O jeito que você imagina o futuro muda as ações no tempo presente. Portanto, não é apenas o presente que constrói o futuro, o futuro também constrói o presente.
Thomas Frey, futurista.
É preciso fazer o bem. Mais ainda: é preciso fazer bem o bem. Uma intenção de mudança na realidade — seja ela social, ambiental, cultural ou política – deveria ser erguida a partir de uma lógica que a sustentasse; de uma espécie de teoria que ampliasse o olhar crítico sobre o que se espera, que transformasse aspiração em capacidades e que aumentasse as chances de concretização da mudança. E é exatamente essa ajuda que a Teoria de Mudança (TdM) nos dá.
Cada vez mais popular no terceiro setor, nos negócios de impacto socioambiental, em políticas públicas e nos movimentos, projetos e organizações com propósito, a Teoria de Mudança (às vezes chamada de
modelo lógico) exerce um papel estratégico e tático que justifica a sua fama.
Quando se quer realizar uma “mudança no mundo”, é preciso ter clareza do que se quer mudar e de como essa mudança se produzirá. Nesse sentido, essa ferramenta representa visualmente uma cadeia lógica que se desdobra ao longo do tempo, tendo o futuro como âncora, retratando causas e consequências de um conjunto de atividades no curto, médio e longo prazo.
A Teoria de Mudança ainda ajuda a remediar a polifonia da palavra ‘impacto’ e sugere uma compreensão mais concreta do que ele representa. Impacto são as consequências positivas, intencionais ou não, das ações de pessoas e organizações no mundo . O impacto ocorre no longo prazo e é decorrente de uma série de transformações realizadas, muitas vezes distintas e complementares. Teoria de Mudança poderia se chamar Teoria de Impacto, já que almeja o mesmo elemento final: um resultado complexo e positivo de longo prazo.
Na maior parte dos modelos, a Teoria de Mudança é construída com seis elementos encadeados temporalmente: contexto; recursos; atividades; saídas; resultados; impacto. Se eu pudesse resumi-los em poucas palavras diria o seguinte: uma iniciativa com propósito social (ONG, negócio de impacto,
política pública etc.) surge em determinado CONTEXTO problemático e propõe a ele uma MUDANÇA (IMPACTO). Para concretizar a iniciativa, ATIVIDADES são planejadas a partir de RECURSOS necessários. As consequências imediatas e mensuráveis das atividades são as SAÍDAS. As consequências das saídas, por sua vez, geram RESULTADOS ao longo do tempo. E os resultados, se constantes, são capazes de contribuir para o IMPACTO (ou mudança) desejado.
Ficou confuso/a? Vamos desenhar:
Enquanto a execução da Teoria de Mudança ocorre do presente para o futuro (contexto ↦ recursos ↦ atividades ↦ saídas ↦ resultados ↦ impacto), a construção do planejamento — sempre colaborativa e com o envolvimento de stakeholders — ocorre, com exceção do contexto, do futuro para o presente
(contexto ↦ impacto ↦ resultados ↦ saídas ↦ atividades ↦ recursos).
Veja um exemplo hipotético e superficial, para fins de compreensão concreta dos elementos da Teoria de Mudança.
Contexto: A educação pública em um determinado Estado e seu conjunto de municípios é disfuncional. Uma grande parte dos jovens concluem sua jornada na educação formal sem aprender, sem conseguir se incluir produtivamente, passando a figurar na categoria dos “nem-nem”: nem estudam e nem trabalham. Líderes e gestores públicos então decidem criar uma coalizão para o enfrentamento do
problema de forma colaborativa. Eles pretendem construir uma mudança articulada entre os entes públicos de médio e longo prazo, com bases estruturais e transformações relevantes.
Impacto: que mudança (impacto) se espera contribuir no longo prazo?
Exemplo: inclusão produtiva dos jovens.
Resultados: que tipo de resultados são necessários para contribuir com o impacto proposto?
Exemplo: usando o caso acima, podemos considerar alguns resultados como a melhoria do preparo de jovens para as carreiras superiores, técnicas e acadêmicas; melhoria dos níveis de aprendizagem no ensino fundamental; diminuição dos índices de evasão na educação básica; consolidação de
competências socioemocionais na educação; desenvolvimento de literacia digital.
Saídas: que tipos de saídas poderiam contribuir para os resultados esperados acima?
