“As pessoas precisam aprender que todos os espaços devem ser ocupados sem medo e que São Paulo pode ser gratuita e barata”

Caroline Rossetto - 24 jan 2020
O casal criador do Somos Andarilhos no Espaço Garden Decoração.
Caroline Rossetto - 24 jan 2020
COMPARTILHE

 

por  Caroline Rossetto

“Ah, mas você já vai sair de novo?” Essa, talvez, seja a pergunta que eu mais ouço na vida. Acho que isso faz parte de minha essência, uma curiosidade de sempre conhecer lugares novos.

Foi essa gana por descobrir a minha cidade que motivou a criação do blog Somos Andarilhos, em janeiro de 2017, com dois autores completamente alucinados por arte, história e cultura.

Tudo começou, na verdade, lá em 1996, quando, aos 12 anos, tive uma grande referência e comecei a sonhar em fazer algo igual. Existia um programa, no antigo canal 21, chamado “Top Teen”, com dois apresentadores muito engraçados que mostravam lugares de São Paulo, fazendo entrevistas, piadas, dando dicas — tudo com um clima leve e o acompanhamento de videoclipes musicais de sucesso da época.

Nem adianta procurar referências na internet e no Youtube: é como se o programa não tivesse existido. Mas ele ainda existe na minha memória — e gravei inúmeros episódios em fitas VHS.

Sonhava em ter um programa assim. Não à toa, me formei em Rádio & TV, em 2013, e meu trabalho de conclusão de curso quase foi um programa parecido, em que mostraria os melhores pontos turísticos de São Paulo. Não foi feito porque faltava verba e tempo hábil.

Deixei a ideia de lado. Mas, quando conheci meu noivo, o Alex Silva Cunha, em 2012 , queríamos escolher mais lugares para sair e comer.

Comecei a vasculhar blogs e sites com dicas do que fazer na capital paulista e chegou uma hora em que isso começou a me incomodar. A maioria indicava os mesmos lugares para passear, e vários até usavam o mesmo texto… Achava aquilo um absurdo

Mesmo não tendo muito tempo para sair, pois na época eu trabalhava demais e estava começando a fazer uma pós-graduação em Gestão em TV, percebi que poderia escrever um artigo sobre essa questão. Mostrei a ideia para um professor da pós, que abraçou o projeto e também me indicou lugares.

A ideia, depois, era mostrar o trabalho acadêmico para alguma produtora de conteúdo ou vídeo que comprasse a proposta e a transformasse em uma produção audiovisual — o que não rolou ainda…

Enfim, o trabalho foi bem aceito. Valeu nota 9,5. E foi assim, de fato, que nasceu o blog Somos Andarilhos.

Queremos mostrar que São Paulo não é só o Centro, a Avenida Paulista, o bairro de Pinheiros. E que também não é essa selva de pedra de que todo mundo fala… Claro que tem seus problemas. Mas qual cidade não tem?

Alex e eu não temos carro. Não queremos nos preocupar com gasolina, trânsito ou pneu furado. Nossa ideia é andar a pé para captarmos os detalhes que passam despercebidos na correria do dia a dia.

Caroline no Museu Xingu, localizado no Jardim Paulista.

Inicialmente, pensamos em mostrar apenas lugares diferentes, inusitados, curiosos.

Com o tempo, vimos que isso é impossível: vem muita gente perguntar sobre os pontos turísticos mais famosos e seria ignorância não falar sobre eles ou não visitar as exposições que esses espaços oferecem.

Claro que preferimos lugares “menos falados”, pois ao descobrir lugares assim permitimos que eles se tornem mais conhecidos. Às vezes, os sites das prefeituras não são claros ou concisos. As informações se perdem e coisas importantes são deixadas de lado ou confundem os turistas. E acho que nós, blogueiros de viagem, conseguimos cumprir melhor esse papel.

