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“Os empreendedores por trás das startups mais atraentes são muito mais colaborativos”

Cláudia de Castro Lima - 12 jun 2019 Cláudia de Castro Lima - 12 jun 2019
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Bruno Rondani tem muito mais linhas em seu perfil do LinkedIn do que anos de vida. Tome fôlego: aos 39, é fundador e CEO da 100 Open Startups, diretor do Centro de Open Innovation Brasil, chairman da Open Innovation Week, professor da Fundação Instituto de Administração e investidor-anjo em diversas startups.

Engenheiro elétrico com mestrado e doutorado na área de estratégia de negócios, atuou em vários conselhos de empresas, ocupou cargos executivos em outras, fundou startups e ainda participou de programas de intercâmbio em universidades americanas e espanholas, além de desenvolver projetos acadêmicos com outras instituições europeias. Ah, e ele teve tempo para ser pai de cinco filhos.

Apaixonado por ciência e por estatísticas, desenvolveu seu atual negócio com base em duas teorias de pesquisadores que admira: a de open innovation (criada pelo professor americano Henry Chesbrough, que prega um modelo de inovação descentralizado e focado em colaboração e na disseminação do conhecimento, inclusive para agentes externos da empresa) e a de effectuation (desenvolvida pela professora indiana Saras Sarasvathy sobre o método que ensina que qualquer um pode empreender ao começar com o que tem e convidar os outros a participar, num processo de cocriação).

O conceito de inovação aberta ele aprendeu na prática antes, para depois correr atrás da teoria. Foi em sua primeira experiência empreendedora, na empresa Omnisys. Como responsável pela área de engenharia e pesquisa e desenvolvimento, passou a relacionar-se com startups e universidades para a produção de tecnologia.

O caminho para fazer investimento-anjo foi quase natural. Mais tarde, montou com o amigo de faculdade Rafael Levy uma empresa que se transformou em uma consultoria, a Allagi. Quando fazia seu doutorado, estudando sobre padrões de inovação e os desafios que temos no país, resolveu empreender nessa área.

“No começo, era quase um projeto social, um propósito, uma intenção. A gente buscava impacto”, ele conta. “A trajetória é interessante, porque a gente sai dessa empresa, que é nossa primeira open startup, e cria a ONG para promover open innovation como um valor no ecossistema brasileiro.”

Um dos projetos dessa organização, o 100 Open Startups, de tão bem-sucedido, elevou seu status não apenas para o principal negócio deles, mas também para o nome da empresa. Foi na sede da 100 Open Startups, um simpático sobradinho em um conjunto comercial na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, que ele bateu esse papo conosco.

Em 2015, um perfil seu no Projeto Draft o apresentava assim: “Bruno Rondani tem um desafio: mudar a maneira como empreendemos e inovamos no país”. Desafio cumprido?
O que lá atrás colocávamos como desafio era a questão da relevância e da importância da colaboração com o processo de inovação. Esse sentimento de ajudar, colaborar com algo que vai beneficiar a si, aos demais e a sociedade era uma grande barreira.

Startups não abriam facilmente seus projetos para interagir com o mercado, por exemplo, porque elas tinham medo que roubassem suas ideias. Hoje é um padrão, não há mais essa discussão

Elas já sabem que os benefícios da exposição e da colaboração ultrapassam as eventuais desvantagens de um ambiente com falta de confiança. Essa é a grande evolução, a grande mudança

À frente da 100 Open Startups, você elabora um ranking com as 100 startups mais atraentes do mercado brasileiro. O que há em comum entre as primeiras colocadas?
Nós criamos um método para buscar as startups que têm mais, por assim dizer, capital social no ecossistema, ou seja, mais gente querendo apoiar ou querendo o sucesso delas.

Como parte do método, o objetivo é encontrar projetos que muita gente quer fazer, que muita gente entende como um desafio de inovação. Evoluem no programa as que mais chamam atenção e são definidas como Top 100 as que mais fecham contratos e parcerias com o mercado corporativo. E o principal resultado sem dúvida é que nós conseguimos demonstrar com dados que as que conseguem mais apoio têm melhor desempenho.

Não basta para a startup ter uma boa ideia, é isso?
Existe um mito em relação à ideia, uma supervalorização dela. Há alguns anos já se discutia que, além da boa ideia, é preciso boa execução. Essa é a visão da gestão, que é válida.

Recentemente reforçou-se a questão de timing, de estar no timing certo. E o que nós temos acrescentado é recurso. Já se falava em funding e capacidade de as startups levantarem capital financeiro para seus projetos. Nós ampliamos o conceito de recursos para o capital social das startups. Ou seja, quão aberto os líderes de mercado estão aos novos entrantes.

