“A reforma tributária é a vacina que estamos aguardando para resolver o estado pandêmico da economia brasileira”

Miguel Abuhab - 10 nov 2020
Miguel Abuhab, fundador da Datasul e da NeoGrid.
Miguel Abuhab - 10 nov 2020
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A reforma tributária que está sendo discutida em Brasília pode parecer, à primeira vista, um assunto complexo. Afinal, é difícil imaginar que uma lei consiga resolver de uma só vez o impacto de décadas de aumento de carga tributária e da edição de milhares de normas sobre impostos, em todas as esferas.

Porém, embora a transição para um novo modelo de tributação possa vir a durar ao menos cinco anos, os conceitos da simplificação almejada são simples e passíveis de serem adotados num curto espaço de tempo. 

A tecnologia é certamente um desses pilares a serem aplicados para a simplificação tributária. E não se trata de reinventar a roda. As soluções tecnológicas já existem. O que estamos propondo é uma nova forma de utilizá-las.  

A carga tributária brasileira passou de 10% para 33% do PIB em 30 anos, graças a 17 reformas fatiadas e a criação de mais e mais contribuições ao Fisco. Com essa pesada carga fiscal, não há economia que resista. O PIB passou a crescer palidamente: 1% ao ano, entre 2011 e 2019

Muito desse desempenho sofrível para uma economia tão grande como a nossa pode ser creditado a um sistema perverso, que pretere o imposto de valor agregado e adota o imposto cumulativo, em que a cada etapa da produção se acrescenta novos tributos e o produto vai ficando mais caro.

Assim, no momento da exportação, por exemplo, não somos competitivos, a não ser na venda de matérias-primas, em que não há processos de manufatura. 

Há muitos outros efeitos indesejáveis que impedem o crescimento do nosso país. Mas são poucas as causas raízes. Uma vez eliminadas as causas raízes, todos os efeitos indesejáveis desaparecerão. 

A sonegação, a inadimplência e a informalidade são muito grandes. Somadas, elas custam mais de 1 trilhão de reais ao país. O estoque de contencioso administrativo e na Justiça é estimado em mais de 70% do PIB, ou pouco mais de 5 trilhões de reais

Quando esses problemas forem equacionados com a reforma, não apenas as receitas dos governos em todas as esferas serão maiores, mas todos irão ganhar (inclusive, a PEC 110 do Senado, originada a partir do texto do ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly, traz dispositivos que favorecem as classes de menor renda, ao reduzir a tributação sobre artigo básicos, como alimentação e remédios).

Desenvolvido por mim, o Modelo Abuhab 5.0 de cobrança eletrônica automática de impostos a partir da nota fiscal – já apresentado ao FMI em Washington e às autoridades e principais instituições financeiras do Brasil – pode ser adotado tanto pela PEC 110 quanto pela PEC 45, da Câmara, que também está sendo avaliada pelo Congresso. 

Ele se baseia em muito do que já está existe em soluções tecnológicas robustas e consolidadas, como a nota fiscal eletrônica e o próprio sistema bancário brasileiro, um dos mais avançados do mundo, que já adota a função “split de pagamento”. 

Esses dois sistemas robustos – notas fiscais eletrônicas e o sistema bancário – não “conversam” entre si. Estamos apenas integrando os dois sistemas.

Com a tecnologia atual, é possível taxar a comercialização de bens e serviços no fluxo do dinheiro, eletronicamente, de forma automática, com compensação de créditos financeiros – e a destinação também automática dos recursos arrecadados com a cobrança do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, que unifica os vários tributos da base consumo que temos hoje)  para cada ente federativo, União, estados e municípios.

Como se dá essa simplificação radical? Tudo muda quando encaramos com um novo olhar a maneira de recolher o imposto. A nota fiscal eletrônica é a forma moderna de controlar a circulação de mercadorias, mas, na verdade, é muito mais fácil controlar fluxo do dinheiro do que a mercadoria 

Num sentido vai a mercadoria, e no outro sentido volta o dinheiro. É mais simples realizar o controle da volta do dinheiro do que o controle da ida de mercadoria.

