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“Se não tem uma coerência moral entre o que a gente fala e como os líderes se comportam, dificilmente isso permeia e vira cultura”

Aline Scherer - 12 set 2024
Adriana Aroulho, presidente da SAP Brasil (foto: Claudio Gatti).
Aline Scherer - 12 set 2024
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Cientista social com especializações em administração de empresas e gestão da tecnologia da informação, inovação e empreendedorismo, Adriana Aroulho, presidente da SAP, chegou em 2017 à subsidiária brasileira da multinacional alemã de tecnologia, gigante do setor de softwares de gestão.

Adriana entrou na SAP como vice-presidente de plataforma digital, após quase 20 anos de carreira na Hewlett Packard. Assumiu como COO em 2019 e, em agosto do ano seguinte, foi alçada à cadeira de CEO para suceder outra liderança feminina: Cristina Palmaka, que se tornou presidente da SAP para América Latina e Caribe.

O exemplo do topo é seguido em outras áreas da companhia, que tem 31% de mulheres em cargos de liderança – quase o triplo da média do mercado de TI, segundo a empresa. 

Fundada em 1972 por cinco ex-funcionários da IBM, a SAP se tornou uma das pioneiras em divulgar seu compromisso com a responsabilidade socioambiental, em 2012. E vem integrando em seus softwares corporativos, ferramentas para a gestão dos aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG) nas empresas. 

É o caso do Green Token. Lançado recentemente, o aplicativo permite a companhias rastrear e contabilizar matérias-primas sustentáveis certificadas e mapear a procedência dos materiais oferecidos pelos fornecedores – até o produto final. 

Em entrevista* ao Draft, Adriana fala sobre a missão da SAP de facilitar a gestão ESG das clientes, a ética na construção e no uso da inteligência artificial generativa, e o papel dos homens na transição para uma sociedade mais equitativa: 

 

A SAP lançou recentemente a quarta edição de seu Relatório de Sustentabilidade durante um dos eventos mais importantes realizados pela empresa com colaboradores, fornecedores e a comunidade. De que forma a SAP tem trabalhado os aspectos ambientais, sociais e de governança para ser uma empresa mais sustentável?
Fomos a primeira empresa global de tecnologia a assumir compromissos públicos socioambientais muito antes do mercado falar em ESG, em 2012. Somos líder de sustentabilidade na Dow Jones desde então. Somos uma empresa alemã, a agenda verde é muito prioritária. 

A nossa visão é que a sustentabilidade não pode ser uma disciplina à parte da empresa, ela é absolutamente transversal e temos duas grandes ambições. Uma é ser exemplo: tudo que a gente fala, a gente faz, do ponto de vista ambiental, do ponto de vista social; outra é ser habilitador, porque a tecnologia tem um papel fundamental na gestão da sustentabilidade: você só faz gestão daquilo que mede. 

Os dados, assim como a inteligência artificial generativa, dependem muito da qualidade dos dados. A sustentabilidade não é diferente, para entender se você está avançando nos seus compromissos. 

Nos data centers a SAP só trabalha com energia renovável. Neutralizamos a nossa frota interna de carros. Já começamos na Europa uma troca para carros elétricos, que está chegando nas operações dentro do seu tempo e da infraestrutura possível em cada país 

Aqui no Brasil, temos um comitê de sustentabilidade que também olha os dois ângulos: ser exemplo e habilitador. Somos a única subsidiária fora da Alemanha que tem o nosso próprio Relatório de Sustentabilidade.

Mais e mais empresas estão se apoiando na tecnologia para essa agenda. Fazemos pesquisas recorrentes com executivos da América Latina e percebemos que existe muita intenção. Ainda falta sair da intenção para a ação; há diferentes graus de maturidade. Mas na nossa leitura realista-otimista, existe uma crescente. 

Temos projetos de eficiência hidráulica, de eficiência energética. Somos certificados ISO 14.000 (normas internacionais que tratam da gestão ambiental). Trabalhamos com materiais recicláveis. Desde as pequenas às grandes coisas. 

Do ponto de vista social, temos um trabalho muito forte de diversidade e inclusão de uma forma muito holística: gênero, raça, LGBTQIA+, pessoas com deficiência. 

