Seis lições que aprendi fazendo compras com Bitcoin em El Salvador

Renan Rizzardo - 13 jan 2022
Renan Rizzardo, das startups Moss e OnePercent.
Renan Rizzardo - 13 jan 2022
COMPARTILHE

Desde setembro de 2021, El Salvador ganhou uma nova visibilidade internacional: tornou-se o primeiro país a aceitar Bitcoins como moeda oficial.

Como representante da Moss Earth, a maior climatech do Brasil, e da OnePercent, uma das maiores desenvolvedoras de blockchain no país, eu estava na cidade de San Salvador para uma conferência e vou relatar o que aprendi em um dia pagando (ou tentando pagar) apenas com Bitcoin. Vem conferir!

 

1) ESTUDE (E COMPRE) ANTES DE TOMAR A DECISÃO

Já em El Salvador, tive a ideia de passar por essa experiência de realizar as compras a partir do Bitcoin. O objetivo era começar do zero, como se fosse a primeira vez que entrasse nesse processo.

E aí que veio a primeira dificuldade: comprar Bitcoin. Comprar na corretora e fazer a transferência.

Depois de algumas tentativas, com erro e perda de dinheiro, tive que pedir ajuda. Isso porque existe um processo de reconhecimento, envio de documentos e aprovação de grande parte das exchanges (corretoras) que pode levar até 72h

Também existem taxas salgadas de transferência, ou seja, não é algo que pode ser tentado múltiplas vezes.

Até que eu entendi: não seria possível iniciar o processo do zero. O caminho era transferir um valor em Bitcoin já comprado previamente.

2) A CARTEIRA LOCAL É DIFERENTE DA QUE VOCÊ PODE USAR

O segundo passo, depois de entender que precisaria transferir, era decidir para qual carteira.

A internet não me ajudou muito. Fui então para a população. Perguntei na recepção do hotel, arredores, restaurantes e lojas.

E foi aí que tive o segundo aprendizado. Parece que na cidade em si não existiu uma curva de conhecimento sobre Bitcoin o suficiente para ensinar um estrangeiro a usar

Consegui resolver a questão quando um brasileiro, claro, me ajudou e indicou uma carteira.

Enquanto todos da cidade usavam a “carteira local”, eu iria com outra. Temos carteira e temos Bitcoins. Vamos às compras!

3) MANTER DINHEIRO FÍSICO COMO BACKUP É IMPORTANTE

Primeiro passo: aplicativo de transporte. O objetivo era chegar até o museu da cidade pagando com Bitcoin.

Ao selecionar no app, você não encontra a opção para pagar com a criptomoeda. Optei por dinheiro e já iniciei a conversa: “Aceita Bitcoin?”. “Claro, aqui é a cidade bitcoin”, o motorista respondeu.

Mas não foi bem assim. Na hora do pagamento, muita dificuldade para achar o caminho do app, como abrir a tela para receber…

O processo em si é simples: com a minha carteira digital instalada no celular, faço uma leitura do QR Code e o valor em dólares é transformado em Satoshis — a fração mínima de um bitcoin.

Parece muito o que vivemos no Brasil com o Pix, com um fator adicional de aplicativo e etapas a mais. A transação aconteceu rapidamente e eu pensei: isso vai ser fácil!

Mas nem tanto. Na entrada do museu: “Não aceitamos Bitcoin” e “Estamos nos trâmites para ter os equipamentos”. Na loja do museu, o mesmo. Só dinheiro. Fiquei pouco e continuei a jornada.

No comércio de rua, nenhuma loja pequena aceitava. Farmácia, idem. Então vamos almoçar. Ao procurar restaurantes, a receptividade mudou: quase todos do centro aceitavam

Escolhi um e, nesse processo, notei uma segunda curiosidade: Nos estabelecimentos em que o Bitcoin é aceito, há sempre uma pessoa referência sobre pagamento e funcionalidades. Tudo certo.

Na hora de pagar, mais uma pausa. O garçom teve problemas de conectividade e eu cedi minha internet para dar certo.

Ele também não sabia identificar se o pagamento tinha sido feito (na minha carteira aparece automaticamente, porém não registra um “recibo”). Mas deu certo: demora um pouco, mas o aplicativo atualiza com o novo valor recebido.

4) BANCOS SEMPRE SERÃO BANCOS. CAIXAS AUTOMÁTICOS, NÃO

De lá, decidi que queria testar mais. Melhor lugar: shopping.

