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“Queremos influenciar o jornalismo a falar da Amazônia ouvindo fontes de conhecimento locais”

Aline Scherer - 7 maio 2025
Daniel Nardin, fundador da Amazônia Vox, durante o evento Encontros Serapilheira (crédito: Luana Tayze).
Aline Scherer - 7 maio 2025
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“Se forem falar da Amazônia, nos ouçam. Temos coisas incríveis para contar”. Atribuída a Ângela Mendes (filha de Chico Mendes, o seringueiro e ativista político assassinado em 1988, em Xapuri, no Acre), essa afirmação aparece em destaque no site do Amazônia Vox e resume bem a proposta da plataforma paraense.

Lançada em maio de 2023, o Amazônia Vox facilita conexões entre quem busca conhecimento sobre a Amazônia e quem vive e atua em algum dos nove estados da Amazônia Legal. Por trás da iniciativa está o jornalista Daniel Nardin, 40:

“Queremos influenciar o jornalismo a falar da Amazônia ouvindo fontes de conhecimento da Amazônia. O Amazônia Vox é um veículo de comunicação que busca mostrar a iniciativa local, trabalhando com profissionais locais, ouvindo vozes locais”

A página apresenta, em português e inglês, cerca de 700 nomes de freelancers da região para produção de texto, conteúdos audiovisuais, realização de eventos etc., além de contatos de fontes locais, de cientistas a detentores de conhecimentos tradicionais, além de lideranças do setor cultural e de organizações da sociedade.

O objetivo é dar voz aos personagens e a histórias da região. Seja por meio de colaborações com veículos (como o The Guardian), seja por meio de pautas próprias.

Um exemplo é esta reportagem mostrando como o chocolate pode ser uma alternativa à monocultura do açaí. Com texto de Daniel e fotos de Márcio Nagano, a matéria foi produzida com recursos da Thomson Reuters Foundation e levou o Grande Prêmio de Jornalismo do Sebrae, em novembro de 2024. 

A SACADA QUE LEVOU À CRIAÇÃO DO AMAZÔNIA VOX SURGIU NO EGITO, DURANTE A COBERTURA DA COP22

Nascido em Piracicaba, no interior de São Paulo, Daniel se mudou com a família, aos 9 anos, para Barcarena, na região metropolitana de Belém.

Ele conta que a decisão de trocar o Sudeste pelo Norte se deu por dificuldades econômicas – e fala com gratidão da terra que o adotou:

“O meu pai, engenheiro mecânico, fazia bala de coco de madrugada para sustentar a família, porque não tinha emprego em São Paulo. E aqui [no Pará] ele recebeu emprego, condição de estudo, oportunidades… Essa terra nos deu tudo”

Daniel cursou jornalismo na Universidade Federal do Pará e começou a carreira em 2004, como estagiário e repórter no Grupo Liberal, o maior grupo de comunicação do estado. Depois de outras andanças profissionais (incluindo um tempo como secretário de comunicação do Pará), ele retornou ao grupo em 2021, como diretor de conteúdo do jornal O Liberal.

Foi nessa função que lhe veio a ideia do Amazônia Vox. Era novembro de 2022, e Daniel estava no Egito para cobrir a COP27, realizada naquele ano em Sharm el-Sheikh, destino turístico às margens do Mar Vermelho.

Daniel percebeu que, dos cerca de 100 jornalistas brasileiros presentes naquela edição da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, apenas ele e mais dois vinham da região amazônica. Viu o mesmo padrão se repetir em painéis sobre a floresta, com a participação de poucos especialistas locais.

