A vida é cheia de surpresas, mas nada poderia ter me preparado para o que aconteceu em 2016.
Naquela época, minha carreira de planner em publicidade estava começando a deslanchar e eu me preparava para trabalhar em Nova York. Antes da viagem, decidi aproveitar o Carnaval em Ibiúna (SP), com amigos e meu namorado na época.
Estávamos na represa, praticando wakeboard, quando sofri um acidente que mudou tudo: uma pancada forte me causou uma dissecção de carótida e como consequência um AVC
Eu nunca pensei que, aos 30 anos, passaria por algo tão devastador. Tinha uma vida ativa, gostava de esportes como o wakeboard, e estava cheia de planos para o futuro.
Nova York estava logo ali, e eu só conseguia imaginar todas as oportunidades que viriam.
Naquele dia em Ibiúna, nada parecia fora do comum. Depois da queda, levantei e , continuei esquiando, mesmo com o início de uma dor de cabeça. Queria aproveitar o máximo que pudesse, mas passado algum tempo, a dor de cabeça ficou insuportável.
Voltei ao barco, tentei descansar, mas o que aconteceu depois foi um borrão. Desmaiei no quadriciclo a caminho de casa e, quando acordei, estava na ambulância a caminho do hospital. Foi aí que tudo começou a mudar.
Passei 20 dias na UTI. Tudo era confuso, nebuloso. Quando fui para o quarto, devagar fui percebendo que não conseguia falar, nem ler ou escrever. Meu lado direito estava totalmente paralisado, inerte
De repente, a mulher que estava prestes a conquistar o mundo se encontrava totalmente dependente. Foi um choque.
Sentia o corpo deformado, como que despedaçado. A mente, antes tão cheia de ideias, estava bloqueada.
Lembro de tentar ler placas nas ruas voltando do hospital após a alta e nada fazia sentido. Tudo parecia estar escrito em grego. A frustração era imensa.
Eu precisava fazer algo para recuperar a minha vida. Os médicos falaram sobre uma “janela de oportunidade” de seis meses a um ano para recuperação. Era necessário me dedicar para obter o máximo, caso contrário teria que me adaptar às sequelas desenvolvidas para sempre.
Meus pais estavam devastados. Dispostos a tentar de tudo, fiz todas as terapias que você pode imaginar. Era uma rotina exaustiva, mas não havia outra opção.
Foi então que um primo fisioterapeuta insistiu que eu tentasse uma técnica de reabilitação na Itália, a “Reabilitação Neurocognitiva Perfetti”. Apesar do medo — afinal, eu mal conseguia falar português, muito menos italiano — decidi que precisava tentar.
A primeira vez que experimentei o Perfetti foi uma revelação. Lembro-me de fechar os olhos e a fisioterapeuta pedir para alinhar os meus pés. Só então percebi que não sentia um deles. Chorava de alívio e frustração ao mesmo tempo, porque finalmente percebia o que estava acontecendo no meu próprio corpo
A técnica foi criada pelo doutor Carlo Perfetti nos anos 1970, com foco na recuperação neurológica por meio da integração entre aspectos motores, cognitivos e sensoriais — e com atenção especial à escuta e interpretação das palavras e sensações relatadas pelo paciente.
Aos poucos, fui compreendendo a terapia e retomando consciência sobre meu corpo e os movimentos. Não se tratava mais de exercícios repetitivos mecanicamente para reforço muscular ou alongamentos. Eles me guiavam a prestar atenção ao que meu corpo sentia.
Fiz três temporadas de dois meses me dedicando intensamente no Centro Sudi di Villa Miari (em Santorso, na região do Vêneto). O cansaço era extremo; meu cérebro parecia derreter a cada sessão. Mas, pouco a pouco, comecei a reconstruir o meu corpo novamente.
E foi por essa experiência tão positiva que decidimos compartilhar a mesma oportunidade com outras pessoas.
Fundamos, em 2018, o Instituto Avencer, uma Organização Social (OSCIP) dedicada a difundir a Reabilitação Neurocognitiva Perfetti no Brasil como uma alternativa inovadora e eficaz de reabilitação para pacientes portadores de patologias neurológicas
A organização se estrutura em três pilares: a capacitação de profissionais; o atendimento clínico de excelência; e o desenvolvimento de pesquisa científica. Os objetivos são formar profissionais multiplicadores e levar essa abordagem a mais pessoas, proporcionando uma chance real de recuperação e autonomia para quem passou por traumas neurológicos.
O Instituto Avencer foi concretizado com o apoio da diretora científica do Centro Studi na época, a doutora Carla Rizzello, e do doutor Mauro Cracchiolo, que aceitou o convite para vir ao Brasil e ajudar a estruturar a formação e pesquisa. A fisioterapeuta e especialista neurocognitiva Mara Melo, que me acompanhou desde a alta da UTI, também se uniu ao projeto, inspirada pela minha evolução e pela eficácia do método.
Minha vida mudou completamente. Estou me reconstruindo. Hoje moro sozinha, viajo sozinha, voltei a dirigir e a encarar atividades desafiadoras, como grafitar um mural gigante no Minhocão.
E encontrei nesse caminho um propósito. Levar esperança a outras pessoas que passaram pelo mesmo e mostrar que existe um outro caminho, e que é possível recuperar e encontrar uma nova possibilidade de vida, um novo sonho.
O que aprendi com essa experiência é que a vida não é um plano linear. Não faço mais tantas projeções como antes. Se posso fazer algo e sinto que é a coisa certa, eu faço
A minha história é sobre recomeços, resiliência e a vontade de transformar um trauma em uma nova chance — não só para mim, mas para todos aqueles que precisam enxergar um caminho de volta para si mesmos.
Graduada em design de produtos pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), com pós-graduação em Ciências do Consumo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Giuliana Cavinato, 38, é cofundadora e diretora de planejamento do Instituto Avencer.
A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.
Lettycia Vidal empreendeu a Gestar para combater a violência obstétrica, mas esbarrou na escassez de investimentos em negócios fundados por mulheres. Ela conta o que aprendeu nessa jornada — e fala sobre sua nova etapa profissional.
Durante 12 anos, Flávia Tafner se desdobrou para acolher Cláudio, seu marido, que sofria de esclerose lateral amiotrófica. Ela conta como transformou essa experiência num livro e o que aprendeu sobre o real significado de cuidados paliativos.