Antes disso, transporte novamente. No segundo carro, não tive a mesma felicidade. Erro na carteira local para receber. Tentamos três vezes e o motorista desistiu: “Por favor, pague com dinheiro”. Ok…

Chegando ao shopping, fui a três lojas bem conhecidas de roupas esportivas. Nenhuma aceitava. Lojas de departamento, idem. Na quarta tentativa, um sinal positivo.

Mas o sistema aqui era direto com o banco. Quase como uma ode ao sistema tradicional, o processo não deu certo

Era o seguinte: precisava fazer um cadastro com todas as minhas informações pessoais, de documento de identidade a endereço (o que vai completamente contra a anonimidade do mundo Bitcoin), sistema captcha e enviar para gerar um QR Code de pagamento. Só que o sistema estava fora do ar.

Depois de algumas tentativas com o meu celular, a vendedora ofereceu o dela como outro sistema operacional, também sem sucesso. Foi aí que ela deu uma ideia que eu não tinha tentado ainda: sacar a partir do Bitcoin.

Junto aos outros caixas eletrônicos, tem um espaço maior, com paredes ao redor, da empresa local. O processo começa com uma mensagem para um número local (sorte que eu tinha), junto a um código de verificação por SMS.

Fiz todos os passos e consegui enviar para o caixa eletrônico, da minha carteira, 40 dólares. O sistema demorou 15 segundos para carregar — tempo excessivo para transações normais. Mas funcionou. Consegui tirar o dinheiro e voltar na loja comprar o item. As vendedoras comemoraram comigo

Encontrei então uma loja de variedades, bugigangas de 1 dólar. Na entrada, o sinal é claro: aceitamos todas as formas de pagamento em Bitcoin.

Não deu outra. Processo rápido, em três segundos, consegui comprar e enviar o valor. A última parada foi uma rede de cafés conhecida globalmente. O processo também foi muito simples. Todos os funcionários sabiam que aceitavam Bitcoin e como fazer o processo.

Fiz questão de visitar todas as lojas do shopping apenas para perguntar sobre essa forma de pagamento. O saldo: apenas 35% aceitam Bitcoin.

5) A RESTRIÇÃO AO BITCOIN PODE SER SOCIAL

Vou ao mercado. Já que eles foram os primeiros a movimentar esse tipo de moeda, pensei que seria mais fácil. Dos 20 caixas, apenas dois aceitavam. Vivi a tensão de passar “toda a minha compra” e não dar certo. Na hora de pagar, tranquilidade: “Qual é a sua carteira? Não se preocupe, vai dar certo”. E deu.

Por fim, queria encontrar conhecidos que estavam na cidade. Contei para eles que estava nessa experiência e me indicaram um local para jantar.

Antes, liguei lá para ver se aceitavam Bitcoin. A resposta foi: “Claro”. Na hora de pagar, ouvi aquele velho conhecido “Não aceitamos”. E pior: a pessoa que me respondeu ao telefone que aceitavam a moeda não estava lá.

6) EDUCAÇÃO SEMPRE SERÁ A RESPOSTA PARA TUDO

Depois das compras e jantar, retorno para o hotel, via aplicativo de transporte.

O motorista veio conversando a viagem inteira sobre como o Bitcoin havia transformado a realidade dele. “Em alguns meses, tenho 30% a mais de receita e quando ganho, o dinheiro aumenta. Os bancos estão incomodados, mas nunca nenhum deles fez isso por mim ou pelo meu dinheiro”, ele contou.

Então, entendi que os erros ao longo do dia — de receber o pagamento — não eram sobre a carteira local em si, mas sobre educação

Muito ouvi por aqui sobre esse ponto: o processo de adoção do Bitcoin em todos os lugares se deu como lei, mas a parte educacional não foi muito explorada.

O mesmo motorista me contou que não existiam cursos. Por outro lado, ele afirmou: “A informação está disponível para quem procurar e também tem um telefone para ligar e tirar dúvidas”.

Como alguém que conheceu esse processo agora, não sei se telefone seria o melhor canal para explicar esses detalhes. De qualquer forma, essa falta educacional ficou evidente. Não basta apenas implementar a tecnologia, é necessário que a educação acompanhe.

Mesmo assim, terminei o dia com um sentimento de dever cumprido. E com a percepção de que o processo de uma cidade Bitcoin — como o presidente anunciou recentemente – ainda é uma construção

Se você deseja vir para cá e pagar só com Bitcoin, isso ainda não é 100% possível. Mas essa inovação, com certeza, ainda será muito estudada anos para frente.

 

Renan Rizzardo é coordenador de marketing da Moss e também lidera o marketing da OnePercent.

COMPARTILHE

Confira Também: