 13 mar 2019
Kátia Téofilo largou um cargo público para abrir um salão especializado em cabelos crespos, em Jundiaí (SP). A proposta é incentivar outras mulheres a aceitarem — e amarem — suas madeixas (foto: Marcela Cocconi).
Vanessa Fajardo - 13 mar 2019
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Depois de passar quase duas décadas alisando seus cabelos crespos, Kátia Teófilo, 38, acabou empreendendo em um salão especializado em ajudar pessoas a pararem de alisar os cachos. Só não imaginava que o negócio seria tão promissor. O Império dos Cachos, com sede em Jundiaí, no interior de São Paulo, em pouco mais de três anos, triplicou o faturamento, hoje, na casa dos 80 mil reais mensais.

Formada em Serviço Social, Kátia nunca atuou na área, mas passou a vida toda empregada, com registro em carteira. O primeiro trabalho, aos 17 anos, foi em um escritório de contabilidade na cidade de Louveira, próxima a Jundiaí, onde mora. Desde então, emendou um emprego no outro, sempre na área administrativa. O último, foi como escriturária na Prefeitura de Louveira, cargo que ocupou por dez anos, após passar em um concurso público.

O lado empreendedor veio por acaso, depois que Kátia descobriu um nicho de mercado por conta de uma necessidade pessoal. Quando a filha Eloisa nasceu, há oito anos, ela decidiu que era a hora de parar de alisar os cabelos para servir de exemplo de aceitação para a menina, pois não queria que ela passasse pelas mesmas dificuldades que enfrentou:

“Comecei a alisar o cabelo com 12 anos, quando parei tinha 31. Meu cabelo natural era motivo de chacota e eu alisava para me esconder”

O racismo e as convenções sociais que ela relata são comuns (e só agora começam a mudar). Na família de Kátia as meninas só podiam alisar os cabelos depois da primeira menstruação, foi por isso que ela não usou o procedimento químico ainda na infância. “Pedia para alisar meu cabelo desde que me entendia por gente. Depois que comecei, fazia alisamento a cada dois meses, e escova toda semana.”

Na busca por profissionais especializados em cabelos crespos, descobriu que havia uma grande escassez na área. Encontrou, então, um poderoso canal de empoderamento, e mais ainda, uma rentável alternativa de sustento.

O ADEUS ÀS QUÍMICAS E AS BOAS-VINDAS AO SALÃO PRÓPRIO

Na busca pela autoaceitação que refletiria na filha, Kátia optou por cortar os cabelos bem curtos, no estilo chamado “big chop”, grande corte que elimina todo alisamento e demais químicas responsáveis por alterar a textura dos fios. Com os cabelos bem curtos, ela conta que passou a se maquiar mais. Investiu, inclusive, em um curso de maquiagem profissional que lhe garantiu um freelancer como maquiadora aos sábados.

Kátia com sua tesoura em ação. Um corte no Império dos cachos custa a partir de 130 reais.

Durante a semana, mantinha o emprego de escriturária na Prefeitura de Louveira. Ela nunca tinha pensando em ser cabeleireira, até porque era funcionária concursada, mas como viu que não havia muitos profissionais habilitados em lidar com as madeixas crespas e cacheadas, resolveu estudar melhor o assunto.

Usou o cartão de crédito da prima Adriana para pagar seu primeiro curso com um profissional renomado no mundo dos cachos: Denis Silva, dono da marca Deva Curl, que patenteou o conceito no poo e low poo, produtos livres de sulfato, silicones e derivados de petróleo, que viraram febre entre as cacheadas. Terminou as aulas com o diploma na mão e o próprio negócio levado paralelamente ao emprego de escriturária. Ela conta:

“O Denis dizia que eu tinha que abrir um salão, nem que fosse no fundo da minha casa, que eu não conseguiria trabalhar para outra pessoa usando técnicas como escova progressiva”

Para botar de pé o primeiro salão, Kátia contou novamente com a ajuda da prima. Foi ela quem emprestou 6 mil reais para que a futura empreendedora adiantasse três meses de aluguel de uma sala comercial no centro de Louveira e comprasse os produtos necessários para iniciar o atendimento. Com mais 5 mil reais, parcelados no cartão de crédito de Adriana, ela adquiriu os primeiros móveis. A gratidão pelo incentivo no começo da jornada vêm em forma de cuidado: “Hoje faço questão de tratar do cabelo da minha prima sem cobrar nada. Ninguém tem obrigação de financiar o sonho de ninguém, mas ela me emprestou o dinheiro e foi o gatilho que eu precisava”.

COMO CONCILIAR AS TESOURAS E A PAPELADA DO ESCRITÓRIO

A primeira cliente do Império dos Cachos chegou em novembro de 2015. A diferença dos salões tradicionais para o de Kátia é que lá não entram produtos químicos, como relaxamentos e progressivas, e os profissionais só utilizam produtos sem derivados de petróleo, que ativam as ondas naturais dos cabelos.