Temos um programa de neurodiversidade. Em nosso laboratório em São Leopoldo (RS) – um dos 20 laboratórios de pesquisa de desenvolvimento da SAP no mundo –, é uma super demonstração de confiança e investimento no país, fica dentro de uma universidade, então é multigeracional 

Temos esse cuidado para que os nossos investimentos sociais estejam alinhados. Um dos projetos bem legais é com a Fundação Amazônia Sustentável, onde fizemos doação de tecnologia e mentoria dos líderes comunitários. Desde práticas de gestão até a utilização da tecnologia.

De que forma a SAP está usando inteligência artificial generativa e preditiva para facilitar que os clientes possam atingir suas metas ESG?
Temos um roadmap de Gen AI super amplo, e passa por várias das nossas soluções e especificamente para a gestão da sustentabilidade: medir a pegada de carbono, avaliar a eficiência de economia circular, a gestão de resíduos. 

Temos também o Green Token para certificar operações fabris na aderência a regras internacionais de ESG. A Ambipar, que é uma empresa que vende sustentabilidade, adotou as nossas soluções para fazer a própria gestão da sua sustentabilidade como operação.

Temos também esse olhar nos nossos demais sistemas. 

O centro da nossa estratégia, nosso carro-chefe é o sistema de gestão, o ERP. E temos a visão de que assim como revolucionou o mercado décadas atrás na contabilidade tradicional, ele pode contribuir para a contabilidade do carbono. Porque as informações estão ali, passam pelo sistema de gestão 

Temos um roadmap público da SAP para ter um Green Ledger, um livro razão de carbono. E temos soluções especialistas que circundam esse sistema de gestão com soluções para o RH, a gestão de talentos, gestão de compras, gestão da cadeia de suprimentos.

Por exemplo, para garantir que nos processos de seleção a empresa não está replicando vieses preconceituosos, que hoje todos nós temos, na nossa suíte de solução Success Factors já usamos Gen AI para garantir uma análise de currículo muito neutra, sem a replicação de vieses. Usamos Gen AI na criação dos anúncios de emprego, justamente para atrair um talento plural, e para evitar a reprodução de vieses. 

Na área de compras temos alguns casos interessantes de clientes adotando a nossa solução para fazer um censo dos seus fornecedores e garantir que estão dando oportunidades para fornecedores que representam minorias 

Numa situação de empate, dois fornecedores têm a mesma pontuação numa determinada oportunidade, como pesar diferente se a liderança feminina ou representar outro tipo de minoria. E a Gen AI está por trás, ela ajuda muito nessa análise, porque automatiza muito: pega toda essa massa de dados e faz recomendações. Depende muito da pergunta. 

Na minha visão, a tecnologia é um grande habilitador e a SAP está trabalhando para ser um player de Business AI, trazendo junto nossos compromissos de sustentabilidade e a combinação de tecnologias.

Você citou o Green Token e inclusive a tokenização do hidrogênio apareceu nas minhas pesquisas sobre as novidades da SAP. Qual a finalidade e o potencial dessas tecnologias?
O que garante que a empresa está ou não em conformidade com esses comportamentos sustentáveis? 

Pegamos algumas métricas do GRI [Global Reporting Initiative, organização que define padrões para relatórios de sustentabilidade que são referência na gestão dos aspectos ESG] e fizemos um “de → para”. E aí vimos que conseguimos, com as nossas soluções, endereçar mais de 90 itens do GRI. 

Hoje não existe ainda uma única métrica de mercado. Existem várias possíveis. E a ideia do Green Token foi para endereçar essa questão: criar uma certificação em que o mercado entende que ao tê-la, se cumpriu com cada exigência da agenda de sustentabilidade

A demanda por Green Token é crescente e este ano a SAP está conversando com vários clientes, especialmente na indústria química, celulose e commodities.

E para o mercado de carbono, vocês têm tecnologia de blockchain para evitar que ocorram fraudes como as noticiadas na imprensa nacional e global nos últimos anos?
Para isso é rastreabilidade, certificar e garantir a origem daquilo. A gente está para anunciar uma parceria bem bacana nesse sentido.

A ética tem sido um tema relacionado às decisões de sustentabilidade e também às decisões referentes à construção e ao uso da inteligência artificial. Como tomar decisões sustentáveis é tomar decisões éticas. Qual a sua visão?
A nossa visão de Gen AI é o que a gente chama de três R’s: a inteligência artificial generativa tem que ser responsável antes de qualquer coisa; tem que ser confiável, que é reliable, em inglês; e tem que ser relevante, tem que ter sentido para o negócio. Porque todo mundo quer ter, então ela tem que ter sentido, e aí vem a responsabilidade do investimento. 