E o que vimos acontecer recentemente? Grandes empresas líderes transformando-se em plataforma de inovação, abrindo espaço e mercado para novos entrantes de forma massiva como parte de sua estratégia

Essa é a grande mudança do cenário para inovação quem tem causado maior impacto recente para as startups

E quais as características das pessoas por trás das startups mais atraentes para o mercado?
Para além de tudo o que se preza no bom empreendedor, aquelas capacidades ou habilidades que já estão bem definidas na literatura, como resiliência, flexibilidade, aprendizado rápido, ousadia, pensar grande, adicionamos, hoje, a capacidade de colaborar.

Percebemos que se destacam os empreendedores mais colaborativos, aqueles que apoiam inclusive outros empreendedores e que muitas vezes estão abertos a trabalhar até com quem seria visto apenas como concorrente

Os empreendedores mais preparados entendem que haver concorrentes é bom para a criação de um novo mercado

Se pegarmos os melhores dez empreendedores do nosso programa há cinco anos, quando a gente ainda chamava Desafio Brasil, e os dez primeiros colocados do ranking do 100 Open Startups, o que muda fundamentalmente no perfil dos empreendedores é a colaboratividade, o quanto ele está disposto e é capaz de cooperar.

Vocês também elaboram um ranking das 50 grandes empresas mais abertas. O que elas têm em comum?
Nós criamos na plataforma o conceito de Open Corps. Cunhamos esse termo para destacar as grandes empresas mais abertas e preparadas para o relacionamento com o ecossistema de inovação.

Numa primeira fase de open innovation, as grandes empresas deixaram de focar apenas na sua capacidade de gerar inovação a partir de investimentos internos e abriram o processo de inovação na sua função de pesquisa e desenvolvimento.

Atualmente, as Open Corps servem de plataforma de modelo de negócio para startups, colocando à disposição do ecossistema ativos anteriormente impensáveis para uma grande empresa abrir a terceiros

As startups são os Street Fighters de modelos de negócio: têm menos legado, mais flexibilidade e, talvez, mais energia e dedicação para testar novos modelos de negócio. Nós passamos a procurar então quais eram as grandes empresas mais amigáveis às ideias que vêm de fora.

Isso é medido pelo efetivo apoio, contrato ou investimento nos novos entrantes. O ranking é baseado no engajamento, na colaboração, na contratação e no investimento que essas empresas fazem com as startups.

Há sete unicórnios, as empresas avaliadas em 1 bilhão de dólares, no Brasil. Vamos continuar produzindo outros?
Hoje está fácil de perceber isso, até pelos volumes de investimento, pela atração de grandes fundos que começam a olhar para Brasil. A princípio aconteceu um fenômeno de microinvestimentos, pequenos cheques para muita gente. Isso, de certa forma, já amadureceu.

Agora, há o fenômeno dos supercheques, acima de 50 milhões de dólares, chegando a 100 milhões de dólares.

Se fizemos três unicórnios ao ano nos últimos dois anos, a partir dos próximos dois ou três anos vamos passar a produzir de 10 a 15 unicórnios por ano

Na fila dos quase-unicórnios tem, pelo menos, uns 30, 40 candidatos. A gente tem visto esse fenômeno mundialmente. O Brasil está no radar, passando pelo mesmo processo. O resultado vai ser também similar. E isso já não é brincar de ser Mãe Dinah.

Os unicórnios são fenômenos globais. Se temos iFood como o unicórnio brasileiro de entrega delivery, existe Rappi, Deliveroo, Zomato, Justit, Doordash e outros unicórnios similares com origem em outros países. Se tínhamos EasyTaxi e 99, no mundo existia Uber, Lyft, Cabify, Ola, entre outros.

Ou seja, na área em que existe um unicórnio global, existe a clara possibilidade de ter um empreendedor brasileiro criando o unicórnio nacional

O Brasil entrou com atraso na onda dos unicórnios. Quais as consequências disso?
A Argentina produziu alguns unicórnios antes do Brasil, por exemplo. Nós ainda temos poucos unicórnios e pouco investimento em venture capital ou capital empreendedor em geral, investimento-anjo e fundos de seed money para o potencial do mercado.

O cenário está começando a equilibrar agora com a entrada de grandes fundos e uma movimentação de vários setores e das próprias grandes empresas estruturando também áreas de investimento para startup.

O problema do atraso é que ainda não temos unicórnio nosso comprando os players lá fora. É isso que a gente quer começar a ver agora

Acho que mostramos que já temos empreendedores e fundos capazes de começar a pensar nisso. E esse é um dos movimentos que estamos fazendo com o 100 Open Startups: nos posicionando em outros países. Não só para levar a startup, mas também para aumentar a conectividade do nosso ecossistema.

