por Rodrigo Vieira da Cunha
“Faltam palestrantes mulheres!”. Esta virou uma grande preocupação para organizadores de eventos nos últimos tempos — pelo menos para aqueles que estão preocupados com este assunto. Por isso, na hora de selecionar os palestrantes para o LiveTalks 2017— evento de inspiração anual que acontece em São Paulo — cuidamos para que houvesse esse equilíbrio. Porém, assim que começamos a disparar os convites, fiquei com receio de não conseguirmos chegar lá. De oito respostas positivas que recebemos no primeiro momento, apenas duas eram de mulheres. Precisávamos colocar o site no ar com os primeiros palestrantes, mesmo que as críticas viessem — e elas vieram. A nossa lista inicial era bem maior do que os 20 nomes que participaram do evento. Havia um número até maior de mulheres para falar. Mas não foi suficiente. Em poucos dias, tivemos que disparar pedidos para a rede para conseguir chegar em bons nomes para falar no evento. Aos poucos, as mulheres foram confirmando e ao final tivemos um time de palestrantes bastante equilibrado — com mais mulheres do que homens.
Na edição de 2016 do LiveTalks, não tinha sido fácil também encontrar os nomes de palestrantes mulheres que iriam inspirar a audiência. É difícil explicar o porquê, mas arrisco a dizer que estamos cercados por referências que trazem um universo enviesado de exemplos bem-sucedidos de homens brancos: sejam eles empreendedores, cientistas, jornalistas, autores, escritores, artistas etc. E a justificativa é sempre a mesma: “não encontramos o número suficiente de mulheres para falar.” Como se elas não existissem. Não é mesmo fácil, mas isso jamais pode ser barreira para deixar de ir atrás de nomes novos — existem muitas mulheres fazendo trabalhos incríveis e inspiradores, então esta desculpa não podia caber para nós, que estamos fazendo um evento de inspiração. (Há algumas listas na internet para encontrar ótimos nomes de mulheres palestrantes como o “Mulheres também sabem“)
Este questionamento entre muitos outros é parte do processo de organizar um evento de grande porte com 20 palestrantes, durante um dia inteiro para 400 pessoas na plateia. É cheio de altos e baixos, com muitos imprevistos — como qualquer organizador de eventos sabe. A medida do sucesso é a experiência das pessoas — não importa o que aconteceu nos bastidores. Por isso estou compartilhando aqui alguns dos aprendizados que felizmente ficaram nos bastidores.
Em 2016, tivemos o teatro lotado da Unibes Cultural, sede do evento nos últimos dois anos. Este ano, queríamos ter mais do que 300 pessoas — mas como fazer se esta é a lotação do teatro? Negociamos para usar o auditório ao lado do teatro, que consegue acomodar cerca de 100 pessoas. A ideia era criar um espaço de simulcast — uma solução que aprendi participando dos eventos do TED — para transmitir ao vivo tudo o que estava rolando no palco principal. Esperávamos ter algumas 50 pessoas a mais e poder acomodá-las de maneira confortável no auditório ao lado. Porém, a dois dias do evento tivemos o melhor dos problemas: fomos obrigados a fechar as vendas, pois já estávamos com 400 pessoas inscritas! Neste momento, acendeu a luz amarela e a dúvida do que fazer para acomodar tanta gente.
A questão que nos colocamos para resolver foi: como fazer a experiência do simulcast ser tão agradável a ponto de as pessoas optarem por estar lá no lugar de no teatro principal?
Resolvemos colocar móveis confortáveis na sala da transmissão simultânea, junto com comidinhas e bebidas. Também tornamos aquela área um espaço para uso irrestrito de computadores e celulares, que foram desestimulados no auditório principal. Isso resolveu um problema para a concentração dos palestrantes: telas brilhando e plateia dispersa. Ao mesmo tempo, atendeu a necessidade das pessoas responderem e-mails ou resolverem coisas urgentes do trabalho, sem perder o que estava acontecendo no palco.
Garantir que tudo vai bem no palco principal é outro grande desafio. Ouvi de alguns palestrantes durante o nosso processo este ano: “vendo as palestras das edições anteriores, parece tão fácil ver alguém ali falando.”
Parece fácil, mas não é: fazer uma palestra bem feita dá trabalho. É preciso no mínimo cinco encontros de preparação para entregar uma mensagem poderosa e bem organizada
Este é o processo que criamos para minimizar a chance de erro. Conversas informais e ensaios. Não raro, a melhor história da palestra aparece na terceira conversa. É um processo de autoconhecimento, em que os palestrantes vão se despindo de suas máscaras e filtros de proteção pessoal. Sem vulnerabilidade, não tem humanidade, não tem conexão com a plateia, não tem palestra legal.
