Stallone, Beatles, Buda – e o sentido da vida

Adriano Silva - 14 nov 2023
(Montagem com reproduções da internet.)
Adriano Silva - 14 nov 2023
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O filósofo Sylvester Stallone, no documentário Sly, recém-lançado pelo Netflix, teoriza que “até os 40 anos, a vida é adição. Você cresce, vai atrás dos seus sonhos, conquista coisas. Depois dos 40, a vida é subtração. Seus filhos vão embora, seu corpo começa a falhar, as pessoas que você ama morrem.”

(Sly perdeu seu primogênito em 2012 – Sage tinha então 36 anos.)

Em determinado momento, Stallone pondera, ao refletir sobre si mesmo, aos 77 anos, que “talvez esteja trilhando o caminho natural para o ostracismo. Ninguém consegue jogar em alto nível para sempre”

Se os Beatles representarem sua escola filosófica favorita, vale lembrar o conceito de All things must pass. (Ou, se você preferir, “Tudo passa, tudo passará”, na formulação de Nelson Ned.)

Já se sua corrente de pensamento aludir à sabedoria oriental, vale lembrar que para o Budismo a vida está repleta de dor e desconforto – do nascimento à morte. Mas que o tanto de sofrimento que vai derivar disso em sua vida é uma escolha. 

O jeito de lidar com nossas misérias, segundo Sidarta Gautama, seria nos libertarmos dos caprichos do ego, do furor dos desejos insaciáveis, das ilusões de controle do mundo ao redor. 

Esse seria o estado de iluminação, o Nirvana – você, consciente da sua própria impermanência, bem como de todas as coisas à sua volta, exercitando o desapego diante dos eventos da vida, passeando pelos dissabores da existência sem deixar que eles lhe arranquem pedaços.

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Tudo isso faz sentido.

Diante da doutrina Stallone, eu diria que é possível continuar adicionando coisas bacanas à sua vida até o último dia – apesar das inevitáveis e constantes subtrações. 

Os acréscimos não têm hora para terminar. Ou seja: a segunda metade da vida pode ser muito profícua. Inclusive porque as perdas também não têm hora para começar – elas estreiam na vida da gente muito antes dos 40 

Eis o ponto: do primeiro ao último suspiro, estamos agregando algumas coisas e perdendo outras. E como não podemos congelar o tempo e impedir os decréscimos, só nos resta continuar criando na outra ponta. Esse é o jogo. 

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Diante da síntese dos Beatles, que é a mais pura verdade – nada é para sempre, tudo está em movimento, passando rapidamente por nós para em seguida desaparecer no horizonte –, digo que não há nada a fazer senão viver. Da forma mais intensa e autêntica possível.

Que os encerramentos, que nos são dados, e que são inelutáveis, nunca nos impeçam de engendrar outros começos

Se a vida é movimento, e se isso resulta em coisas que nos são arrancadas e em outras que nós mesmos abandonamos, que não fiquemos parados, que esse eterno fluxo possa também significar a abertura de novos ciclos.

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Diante da proposição budista, gosto muito da ideia do “caminho do meio” – de um lado, não ignorar a si mesmo; de outro, não virar um escravo dos devaneios do próprio ego. E assim achar um ponto de equilíbrio entre aquilo que você quer e aquilo que é factível – sendo gentil com os outros e consigo mesmo nesse processo de se descobrir e de interagir com o mundo ao redor.

Ou a gente constrói esse balanço (trabalho para uma vida inteira) ou a gente vai se enganar imaginando que para sofrer menos é melhor não amar – porque o amor acaba. Ou que é melhor não ter filhos – porque você pode perdê-los. Ou que é melhor não acreditar em coisa alguma e desistir dos planos – porque esperar alguma coisa das pessoas e dos projetos é garantia de frustração. 

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Eis a minha compreensão: uma vida afogada em paixões é uma vida de muito sofrimento. Uma vida desprovida de paixão é uma vida sem graça e sem sal. 

Uma vida movida pelo eterno sentimento de falta, à mercê das fomes implacáveis da alma, é uma vida de tortura sob o tacão da ansiedade – e da sua irmã gêmea, a depressão

Uma vida vivida no modo seguro, como alguém que não arrisca para não se machucar, como alguém que se satisfaz com muito menos do que poderia produzir, para os outros e para si mesmo, em termos de felicidade, de alegria e de prazer, é um enorme desperdício – uma espécie de letargia. Ou de morte antecipada.

 

Adriano Silva, 52, é jornalista, fundador da The Factory e publisher do Projeto Draft, do Future Health e de Net Zero. É autor de dez livros, entre eles a série O Executivo SinceroTreze Meses Dentro da TVA República dos Editores e Por Conta Própria: do desemprego ao empreendedorismo – os bastidores da jornada que me salvou de morrer profissionalmente aos 40.

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