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“Quando perdi os braços e coloquei próteses, tive que reaprender a viver. Hoje, sou mais ativo, criativo e consciente do que antes”

Flávio Peralta - 18 set 2020
Flávio Peralta, palestrante e criador do site Amputados Vencedores.
Flávio Peralta - 18 set 2020
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Tinha 29 anos quando a minha vida mudou. Era 1997, eu prestava serviços para uma empresa que executava a troca de transformadores para a Companhia de Energia Elétrica do Paraná. 

Eu era muito confiante, achava que já sabia tudo. Fazia aquilo havia alguns anos e tinha aprendido bastante trabalhando ao lado do meu pai. No dia 21 de agosto, fui até uma chácara para realizar um serviço. 

O proprietário já estava desesperado. Eram três dias sem energia. Eu estava cansado, tinha retornado de viagem no dia anterior sem dormir bem. O que queria era trocar logo aquele transformador e voltar para casa. 

Peguei meu equipamento e subi no caminhão sem imaginar que chegaria tão perto da morte. Vi o transformador no alto do poste. Coloquei o capacete, as luvas e o cinto de proteção.

Mas o cansaço me fez cometer uma falha.

Não verifiquei se a chave de alta tensão estava mesmo desligada, como haviam me informado. Quando subi as escadas e me aproximei do transformador… O choque. Fui atingido por uma carga de 13.800 volts ao esbarrar nos fios

Fiquei preso ao poste pelo cinto de segurança até que o resgate conseguisse me tirar dali. Enquanto era socorrido, eu só perguntava se sobreviveria. Quando entrei na UTI, não sabia se sairia de lá com vida.

Os médicos concluíram que, para me salvar, seria necessário amputar meus braços. Depois da cirurgia, foram mais 45 dias com muitas dores até poder voltar para casa

As coisas simples do dia a dia, como abrir a geladeira, almoçar ou tomar um banho, já não eram como antes. Eu passava a maior parte do tempo assistindo à televisão. Afinal, que alternativa eu teria?

Essa situação de dependência me deixava deprimido. Eu só saía de casa sozinho para ir ao barbeiro. Na rua, as pessoas me olhavam de um jeito diferente.

Estava com os braços enfaixados, ainda sem próteses. Levou um tempo até que eu me acostumasse com isso.

A preparação para a colocação das próteses foi longa e cheia de percalços. Fiquei entre a vida e a morte depois de uma cirurgia. Por causa da anestesia, tive um choque anafilático e fui parar na UTI

Em certos momentos, achei que não tinha mais forças para lutar. Mas, aos poucos, percebi que era possível continuar, e que eu tinha amigos verdadeiros.

Quando finalmente coloquei as próteses nos dois braços, levou mais algum tempo para que eu mesmo compreendesse que já podia ser independente.

As atividades que pude voltar a fazer, como escovar os dentes sozinho ou pegar uma garrafa de água, me devolveram a vontade de viver. É curioso como só percebi a importância dessas pequenas coisas depois de perder os braços

Ao conhecer Jane, vi que poderia amar. Nos casamos em 2001 e assumimos novos desafios. O maior deles foi ter um filho.

Em uma palestra corporativa contando sua história na empresa Jaguafrangos.

Quando meu filho nasceu, eu tive medo. Como poderia cuidar da criança? Vivi momentos de crise. Precisei, novamente, aprender a lidar com os limites. 

Nessa mesma época, comecei a usar um computador que Jane tinha em casa, algo inédito para mim. Descobri a internet e pensamos em criar um site que abordasse assuntos para pessoas com deficiência.

O objetivo era ajudar gente na mesma condição que eu. Afinal, quando sofri o acidente, eu e minha família não sabíamos nada sobre amputações e próteses. 

Com o apoio de pessoas que confiaram na minha ideia, o projeto evoluiu. No Amputados Vencedores, nós conectamos vidas por meio das histórias de superação de anônimos e famosos de todo o Brasil, pessoas que nasceram com ou adquiriram uma deficiência.

Deixei de me sentir um inválido, aprendi a fazer e atualizar meu site para prestar um serviço à comunidade

Graças às pessoas que me fizeram acordar e me sentir amado, deixei de pensar naquilo que não posso fazer para pensar no que eu posso.

A carreira de palestrante começou em 2005, quando fui convidado pela primeira vez por uma empresa para compartilhar minha história e mostrar como a segurança no trabalho é importante. 

Foi algo inesperado. Cheguei a recusar o convite, mas acabei cedendo depois de muita insistência.

Como não havia preparado nada, comecei a passar mal diante de tantos olhares. Saí correndo, disse que não conseguiria fazer aquilo, mas Jane me convenceu a voltar.

Retornei para vários treinamentos naquela empresa muito mais preparado.

Agora, quando subo no palco, não me intimido mais. Os olhares, aplausos e abraços me mostram que é necessário superar barreiras todos os dias. E eu volto para casa disposto a melhorar

A construção da pessoa que me tornei depois do acidente demandou paciência e persistência.

Ainda há quem olhe para mim com uma mistura de espanto, pena e medo. Mas aprendi a não me lamentar e a aproveitar as oportunidades que o mundo apresenta.

Se meus braços tiveram que ser amputados, é porque Deus tinha uma missão para mim. E hoje eu sei qual é.

 

Flávio Peralta é criador do site Amputados Vencedores, que oferece informações valiosas para pessoas com deficiência, familiares e profissionais. Viaja pelo país e para o exterior com um time de palestrantes que fala sobre a importância da segurança no trabalho e das normas de prevenção de acidentes. 

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