“Por que deixei meu emprego na França e voltei ao Brasil para rodar por cinco capitais em uma kombi organizando hackathons sociais”

Mariana Kobayashi - 19 abr 2024
Mariana Kobayashi, cofundadora da Tech do Bem.
Mariana Kobayashi - 19 abr 2024
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Sempre acreditei que somos movidas por doses de sonhos e doses de determinação. Agora, se há equilíbrio nessa fórmula, eu não faço ideia.

E não, não foi para entender isso que me formei em Engenharia Química na Politécnica, em São Paulo. Meu objetivo era mais pragmático. Fui em busca de fazer algo que sentia que gostava e esperava com isso construir uma carreira.

E assim, a vida de estudante foi seguindo e, como toda estudante de engenharia, encontrando seus altos e baixos.

Juro que ainda tenho pesadelos com Cálculo II. Mas o que foi minguando várias expectativas, não só a minha, foram as fragilidades econômicas apresentadas pelo nosso país durante essa época

De repente, os empregos em engenharia diminuíram. De repente, muitos veteranos iam seguindo carreira em cargos financeiros, de administração e aquela velha ideia romântica de fazer ciência transformadora no meu país ia sumindo.

A OPORTUNIDADE DE ESTUDAR NA FRANÇA REVIGOROU MINHAS ENERGIAS

Porém, novos sonhos surgiram e dessa vez eles vieram num conjunto de três cores: vermelho, branco e azul. La France! Em 2014, consegui a oportunidade de realizar um duplo-diploma na cidade francesa de Pau. Depois, em 2017, consegui uma bolsa de mestrado em Energia e Processos pelo Instituto Francês do Petróleo, em Paris.

Assim cruzei o Atlântico rumo à terra de Simone de Beauvoir. Iniciei minha carreira, em 2016, no chão de fábrica em uma refinaria em Martigues, no sul da França

Lá, entre máquinas e tubulações, eu era uma das poucas mulheres. Nem preciso dizer o desafio que foi. Porém, são nesses momentos que somos testadas e amadurecemos, encontrando resiliência e vontade, ainda que numa cultura totalmente diferente.

Saber me posicionar com firmeza, mas sem perder minha essência, gentileza e respeito, foi meu primeiro grande aprendizado sendo minoria nesse mundo masculino.

A TECNOLOGIA TOMOU CONTA DO MEU DIA A DIA E COMECEI A PENSAR EM COMO USÁ-LA PARA GERAR IMPACTO

Durante o progresso que eu fazia nesse novo cargo, a tecnologia começou a se fazer muito presente.

Movida pelo reconhecimento e pela vontade de trazer melhorias ao meu ambiente de trabalho, comecei a estudar formas de aplicá-la nos meus processos diários e me apaixonei pela programação e pelo machine learning 

Resolvi nesse momento deixar o interior e me mudar para Paris. E esse tinha tudo para ser um final feliz, não? Errrr…nem tanto.

Podem falar que é algo da nossa geração, essa busca por propósito, mas acho que isso é algo inerente ao coração de todo ser — adulto, jovem, brasileiro, francês…

Eu queria usar todo o conhecimento que fui adquirindo em tecnologia não apenas para resolver problemas, mas para transformar realidades.

LARGUEI TUDO E VOLTEI PARA O BRASIL COM A IDEIA DE “ARREGAÇAR AS MANGAS” PARA PROMOVER MUDANÇAS

Com esse propósito em mente, deixei meu emprego na França para voltar ao Brasil. Peguei a oportunidade que dava na unidade da empresa no meu país só para conseguir realizar o retorno.

E ainda optei por uma jornada de meio período, abdicando de metade do meu salário e outras gratificações e promoções. Nem preciso dizer o que a minha mãe achou disso.

Tudo para ao mesmo tempo maturar o meu lado empreendedora e encontrar formas de ajudar na transformação do nosso país. Ah, e ainda tem a cereja do bolo: comprei uma Kombi datada de 1997.

As reações ficaram entre: “Você é louca? Não tem medo?”. Sim, eu tinha medos, mas também um propósito maior.

Queria arregaçar as mangas e ser parte da mudança, usando a tecnologia para servir ao seu verdadeiro objetivo: o de ser uma ferramenta de transformação

A questão da equidade de gênero na área tecnológica também passou a me interessar. Para ter uma ideia da disparidade de profissionais mulheres neste meio, cito uma pesquisa de 2021 da consultoria Michael Page, Women in Technology, que me chocou.

O levantamento mostrava que menos de 20% dos cargos de tecnologia no Brasil eram ocupados por mulheres. Um reflexo de um mercado que precisava de mais igualdade, mais presença feminina, mais diversidade.

SAÍMOS PELO BRASIL EM UMA KOMBI PROMOVENDO HACKATHONS PARA ACELERAR SOLUÇÕES DE IMPACTO SOCIAL

Nessa jornada por mais equidade e impacto, conheci pessoas incríveis, como meus queridos amigos, os Caçadores de Bons Exemplos, e o meu noivo, o Rapha.

Com eles, cocriei em 2023 uma poderosa ideia de mudança: o Hackathon do Bem. Uma proposta de maratonas de programação e inovação para que jovens estudantes trouxessem soluções que pudessem beneficiar projetos sociais espalhados pelo Brasil

Organizar hackathons pelo país não foi fácil. Houve dificuldades financeiras, mecânicas e até mesmo de credibilidade – muitos duvidavam de uma mulher dirigindo milhares de quilômetros dentro de uma Kombi ou liderando no campo da tecnologia.

Mariana dirigindo a sua kombi batizada de “Margarida”.

Mas cada evento bem-sucedido, cada mulher inspirada a seguir carreira em STEM, cada comunidade impactada positivamente, tudo isso me dava forças para continuar.

Eu e Rapha percorremos estradas e criamos histórias na Margarida. Sim, gente, a Kombi tem nome

A tecnologia era a minha ferramenta, e a educação o meu manual, o meu plano de impacto. Conectamos cidades e corações, realizando cinco edições do Hackathon do Bem em Brasília, Recife, Florianópolis, Manaus e São Paulo.

A TECH DO BEM FOI A CONSOLIDAÇÃO DESSE MOVIMENTO QUE UNE APRENDIZAGEM E IMPACTO

Rapha e eu oficializamos a nossa parceria profissional (a amorosa já estava consolidada dividindo o mesmo teto e os mesmos sonho) fundando a Tech do Bem, startup que oferece experiências de aprendizagem para gerar impacto social. Isso se materializa em serviços e produtos que trazem a tecnologia como meio e objeto de aprendizagem O Hackathon do Bem é um dos produtos, assim como cursos, palestras, consultorias, acompanhamento e execução de projetos de desenvolvimento de soluções digitais.

Vimos que éramos capazes de promover experiências de aprendizagem memoráveis e de impacto. Fazendo do nosso negócio uma ponte entre estudantes, profissionais e projetos sociais, com a tecnologia sendo uma facilitadora

Foi muito importante quando concluímos a primeira edição do Hackathon do Bem, em Brasília, e ouvimos e vimos aquele pranto de alegria entre líderes de ONG e estudantes ao se abraçarem por terem vivido ali algo inesquecível. Não dá para esquecer…

Voltando à questão da equidade, uma forma que encontrei para incentivar a participação feminina no mundo tech foi conectar projetos sociais a mulheres interessadas em seguir a carreira de project manager.

Também não dá pra esquecer quando vencemos o segundo prêmio do hackathon da Campus Party levando como nossos “programadores” representantes jovens da ONG Oela, de Manaus, no Amazonas.

SEI QUE MINHA JORNADA APENAS COMEÇOU, MAS SONHO COM UM BRASIL ONDE NÃO SEJA MAIS PRECISO LUTAR POR EQUIDADE DE GÊNERO

Conseguimos ao longo desse tempo montar uma rede de estudantes de tecnologia e voluntários para ajudar projetos sociais, os mesmos projetos que ao participarem dos hackathons levamos para serem incubados em faculdades. Assim, vamos fomentando um círculo virtuoso de apoio e educação.

Grupo de mulheres e meninas trabalhando juntas em um hackathon social promovido pela Tech do Bem.

Hoje, olho para trás e vejo uma trilha de aprendizados. Aprendi sobre verdade, medo, erros e acertos. Aprendi a rir nas adversidades e a persistir frente às frustrações. Aprendi que investir nas mulheres é investir no futuro.

O caminho é longo e cheio de desafios, mas minha jornada apenas começou. Sonho com um Brasil onde a equidade de gênero seja uma realidade, onde meninas e mulheres se vejam como engenheiras, cientistas, programadoras

Apesar de nosso foco não ser estrito a mulheres, a equidade tornou-se não apenas um ideal, mas uma prática diária na minha vida e carreira. Acredito que é essa diversidade que impulsiona a inovação, que traz soluções mais ricas, mais humanas e mais eficientes.

Olho para o futuro e vejo um Brasil onde a equidade de gênero não é mais um sonho impossível. Cada menina pode se ver como engenheira, cientista, tecnóloga e empreendedora.

E parafraseando a ONU Mulheres no dia Internacional da Mulher de 2024, sem dúvida, investir nas mulheres é acelerar o progresso.

 

Mariana Kobayashi é Digital Innovation Officer em uma multinacional e cofundadora da Tech do Bemstartup que busca conectar pessoas, empresas e instituições através da tecnologia.

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