Quando o salão foi inaugurado, Kátia estava de férias do emprego oficial. Ao retornar, passou a adotar a rotina de atender no salão somente depois da 17h30, quando encerrava o expediente. Aos sábados, se dedicava totalmente ao seu negócio e recebia até oito clientes por dia.

Foi assim, conciliando tesouras e cachos com a papelada do trabalho administrativo na Prefeitura, que Kátia passou o fim de 2015 e todo o ano de 2016. O salão já faturava, em média, 5 mil reais por mês, mas ela ainda não tinha segurança para abrir mão do salário fixo. Em fevereiro de 2017, sentiu a necessidade de mudar o estabelecimento para um endereço maior, ainda em Louveira. Três meses depois, a demanda aumentou e ela precisou contratou uma assistente para ajudar no serviço aos sábados:

“A divulgação era mais no boca a boca, mas chegou uma hora que começaram a vir pessoas que não eram mais do meu círculo de amizade”

A maioria das mulheres que chega ao salão de Kátia está tentando se livrar de alisamentos e escovas progressivas dos quais eram adeptas há anos. Para isso, passam por um processo chamado transição capilar e precisam aprender a lidar com os “novos cabelos”. “As cacheadas ‘tipo 3’ (curvatura do cacho) têm mais dificuldade de entender seu cabelo. É nosso maior público, e são os cabelos mais bonitos e mais fáceis de cuidar, mas muitas vezes elas desconhecem o potencial que têm”, afirma a empreendedora.

ELA PREFERIU ABANDONAR O CARGO PÚBLICO PARA EMPREENDER

A virada na história do Império dos Cachos aconteceu em 2017, quando Kátia tirou uma licença-prêmio na Prefeitura de três meses para se dedicar totalmente ao salão. Percebeu, então, que já tinha clientes o suficiente para cobrir seu salário fixo.

As transformações feitas por Kátia no Império dos Cachos buscam fazer com as mulheres aceitem seus cabelos naturais.

Solicitou um afastamento não remunerado por um período mais longo e, após receber uma negativa, optou pelo pedido de exoneração em abril do ano passado. Trabalhando exclusivamente no Império dos Cachos, não demorou muito para dar o passo seguinte. Ao perceber que a demanda maior vinha de fora da cidade de Louveira, em maio, ela resolveu investir em um local maior na vizinha Jundiaí.

No novo salão, o número de lavatórios dobrou de dois para quatro; as cadeiras para corte, que eram duas, viraram seis. Em Louveira, Kátia tinha dois funcionários diretos, hoje são oito, além dos cinco indiretos, como faxineiras e seguranças.

O investimento na infraestrutura acompanhou o aumento da demanda e o faturamento, que antigamente ficava na faixa dos 25 mil reais, já está em cerca de 80 mil mensais. O salão recebe em média 15 clientes por dia. Aos sábados, o movimento dobra. O maior público é o feminino, mas também há crianças e, aos poucos, os homens começaram a chegar. Aumentou, inclusive, a carteira de clientes moradoras de Louveira. Para Kátia, é comum que as pessoas passem a dar mais valor quando o negócio é de fora. “Hoje as pessoas de Louveira vêm mais porque a visibilidade de uma cidade maior é melhor e também temos feito muita divulgação nas mídias sociais.”

A maior busca é pelos cortes (são feitos a seco e custam a partir de 130 reais), mas também há opção de coloração (a partir de 250 reais) e tratamentos com reposição de nutrientes (a partir de 130 reais). Kátia comemora as vitórias, mas lembra, entretanto, que a caminhada não foi fácil:

“Teve um sábado que tinha apenas uma cliente na agenda e ela desmarcou. Foi difícil, mas nunca pensei em desistir”

Para o futuro, Kátia planeja desenvolver uma linha de produtos próprios com a marca Império dos Cachos. Neste ano, também fará pela primeira vez cursos no exterior. O primeiro será este mês, em Nova York. “São técnicas de corte em cabelos cacheados. É preciso estudar para ter um diferencial e sair da mesmice. Não podemos parar.”

Ter o próprio negócio exige mais que investimento, muita dedicação. Kátia sai de casa às 7h30 e nunca chega antes das 21h. A rotina puxada, porém, não é um problema. “Nunca me senti tão realizada profissionalmente. Me vejo em cada uma das clientes com sua falta de aceitação, sua história. E me sinto bem em poder contribuir para que elas se sintam bem como são.”

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  • Projeto: Império dos Cachos
  • O que faz: Salão especializado em cabelos cacheados  
  • Sócio(s): Kátia Teófilo
  • Funcionários: 13 funcionários (entre diretos e indiretos)
  • Sede: Jundiaí (SP) 
  • Início das atividades: 2015
  • Investimento inicial: R$ 11.000
  • Faturamento: R$ 80.000 mensais, em média
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