Ele começou a sondar colegas do Sudeste tentando entender por que eles davam poucos ouvidos a fontes do Norte do Brasil. E, paralelamente, buscou referências para a plataforma que pensava em criar. Uma delas veio da Iniciativa Africana da Solutions Journalism Network. Daniel parafraseia o manifesto:

“Estamos cansados de ouvir e ler as histórias do nosso território contadas por jornalistas de outros lugares, geralmente falando dos nossos problemas… Não que nós não os tenhamos – mas também temos as soluções e elas precisam de visibilidade para ganhar apoio’’

Outra inspiração foi o Entreviste Uma Mulher, da Think Olga. Lançado em 2014, era um banco de dados colaborativo com indicações de mulheres de várias áreas que poderiam servir de fontes para matérias jornalísticas – ampliando o alcance de suas vozes e naturalizando a presença feminina na imprensa. 

DE OLHO NA COP30, O AMAZÔNIA VOX FEZ A CURADORIA DE UM TREINAMENTO SOBRE COBERTURA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Nos últimos dez anos, 13 147 veículos jornalísticos foram extintos no Brasil, de acordo com o estudo Mais pelo Jornalismo publicado em março, realizado pela plataforma de mailings de imprensa I’Max. 

Embora o saldo seja negativo, ao longo da década surgiram 10 795 veículos, muitos deles independentes e digitais. Essas novas plataformas vêm contribuindo (segundo o Atlas da Notícia) para reduzir os “desertos de notícias”, regiões com poucas ou nenhuma empresa de comunicação.

O desafio comum a essas organizações é criar um modelo de negócio sustentável e atrair financiamento – algo que pode ser particularmente difícil para veículos com foco em temas ligados a grupos sub-representados, como comunidades indígenas e ribeirinhas. Daniel conta como tenta desatar esse nó:

“Para um veículo que está nascendo ou mesmo um veículo com muita credibilidade e história, a assinatura não sustenta. A publicidade de qualquer jeito derruba a credibilidade e é um erro em que muitos veículos estão caindo. Então, uma forma que encontrei é a de financiamento para projetos”

Um desses projetos é o Trilhas da Cobertura Climática. Realizado pelo Instituto Bem da Amazônia (IBA) com curadoria do Amazônia Vox, o treinamento preparatório para a COP30 teve uma primeira etapa online, em fevereiro, que atraiu 1 500 profissionais de comunicação e contou com apoio da Embaixada e do Consulado dos Estados Unidos (agora em maio, a segunda fase, presencial, será exclusiva a moradores da Amazônia Legal, com patrocínio da Federação das Indústrias do Estado do Pará, da Fundação Itaú e do Imazon). 

Outra fonte de receita do Amazônia Vox são conteúdos e projetos patrocinados. Entram aí, por exemplo, um banco de imagens patrocinado pela Fiocruz e uma série de reportagens sobre empreendedorismo local produzida para o Sebrae. “É diferente de publicidade, é um conteúdo de prestação de serviço [de interesse público]”, diz Daniel. “Muitas vezes, nos enxergam como uma agência de conteúdo.”

O Amazônia Vox aciona freelancers de sua base para tocar esses jobs e, segundo Daniel, consegue pagar uma remuneração acima da média de mercado local.

PRÊMIOS, PARCERIAS E BOLSAS DE FINANCIAMENTO AJUDAM A AUMENTAR A INFLUÊNCIA E TORNAR O NEGÓCIO RENTÁVEL

A história do Amazônia Vox se entrelaça com a do Instituto Bem da Amazônia. No início de 2023, Daniel ajudou a criar a fundação sem fins lucrativos, vinculada à Temple Comunicação, onde ele trabalhara em 2019:

“Uma amiga muito próxima, a Cleide Pinheiro [CEO da Temple], também queria fazer algo com propósito. Eu já estava com a ideia do Amazônia Vox, só que não tinha ‘braço’ para fazer e sugeri criar o instituto. Com seis meses o site estava pronto, consegui a primeira bolsa, e comecei a pagar sozinho pelo Amazônia Vox”

Essas bolsas tiveram, um papel decisivo para impulsionar sua trajetória. Entre elas estão as do International Center for Journalists (ICFJ), como a do programa Jogo Limpo, com financiamento do YouTube Brasil para combater a desinformação, e a Acelerando Negócios Digitais, concedida pela Meta e desenvolvida em parceria com associações de mídia. 