Ainda no quesito de ser responsável, a ética é inegociável. Para qualquer empresa séria, a ética é a base da confiança. Seja para atrair talento, investimento, construir relações com seus clientes. Com o uso de AI, não é diferente 

A inteligência artificial não é novidade para nós, ela é uma evolução de machine learning, de deep learning, de analytics avançado. Obviamente que a Gen AI é um salto quântico agora. Mas a SAP já tem um comitê global de ética – para questões como as que eu comentei antes, de não reproduzir os nossos sistemas usuais que hoje temos na sociedade. 

É um compromisso público da SAP, de aderir aos mandamentos da Unesco para uma Gen AI ética, e isso é absolutamente inegociável para a gente. E passa também por privacidade de dados.

Como garantir, dos cargos mais baixos aos mais altos, que os funcionários estão aplicando a ética no dia a dia?
Recebo perguntas parecidas, sobre compliance ou até mesmo diversidade. Uma vez, participei de um painel e uma pessoa me perguntou como que eu garantia que não existia machismo dentro da SAP. Eu adoraria [poder] garantir.

Acho que é uma [questão de] coerência com os valores da SAP, que estão ali desde o primeiro dia: falam sobre manter a promessa; dizer as coisas como são; abraçar a diferença; manter a curiosidade; construir pontes. 

Porque [em] uma empresa de 100 mil funcionários, que opera em 100 países, obviamente a gente tem de tudo – e os valores nos norteiam. Como também o nosso propósito, vejo que a gente vive ele todos os dias: ajudar o mundo a funcionar melhor. E isso passa por uma questão ética, através de empresas que funcionam melhor. 

Hoje, a gente atende mais de três quartos do PIB mundial, transacionando em nossos sistemas. Isso é muita responsabilidade. E muita oportunidade também. Então como é que podemos pretender ter esse lugar de contribuição se a gente mesmo não pratica e não é exemplo? 

De verdade, vejo isso super arraigado na nossa cultura; ao mesmo tempo, temos mecanismos de escuta e de denúncia. Fazemos pesquisas com os nossos funcionários e perguntamos sobre ética, diversidade e inclusão. E acredito de verdade que a liderança é chave. Se não tem coerência moral entre o que a gente fala e [como] os líderes se comportam, dificilmente isso permeia e vira cultura.

Então, temos uma métrica, o Índice de Confiança na Liderança. E uma das perguntas é justamente sobre como o seu líder se comporta de maneira ética, mesmo quando a decisão é difícil – com campo aberto para comentários. E temos resultados. 

Pra mim deveria ser 100% [de resultados positivos], mas obviamente é uma jornada. Aqui no Brasil, temos 92%. E sempre falo para o time: “pessoal, a gente só corrige problemas que a gente conhece”. 

No final da pesquisa, perguntamos qual é a recomendação: o que você faria para que a SAP seja um melhor lugar para se trabalhar, para que a gente avance mais nessas agendas? Fazemos duas vezes ao ano – e eu leio todos os comentários

Tenho uma parceira maravilhosa em RH que me ajuda a facilitar o processo. Mas entendo que isso é uma responsabilidade da liderança. E a partir dessa leitura, fazemos planos de ação, feedback, campanhas internas de comunicação. 

Você trabalha numa indústria muito masculinizada, tecnologia, em um cargo no qual ainda é raro e recente ver mulheres ocupando, o de CEO. Que mensagens você e a SAP têm dado para os homens sobre essas mudanças?
Gosto de dizer que a gente só vira esse jogo com eles. Temos todo um capítulo do He for She [campanha da ONU Mulheres, lançada em 2014, incentiva homens a se tornarem defensores dos direitos das mulheres e a se comprometerem ativamente a combater a discriminação e a violência baseada no gênero] dentro do nosso grupo de liderança feminina porque eles ainda são a maioria. 

Estamos corrigindo distorções históricas, estruturais, gigantescas para atrair mulheres para as disciplinas STEM [sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática], e por aí vai 

A indústria de tecnologia ainda é muito masculina. A maior parte das decisões passa pelos homens, de quem eles vão contratar, quem eles vão promover, em quem eles vão investir… Apesar de aqui estar muito melhor do que no passado, ainda tem muita coisa para fazer.

 

* Entrevista realizada durante o IT Forum Praia do Forte 2024. A repórter viajou a convite da organização do evento.

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