Quem demorou a acreditar, agora já começa a ficar com receio. As chances da população de São Paulo sofrer ainda mais com a falta de água é cada vez mais maior. O iminente colapso do sistema Cantareira, que abastece boa parte da região metropolitana de São Paulo, é assunto nacional e e as autoridades finalmente admitiram o rodízio de água, e discutem detalhes de um racionamento mais severo. Há, ainda, a probabilidade de a cidade ficar totalmente sem água antes do segundo semestre.
Há quem diga que tudo isso poderia ser evitado, ou pelo menos amenizado, com medidas simples de economia de água por parte da população, incluindo aí cidadãos, empresas e governos. Só que, na prática, não é bem assim. “Parece que só vamos aprender a lidar com os recursos naturais pela dor”, diz o economista Ricardo Glass, de 41 anos.
Embora não se considere um especialista, Ricardo vive em dedicação à água. Ele é fundador da Okena, empresa paulista que faz trata água poluída de empresas para, após o tratamento, devolvê-la limpa para a natureza. “As empresas contratam a Okena para retirar água contaminada de suas unidades e dar ao efluente uma destinação ambiental adequada”, diz ele. Entre os clientes da Okena, estão Ford, Tam e Natura – e mais 150 empresas que já foram atendidas desde 2011, ano de fundação da empresa. Em 2014, a empresa cresceu cerca de 20%. “Em 2015, a expectativa é chegar a 13 milhões de reais”, diz Ricardo.
A Okena presta serviço terceirizado de tratamento de efluente. Caminhões da empresa retiram a água contaminada na planta do cliente. A água é transportada para a estação de tratamento da Okena, localizada em Itapevi, na região metropolitana de São Paulo, onde recebe o tratamento. Para manter o custo logístico viável, o raio de atuação da Okena é de aproximadamente 250 quilômetros, a contar de sua estação. “Mas já tivemos exceções, uma vez atendemos um cliente de Goiás”, diz Ricardo.
Ao chegar à estação, a água passa por vários processos. De maneira simplificada, são basicamente três etapas: a física, a química e a biológica. Na física, a água passa por diversos filtros que retêm elementos sólidos grandes. Depois, a água recebe produtos químicos que aglutinam pequenas sujeiras, como resíduos de plástico e metais, que formam uma massa que decanta no fundo do tanque. Essa massa é retirada é pode ser usada para diversos fins, como substância para fazer tijolos ou como combustível para fornos da indústria de cerâmica. Na última etapa, a biológica, a água já está limpa, mas ainda contém material biodegradável. Também é necessário aumentar a quantidade de oxigênio na água. Nessa fase, a água é purificada por bactérias — bichinhos que se alimentam de sujeira microscópica.
Ao fim do processo, a água é destinada à natureza (despejada em um rio) e a Okena emite um certificado ao cliente, atestando que a água retirada foi devidamente tratada. Atualmente, a Okena trata o volume de 400 caminhões por mês.
De acordo com Ricardo, os principais motivos que levam as empresas a terceirizar o tratamento de água são: falta de espaço físico em suas unidades, complexidade da contaminação (ácida, tóxica, por óleos ou graxa, entre outros), volume dos efluentes e local de instalação da empresa — em uma área de preservação ambiental, por exemplo, as regras para destinar água na natureza são bem mais rígidas.
E por falar em regras, há muitas. De acordo com a Resolução 430 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, “as fontes potencial ou efetivamente poluidoras dos recursos hídricos deverão buscar práticas de gestão de efluentes com vistas ao uso eficiente da água”. Caso as empresas descumpram a legislação, pode haver multa e suspensão parcial ou total de suas atividades.
O problema é que a legislação não é respeitada. De acordo com um estudo de Grupo de Economia da Infraestrutura e Soluções Ambientais, da Fundação Getúlio Vargas, o descarte ilegal diário de efluentes industriais na região metropolitana de São Paulo equivale ao volume de dois lagos do Ibirapuera ou à poluição gerada pelo esgoto de uma cidade de quase 12 milhões de pessoas. Para piorar a situação, água contaminada de indústrias é, em média, sete vezes mais poluente que o esgoto doméstico.