Por enquanto, não temos patrocínio, parcerias ou algo do tipo. Mas seguimos firmes como dupla. Gostaríamos mesmo de ter uma fonte de receita, mas acredito que antes o blog precisa se tornar conhecido, e isso é um trabalho de formiguinha.

Acho que não existe nada mais gostoso do que receber a mensagem de alguém que salvou o relacionamento de cinco anos por causa das nossas dicas de passeios (que mudaram a rotina do casal)

Ou a mensagem de uma garota que venceu uma Olimpíada de História por usar um de nossos posts sobre uma personagem negra que viveu no bairro da Penha, no século XVII.

Isso é reconfortante e recompensador. Dá vontade de desistir? Sim, tem horas que dá vontade de jogar tudo para o alto, pois não temos assessoria de marketing digital ou grana para investir em publicidade, posts patrocinados ou mesmo em um tripé para tirar fotos melhores… É tudo na raça, na coragem, com vontade, amor e paciência.

Quando o desânimo nos toma, lembro de uma pergunta que me fizeram há um tempo: “Para que serve o Somos Andarilhos”?

O que o blog proporciona é a reconexão das pessoas com a sua cidade, o seu bairro. Além de autoconhecimento: esses olhares e essas andanças podem abrir novos horizontes, mudar o olhar e acabar com preconceitos

Tem pessoas que nunca foram para a Avenida Paulista. Tem pessoas que nunca foram para o Beco do Batman. E não é por falta de conhecimento, não. É que, de repente, elas não conseguem se sentir inseridas no meio. São Paulo, assim como outras cidades, tem muros “imaginários” que só quem anda a pé consegue perceber.

Muitas vezes, estou em uma área nobre com prédios lindos e gigantescos e toda a segurança do mundo. Mas é só atravessar a rua que o cenário muda. Como essa pessoa “do outro lado do muro” conseguirá sentir-se à vontade ao entrar em shoppings que não têm entrada para pedestre, por exemplo?

Já conversei com casais que são produtores de conteúdo, que também abordam dicas de lazer e entretenimento em São Paulo — e que não têm ideia do que acontece na periferia. Dizem que têm um medo gigantesco de atravessar a cidade sem saber o que podem encontrar.

Claro que é preciso ficar alerta, sempre. Mas deixar de ir por medo de uma “ameaça fantasma”? Comigo não rola.

A capital tem 113 parques, 95 praças, mais de 3 mil padarias, 12 mil restaurantes com 52 tipos de gastronomia, 415 museus e 112 centros culturais espalhados. No entanto, acho que tudo ainda está muito mal distribuído.

Há regiões de São Paulo que têm uma carência cultural inimaginável. É preciso que as pessoas entendam que, de repente, a praça próxima da casa delas pode ser uma alternativa maravilhosa de lazer e diversão. É a partir daí que começa uma busca por melhorias. Elas precisam se sentir inseridas nesse meio — por isso, damos esse “empurrão”.

Lugares onde não há arte e cultura são espaço para a criminalidade, mente vazia e baixa autoestima. Saúde, segurança, transporte e saneamento são necessidades básicas para qualquer ser humano. Mas só a arte, a cultura e a educação nos transformam em seres humanos melhores e nos libertam de qualquer ignorância extrema.

Nesses três anos de Somos Andarilhos conheci lugares e pessoas incríveis. E adquiri uma bagagem que é muito minha, mas que precisa ser compartilhada. O principal aprendizado: São Paulo pode ser barata, e até gratuita. A cidade é nossa. Todos os seus espaços devem (ou deveriam) ser ocupados sem medo

Quero continuar a viajar mais e mais. “Viajar”? Sim! Quem disse que não é possível viajar no próprio bairro em que vivemos? Basta abrir a mente.

(Ah, sim, já ia me esquecendo. Tem artigos novos no nosso site toda semana, na quinta-feira às 18h e no sábado às 12h).

 

Caroline Rossetto, 34 anos, é radialista e gestora de TV formada pela FMU. É fundadora do blog Somos Andarilhos.

COMPARTILHE

Confira Também: