Se entre os meus 16 e 17 anos alguém me dissesse que eu ia estar contando uma história como essa hoje, eu não acreditaria.
Naquela época, meus sonhos e planos eram bem diferentes daqueles que eu sigo hoje. O Renan do passado sonhava em ser piloto de avião. Já pensou? Voar pelo mundo, comandar um avião, viver uma vida nas alturas. Era isso que eu queria.
Mas a vida me deu um desvio de rota daqueles — e sem GPS para me ajudar a ser guiado por essa jornada.
Com 17 anos, estranhei alguns sintomas no meu corpo, como desequilíbrio e falta de coordenação. Sabe quando está caminhando em um corredor e vai tentar passar por uma porta e bate na parede? Eu comecei a tropeçar, derrubar copos, era como se eu não tivesse controle dos comandos do meu corpo ao andar
Eu ainda não sabia, mas esses eram os primeiros sinais da Ataxia de Friedreich (AF).
Inicialmente, eu e minha família pensamos que esses sintomas poderiam ter relação com uma fratura no tornozelo que tive aos 14 anos. Optamos por iniciar a fisioterapia, mas, mesmo depois de seis meses, nada mudou.
Foi aí que começou a saga: Em 2019 o ortopedista que me acompanhava me encaminhou para um neurologista, que a princípio disse que era, de fato, um caso ortopédico. Fiquei nesse vai e vem entre ortopedistas e neurologistas.
Nesse meio tempo eu fiquei sem saber o que estava acontecendo com meu corpo e nenhum médico parecia saber também, o que causou grandes frustrações para mim e minha família
No fim das contas, passei por 36 médicos — sim, 36! Fiz diversos exames como de sangue, análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), Ressonância magnética do crânio, Ressonância magnética do cerebelo, Ressonância magnética da coluna, Ressonância magnética do coração, Ressonância magnética abdominal e realizei duas vezes o teste genético.
Cheguei a ficar três horas dentro de uma máquina de ressonância. Até levantaram suspeita de que eu podia ter síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune que afeta os nervos e pode causar paralisia, dificuldade para respirar e outros problemas, mas, na verdade, eu estava com dengue e logo descartaram a possibilidade.
Como se não bastasse tudo isso, logo veio a pandemia COVID-19. No meio da maior crise sanitária do século, eu ainda estava tentando entender por que meu corpo insistia em falhar comigo
A angústia era tanta que desenvolvi ansiedade e depressão. Passei a tomar remédios, e até hoje sigo com esse cuidado com minha saúde mental.
Quando finalmente veio o diagnóstico de Ataxia de Friedreich em 2020, foi um alívio e um baque ao mesmo tempo. Alívio por finalmente saber o que era. Baque por entender que era uma doença degenerativa, sem cura, e que iria piorar com o tempo.
Quando descobrimos a doença, para os meus pais foi uma sensação muito pior do que eu senti, pois eles se culpavam como responsáveis e se culpam até hoje por conta da doença.
Eu acordava de madrugada e meus pais estavam acordados, se perguntando o que poderiam fazer, procurando uma solução que pudesse me ajudar. Por conta disso, os dois entraram em depressão e ansiedade por se sentirem culpados pela minha condição…
Hoje em dia já conseguimos entender melhor a situação; mesmo que ainda haja o sentimento de culpa, hoje lidamos com a esperança.
Mais recentemente a primeira medicação para Ataxia foi aprovada no Brasil pela Anvisa, o Skyclarys™ (omaveloxolona), esse é o primeiro passo de muitos para que a solução chegue a todos nós disponibilizada pelo SUS.
A Ataxia de Friedreich é uma doença rara neurodegenerativa, de caráter debilitante que reduz a coordenação muscular e motora progressivamente e diminui a expectativa de vida.
Os primeiros sintomas, como tropeços ou quedas frequentes, falta de equilíbrio e dificuldade para caminhar são os mais evidentes no começo, embora em casos raros possam não aparecer até a idade adulta. Outras manifestações são fraqueza muscular, perda contínua da coordenação e equilíbrio, fadiga, perda auditiva, problemas de fala e deglutição.
Me deparar com todos esses sintomas é assustador; saber o diagnóstico é libertador, mas assusta do mesmo jeito.
Para ser honesto, no começo eu tive preconceito contra a mim mesmo… Eu tinha vergonha das reações do meu corpo, como ter alguns espasmos e não conseguir andar direito
E claro, as pessoas te olham torto, julgam sem saber – e isso contribuiu bastante para que eu ficasse ainda mais angustiado.
Por conta desse andar cambaleante, já enfrentei situações em que as pessoas achavam que eu estava bêbado ou drogado. Uma vez, eu estava no estacionamento com minha namorada e um homem chegou nela e perguntou: “Você vai deixar ele dirigir assim?”. E isso machuca, a ignorância das pessoas machuca.
Aos poucos, fui entendendo que ou eu me abraçava ou eu me perdia
Eu não podia ficar preso nos sonhos do passado e frustrado por não conseguir realizá-los, essa era a minha nova vida
Em 2018, eu tinha ingressado na faculdade de Aviação civil, mas parei no final de 2019 onde os sintomas da doença se agravaram. Meu sonho era ser piloto de avião, mas por conta da doença, acabei que não pude dar continuidade.
Mas, em janeiro de 2021 ingressei na faculdade no Curso de Administração de empresas — mudei de sonho, mas não de objetivo: segui em frente. Me formei em 2024. Meus colegas sempre me apoiaram. Hoje, trabalho no colégio da minha família na área administrativa e sou muito feliz por cada conquista.
A minha vida não para por aí. Também tenho o esporte, um lazer que virou meu ponto de equilíbrio — literalmente
Faço musculação, pilates com a Camila Morelli no CFT Pilates, ela é especialista em pilates para pessoas com deficiência, e treino arremesso de peso sentado.
É puxado, tem dia que meu corpo não responde da forma como eu gostaria. Mas se eu parar vai piorar de vez. O esporte me faz sentir que ainda tenho controle sobre alguma coisa
Não vou mentir: enfrento dificuldades todos dias em coisas simples da rotina.
Para subir escada? Preciso de ajuda. Segurar um copo d’água? Às vezes, nem isso dá. E a minha fala enrola bastante. No entanto, vou dando meu jeito.
A real é que a vida me ensinou a viver dentro dos meus limites — sem deixar de expandi-los
E tenho também minha parceira de vida. Estou em um relacionamento com a Isadora há seis anos. Ela está comigo desde antes do diagnóstico, segurando minha mão nos dias bons e, principalmente, nos ruins.
Ter o apoio dela me faz perceber que a vida pode não ter seguido com os planos que eu gostaria, mas tive conquistas ainda maiores.
Hoje, se tem algo que eu levo dessa caminhada, é que a gente precisa parar de julgar os outros. Você não sabe o que o outro está enfrentando. E outra: tudo muda e está tudo bem mudar de plano, de sonho, de ritmo. O que não dá é para parar de viver
Porque no fim das contas, viver é isso: tropeçar, cair, levantar e seguir –mesmo que às vezes seja devagar, mesmo que com ajuda. Mas sempre com coragem em si mesmo.
Renan Treglia, 25, é paulistano, formado em Administração e tem Ataxia de Friedreich (AF), doença rara neurodegenerativa, de caráter debilitante, que reduz a coordenação muscular e motora progressivamente e diminui a expectativa de vida.
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