Exemplos: nº de jornadas realizadas; nº de docentes requalificados; % de aumento na procura pela carreira docente; nº de escolas adequadas para educação 4.0; nº de gestores educacionais capacidades; % de melhoria dos resultados de estudantes em avaliações externas nacionais e internacionais; nº de ajustes curriculares realizados; etc.
Atividades: que atividades (programas, projetos, normas, parcerias) poderiam produzir as saídas propostas?
(a) benchmarking em escolas brasileiras, públicas e privadas, bem-sucedidas;
(b) programa de reestruturação e valorização da carreira docente;
(c) programa de infraestrutura escolas 4.0;
(d) jornada de formação de gestores educacionais do futuro;
(e) programa de modernização e renovação curricular e metodológica; etc.
Recursos: recursos financeiros e não-financeiros necessários para operar cada uma das atividades elencadas.
Entre planejar e executar há um longo caminho e a TdM servirá como bússola do processo. Talvez algumas atividades não consigam gerar as saídas planejadas ou os recursos serão insuficientes. Ajustes então seriam necessários nos três elementos (recursos, atividades, saídas) onde ocorre a gestão de performance. Ou talvez as saídas produzidas que não estejam alinhadas com as mudanças e os resultados desejados, precisando de um realinhamento. Aqui (saídas, resultados e impacto) é onde ocorre a gestão do impacto da iniciativa.
A nossa Teoria, aqui no Instituto Sabin, foi desenhada em 2021 em um processo com quase oito meses e começou a vigorar em janeiro de 2022.
Contamos com o apoio técnico do time da Sense Lab que nos ajudou a ouvir todos os stakeholders do instituto, envolver as pessoas e organizações adequadas no exercício de co-construção e corrigir possíveis viesses que tínhamos até então. Os principais benefícios que conquistamos com o uso da teoria desde então foram: a oportunidade de uma reflexão profunda e colaborativa sobre nossa missão; a melhoria do alinhamento do propósito com stakeholders e mantenedora; o refinamento da comunicação com time, mantenedora e beneficiários; a viabilização de uma operação tática mais eficiente, fluida e menos hierárquica; e, especialmente, a garantia de uma estrutura adequada e confiável para sofisticarmos nosso processo de mensuração e avaliação de impacto social.
Porém, existem duas limitações e desafios que devem ser observados no uso da TdM. O processo de desenvolvimento e planejamento é longo, intenso e por vezes desgastante – apesar de gerar muito aprendizado, também pode gerar muitos pontos de divergência, muita negociação e até frustração de alguns dos stakeholders. Cabe aos líderes a capacidade de antever os gargalos e conflitos da jornada e buscar suavizá-los.
A segunda limitação é interpretar a representação gráfica da teoria de mudança somente como um processo mecânico (se, então). Apesar de esse ser o tom principal na cadeia de causa e consequência desenhada, a jornada de mudança é orgânica, com muitas idas, vindas, ajustes e correções. Os mais experientes já sabem da diferença que existe entre planejar e executar; entre o ideal e o concreto.
Assim, a teoria assume um desenho mais flexível nos elementos recursos, atividades e saídas e menos flexível nos elementos resultados e impacto. Para isso, pode-se reorganizar algumas atividades com vistas a produzir saídas e resultados que não estão aparecendo num primeiro ciclo de execução. Tal plasticidade pode gerar frustração nas pessoas mais cartesianas ou nas mais imediatistas.
Recomendo a Teoria da Mudança para pessoas, departamentos, organizações e comunidades que se empenham atualmente em enfrentar desafios socioambientais. Também para quem está a implementar algum programa ou projeto que busque uma transformação de longo prazo. Ainda para aqueles que estão patinando em processos de mensuração e avaliação de impacto e/ou para empreendedores sociais (de negócios de impacto e de ONGs) em qualquer momento da jornada.
E, por fim, mas não menos importante, para líderes organizacionais, membros de conselho ou fundadores que estão em busca de clareza, equidade, eficiência e resultados sociais sustentáveis.
**Gabriel Cardoso é um profissional transdisciplinar com abordagem empreendedora e apaixonado por futuros. É formado em administração, com mestrado em educação e é MBA em economia brasileira para gestão de negócios, além de educador do século 21 pela Universidade de Ciências Aplicadas de Tampere, Finlândia. Hoje é gerente-executivo do Instituto Sabin, organização responsável pelo investimento social privado do Grupo Sabin. Autor e organizador de livros sobre empreendedorismo social e educação empreendedora é também especialista em ESG; negócios e investimentos de impacto; inovação social; investimento social privado; sustentabilidade; empreendedorismo social; e educação empreendedora.
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