Com o dinheiro e o apoio do ICFJ, Daniel pôde se dedicar integralmente ao Amazônia Vox. Foi ganhando visibilidade, fazendo networking e mediou painéis sobre a Amazônia em dois eventos internacionais: o Skoll World Forum, em Oxford, na Inglaterra, e o Festival Internacional de Jornalismo de Perugia, na Itália. 

Também foi se especializando na captação de recursos para fazer jornalismo independente e dominando novas metodologias, como o Jornalismo de Soluções (que aprendeu com a Solutions Journalism Network, da qual hoje é instrutor): 

“A gente narra a história a partir do tal ‘desvio positivo’: mostro um problema, mas conto a partir de uma resposta”

Outra bolsa importante foi a do Dart Center for Journalism and Trauma, da Columbia University com apoio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, ONG com foco na primeira infância, que o levou a produzir uma reportagem e um minidoc sobre o atendimento pré-natal das mulheres ribeirinhas – 95 entre os 100 municípios com os piores índices estão na Amazônia. A pauta ganhou o Prêmio de Jornalismo em Saúde na América Latina, da farmacêutica Roche com a Fundação Gabo.

Daniel obteve ainda bolsas do Instituto Reuters, sobre bioeconomia; da Fundação Grupo Boticário, sobre oceanos; da Jeduca, sobre educação; e do Pulitzer Center, com uma reportagem para ser publicada em setembro deste ano. 

EDUCAÇÃO MIDIÁTICA E NOVOS CAMINHOS: O PAPEL DOS JOVENS NO FUTURO DO AMAZÔNIA VOX

As reportagens em vídeo são veiculadas pela Rede TV!, através de uma parceria sem contrapartida financeira. Outros veículos, como a Agência Pública e o Brasil de Fato, já republicaram matérias do Amazônia Vox. 

Para garantir que seu jornalismo continue acessível e influenciar novos públicos, ele costuma submeter uma reportagem por mês à leitura prévia de 40 alunos de uma turma de ensino médio. Foi o que aconteceu com as duas reportagens premiadas. 

Segundo Daniel, o feedback dos adolescentes inclui pedidos para que algumas palavras sejam explicadas ou mesmo substituídas; depois, eles recebem os créditos pela revisão:

“É um trabalho de educação midiática. A professora Marcela Castro explica que os alunos ficam com uma leitura mais crítica e atenta, e isso melhora a redação deles. Melhora também o meu texto e eu ganho engajamento de audiência e de rede social pelos estudantes”

Hoje, o Amazônia Vox mantém uma equipe fixa de 12 pessoas, contando com ele. Recentemente, quando estava produzindo seis projetos simultaneamente, Daniel conta que chegou a ter 50 pessoas trabalhando no projeto.

Transformar o banco de contatos de profissionais, hoje gratuito, em um negócio de agenciamento de freelancers (sem custo para os profissionais) é um dos próximos objetivos do Amazônia Vox. Outro plano em vista é fechar contrato com algum veículo para fornecer conteúdos exclusivos e sob demanda.

Refletindo sobre o impacto do seu trabalho, Daniel recorre a uma ideia:

“A Angélica Mendes, neta do Chico Mendes, falou uma frase muito boa pra mim: manter a floresta em pé não é só investir em economia, mas também no jovem que quer desenvolver site, fotografar ou filmar sua comunidade, quer produzir conteúdo”

Ele completa o raciocínio: “Muito jovem não quer ser extrativista, mas quer morar na reserva. Então o Amazônia Vox ajuda a manter a floresta em pé, porque esse jovem não vai precisar ir para o tráfico, ou o desmatamento ilegal para ter renda, ele vai viver de fotografar a floresta”.

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