Quando o palestrante pergunta: “Você é psicólogo?” (acontece com frequência!) é o sinal que me mostra que chegamos a um ponto importante dessa conversa. É quando encontramos a história que faz toda a diferença na construção da palestra. A partir daí, é treino, treino, treino. Até o ensaio da véspera, um dos principais momentos da preparação. Este processo me lembra uma competição esportiva. Antes da grande partida, os atletas vão treinar na quadra ou gramado para conhecer as dimensões, irregularidades do terreno etc. Mesmo assim, surpresas sempre acontecem.
Como no ensaio do palestrante que escolhemos para fechar o evento. Gaura Nataraj é um estudioso dos Vedas, as escrituras mais antigas que se tem notícia, registradas na Índia por volta de 3 500 anos atrás. Vendo Gaura conduzindo pequenos grupos de estudos, pensei que ele poderia fazer uma fala forte para amarrar o dia. Fizemos algumas conversas a mais com ele, pois o tema da sua palestra (Por que a sabedoria ancestral é importante para a vida moderna?) era complexo e muito difícil de ser resumido em 15 minutos.
Na sexta conversa, ele chegou com a palestra redonda — foi quando ficou claro que ele precisava ser somente ele e conversar como se estivesse em um destes grupos de estudos. Na véspera, na hora que começou o ensaio, Gaura travou. Não houve jeito de conseguir engrenar na fala. Então, minha amiga Ana Cenamo que estava acompanhando o ensaio teve uma ótima ideia. Ela disse: “que tal se a gente colocar uma cadeira e o Gaura falar como faz nos grupos de estudo, sentado com as pernas cruzadas por cima da cadeira, em posição de lótus?” Assim que colocamos a cadeira ali, era outro Gaura que estava pronto para o ensaio! Ele pediu para colocar uma música instrumental calma para recitar um mantra logo antes de começar. E então começou a falar. E foi perfeito. Assim, como no dia do evento.
Logo antes da fala do Gaura, havia mais um desafio que nos colocamos: atrações artísticas em meio às palestras. Não no início ou no final ou no happy hour — entre as palestras. Convidei a banda Emanazul para fazer uma das participações. Mas aí surgiu a questão: como montar toda o equipamento da banda rapidamente para fazer uma transição rápida? A equipe da produção ficou especialmente preocupada, pois existia um risco alto de não dar certo.
A pergunta que colocamos foi: como lidar com o risco e ao mesmo tempo garantirmos que não fosse atrapalhar a experiência da audiência? Resolvemos de duas maneiras. Uma foi bastante prosaica e no final deu um efeito legal para o evento: deixamos a bateria no palco entre o segundo e o terceiro bloco e isso economizou bastante tempo de montagem. A segunda ideia foi pedir para o Rodrigo Vergara — que abriu o dia do evento provocando as pessoas a saírem das suas zonas de conforto — para fazer uma intervenção com a plateia criando uma nova experiência com jogos. Assim, enquanto a equipe preparava o palco para a Emanazul, a atenção das pessoas estava nas brincadeiras. O que no final duraria 15 minutos para montar, foi feito na metade do tempo e de maneira bastante suave.
O último aprendizado que compartilho tem a ver com o imponderável. A outra atração artística que tínhamos teve que cancelar sua participação a poucos dias do evento. Já estávamos buscando opções quando em um dos ensaios, a surpreendente Nayra Lays comentou que era MC. A palestra dela era sobre a identidade dos jovens da periferia, mas aquela informação que ela era MC ficou martelando na minha cabeça. Ao final de um dos ensaios dela, na sessão de feedback, perguntei se ela cantava também. Ela disse que sim. Então, pedi a ela que mostrasse uma de suas músicas. Acessei a Fartura de Vida no Youtube. Uau! Na mesma hora sugeri que ela cantasse no evento. Ela topou e foi incrível, resolvendo também a questão da segunda atração artística. Ela só precisou de uma base para soltar a linda e surpreendente voz ao final de uma poderosa palestra.
Entre palestrantes que demoram para engrenar, outros que desistem, desafios de produção e muita energia envolvida para fazer este evento acontecer, fica sempre a pergunta: por que fazemos isso?
Ver a alegria contagiante das pessoas ao final, além de lindas conexões que surgem entre palestrantes e plateia, nos dão a certeza que precisamos fazer justamente este tipo de coisa acontecer
O LiveTalks é um desafio pra todos que participam: para a nossa equipe que se desafia a cada ano com o formato, para os palestrantes que precisam se preparar como poucas vezes e para a plateia que sai extremamente desconfortável com muita coisa que vê ali, querendo mudar, evoluir. Por isso, tenho certeza que eventos como o LiveTalks precisam ser grandes zonas de desconforto que trazem consciência sobre nossos atos e apontam caminhos de evolução.
Rodrigo Vieira da Cunha, 41, é curador do LiveTalks, CEO da ProfilePR e sócio da LiveAD.