UM CEO ENGAJADO FAZ DIFERENÇA NO NEGÓCIO
Antes de empreender com a Okena, Ricardo já se inspirava no capitalismo consciente. “Precisava encontrar um caminho profissional que fizesse sentido para a minha vida”, diz ele. Após se formar, Ricardo trabalhou como diretor comercial da lavanderia industrial da família, que em 2003 foi vendida para um fundo de private equity americano. Ainda trabalhando na empresa, ele vivia cada vez mais uma dicotomia. Se interessava por temas ambientais, espirituais e filosóficos – ele gosta de estudar cabala, por exemplo –, mas não vivia no trabalho os valores que seguia.
Após sofrer um acidente vasculhar cerebral e ficar 15 dias internado, Ricardo decidiu finalmente sair do emprego e abrir um negócio que combinasse mais com o seu perfil, como ele diz.
“Sempre gostei muito de água. Também queria ter um negócio que fosse puxado pela demanda – e não o contrário, como é normal no mundo dos negócios”
A Okena tomou forma quando Ricardo teve a ideia de reformar uma estação de tratamento de água que a antiga empresa da família usava. “Investi cerca de 2 milhões na reforma e me tornei um empreendedor”, diz.
Sua empresa está inserida num movimento econômico contrário aos das empresas que não respeitam o meio ambiente e a sociedade – aquelas que seguem o conceito de lucro acima de tudo. A Okena é certificada pelo Sistema B, um movimento global de empresas que usam os negócios para encontrar soluções para problemas ambientais e sociais.
Para tanto, a Okena respondeu ao questionário de 200 questões, que tratam de questões ambientais, governança corporativa e relação com stakeholder, entre outros temas. Os avaliadores também pediram provas aleatórias sobre as informações respondidas e entrevistaram os empreendedores. Em uma escala de pontuação vai até 200, a Okena alcançou 106 pontos (o mínimo necessário são 80 pontos). “Agora, a cada dois anos a empresa será reavaliada para manter o certificado. Isso faz com que estejamos sempre evoluindo”, afirma Ricardo. “A grande causa da minha vida era ter uma empresa B.”
O economista também é um dos líderes do movimento Capitalismo Consciente Brasil – braço nacional do Conscious Capitalism, iniciativa que nasceu nos Estados Unidos para transformar as empresas em ambientes de desenvolvimento pessoal e contribuir com relações mais justas com a sociedade. No Brasil, algumas grandes empresas seguem princípios do movimento, como Natura, Riachuelo e Pão de Açúcar.
De acordo os criadores da iniciativa, John Mackey, fundador da rede de supermercados Whole Foods, e Raj Sisodia, professor universitário e consultor de negócios, empresas adeptas ao capitalismo consciente têm resultados financeiros relevantes em longo prazo. Uma pesquisa feita Mackey e Sisodia mostra que tais empresas tiveram desempenho médio 200% mais alto em relação ao índice Standard & Poors 500 na bolsa de valores americana, entre 1996 e 2011.
Hoje, Ricardo avalia que ainda tem muito campo para crescer com o seu negócio. Segundo estimativas do empreendedor, menos de 0,1% da água usada no Brasil é reutilizada, por exemplo. “A concorrência nessa área é bem grande. Mas, se todas as empresas tratassem corretamente seus efluentes e as autoridades fossem mais atuantes, com certeza teria espaço para todo mundo”, afirma Ricardo. Até lá, muita água pode rolar.
Descartar peças de roupa bem antes do recomendado – e substituir por novas – impacta o meio ambiente de maneiras que você talvez desconheça. Entenda o que a Electrolux está fazendo para que as roupas não tenham prazo de validade.
O ano começou e novas ondas de calor vêm por aí. Entenda como a Acqua.Tís aposta no “marketing retributivo” para manter todo mundo hidratado no verão e democratizar o acesso à água a pessoas em situação de vulnerabilidade.
O mundo precisa urgentemente de justiça social e climática, mas muitas empresas ainda fingem não ter nada a ver com isso. Rodrigo Santini, diretor do Sistema B, fala sobre o papel das corporações em um planeta cada vez mais quente e desigual.