O controle de circulação da mercadoria é coisa do passado, da Idade Média, quando se pagava o imposto em mercadoria. Muitos governos ainda continuam taxando o imposto pela circulação de mercadorias. A nota fiscal eletrônica nada mais é do que uma forma moderna de controlar essa circulação de mercadorias nos postos alfandegários e nas estradas.

Com a nota fiscal eletrônica e avanços como o sistema Pix, temos uma grande funcionalidade para o pagamento da mercadoria. No Modelo Abuhab, cada nota fiscal gera um boleto bancário com valores em separado para a mercadoria e o imposto. 

Digamos que uma empresa compra uma matéria-prima, por exemplo, e paga por ela 100 reais, com hipotéticos 10 reais de imposto. Na liquidação do boleto, com valor total portanto de 110 reais, os 10 reais do imposto são encaminhados diretamente para uma conta do Tesouro. O Fisco se encarrega de distribuir o tributo arrecadado entre a União, estados e municípios. 

A cada compra de insumo, os extratos bancários vão incluir o devido crédito financeiro. O sistema calcula esse crédito e compensações automaticamente, nota por nota. O processo, inclusive, permite ao governo o controle e fiscalização de notas fiscais em aberto, com valores ainda não recebidos.

Em resumo, a ferramenta possibilita que, a cada transação comercial, seja descontado o imposto devido. Para tanto, bastará incluir um único campo com o número da nota fiscal no meio de pagamento – seja ele cartão, boleto, transferência ou outro. O sistema considera o valor agregado a cada operação

Aplicando o conceito do Modelo Abuhab, eliminamos algumas das principais causas da ineficiência do atual sistema tributário: a autodeclaração do imposto a ser recolhido, a burocracia, a inadimplência, a sonegação, a cumulatividade e a falta de lastro contábil/fiscal.  É o fim também da burocracia e dos custos com as obrigações acessórias.

A cobrança automática e eletrônica dispensa o contribuinte da obrigação de preencher formulários e cumprir por iniciativa própria o recolhimento dos impostos, como acontece no sistema atual.

Registrando de forma eletrônica cada transação e fazendo a cobrança automática de imposto, o modelo acaba com as distorções entre o que de fato circula de dinheiro na economia e o que é registrado, sem dar margem para o “jeitinho” na emissão da nota fiscal. Isso elimina a informalidade e permite o aumento na arrecadação, sem a necessidade de se aumentar as alíquotas de impostos.

É simples, mas revolucionário.

O momento agora é de conscientização da sociedade sobre a importância da reforma tributária; é essa mobilização em torno da urgência da medida que vai acelerar o processo de aprovação de uma reforma abrangente, que possa endereçar a retomada de uma economia pulsante e, consequentemente, garantir ao governo a arrecadação necessária para investir em saúde, educação e os projetos que o país necessita

É preciso conscientizar, inclusive, estados e municípios. A integração será total entre os entes da Federação no sistema com imposto unificado sobre a base consumo. A principal mudança das PECs é a cobrança pelo destino, onde houve o consumo. Isso acaba alterando a estratégia dos municípios, que precisarão ter melhor infraestrutura e padrão de vida para atrair pessoas e, assim, registrar maior consumo em seus respectivos territórios.

A reforma tributária é a vacina que estamos aguardando para resolver o estado pandêmico que a economia brasileira atingiu.

Com a vacina da reforma, vamos resolver o problema tributário para agora e sempre.

 

Miguel Abuhab é fundador da Datasul e da NeoGrid e atual presidente de Conselho da NeoGrid. Escreveu com Luiz Carlos Hauly o livro Não dá mais para postergar, sobre a necessidade da reforma tributária no Brasil. 

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