O brasileiro tem um problema de país continental, que é pensar em expansão sempre dentro do país, da língua portuguesa, de um estado para outro, e com isso acaba pensando menos globalmente.

Aqui no Brasil houve um boom de startups em algumas áreas, como serviços financeiros, educação e saúde. São essas ainda as mais promissoras?
Com certeza. Há um espaço enorme para a inovação, não só de base científica, tecnologias disruptivas, mas no que tem sido chamado de transformação digital nas indústrias do país, que têm grandes líderes, foram fundadas décadas atrás – há até a presença de empresas centenárias.

O que é engraçado de ver é que existe um convívio entre as áreas que vão se renovar digitalmente e as que vão ser completamente alteradas, que vão romper com os modelos atuais. Essas que você citou, fintechs, educação e saúde, apesar do enorme legado dos bancos, das escolas e universidades ou dos hospitais, têm um potencial de disrupção da indústria como um todo. O mais quente está por aí mesmo. Tem uma área também que eu colocaria junto que é a industrial.

A indústria está passando por uma revolução, a 4.0. Ela está abrindo espaço para a entrada de startups com tecnologias digitais ou que podem ter um grande impacto

Vai mudar o meio de produção, a forma de produzir, mas não é uma revolução na própria indústria ou no produto daquela indústria. Mas é uma tendência que a gente está vendo extremamente relevante também.

Qual é o erro mais comum que você vê empreendedores cometerem em empresas nascentes?
Os empreendedores amadureceram muito, têm formação, capacitação e melhores referências. Mas acho que o erro do empreendedor brasileiro, que me deixa muito preocupado ainda, é aquela crença de que “a-realidade-aqui-não-é-essa” e, por isso, ele aceita qualquer oferta de investimento.

Ou seja, se lá fora fala-se em bolha, aqui no Brasil ainda vivemos a teoria da escassez

A gente joga para baixo todos os números. Tem startup brasileira que, em uma primeira rodada de investimento, vende 30% ou 40% da empresa. Depois, na segunda, já não tem nem mais o que vender e vende mais 20%. O empreendedor fica minoritário e a empresa simplesmente não consegue continuar seu processo de crescimento se for uma startup de alto potencial, que demanda investimento e capital para atingir o seu potencial

O que vejo é uma diluição muito grande das startups. Isso deixa mais difícil convencer os investidores. E aí eles, as aceleradoras, os anjos e, inclusive, os fundos, põem menos dinheiro e querem morder mais. É nesse ponto que estamos trabalhando agora. Por isso também criamos o 100 Open Angels para tentar ajudar a resolver esse problema.

Como?
Startups acabam sendo vendidas muito antes da hora, não realizam seu potencial e projetos bons acabam morrendo na praia por uma má estruturação financeira. Então quem aplica o venture capital, que são os fundos e os anjos, fala: “Existem os padrões americanos e os nossos padrões”. Se aqui é mais difícil de empreender, eles deveriam botar mais dinheiro, não menos.

A gente tem que parar com essa cultura de que no Brasil é difícil empreender. O cara aplica 500 mil reais para morder 30% da sua empresa. Mas 500 mil reais são 125 mil dólares. Com esse volume ele leva 7% no máximo de uma startup americana

Temos complexo de vira-lata portanto nesse ramo também?
Não gosto de usar esse termo, mas acaba sendo isso. “O Brasil é um mercado menor”. Menor que o quê? Menor que o Silicon Valley? Se você está olhando para o mercado global, você não é menor.

Tem quem pense que, se for o líder aqui, na nossa “pequena realidade”, alguém o adquire. Bom, se você mira o muro, você não vai acertar a estrela. Se começarmos a mirar as estrelas, vamos ter negócios melhores. Temos que sonhar mais alto, temos que usar referências internacionais.

Você imagina isso para um médico? “Olha, eu poderia fazer uma operação usando o método tal, que é bom, mas isso é uma realidade americana. Aqui então eu vou te cortar de qualquer jeito”.

Mas como o 100 Open Angels pretende combater isso?
Muitos anjos se envolvem com startups a partir de algumas estruturas, redes de anjo, grupos de amigos etc. Mas se criam ali alguns silos de modelo e de padrões que não conversam com as melhores práticas.

Queremos que esses grupos coinvistam mais entre si. E pelo processo de coinvestir quero dizer encaixar rodadas maiores, ter mais gente apostando, acreditando, convergindo para aquele grupo de startups.

Usando parte do nosso método, que a gente chama de gestão de ecossistema, é possível, de fato, gerar aquele efeito que chamamos de smart money

Redes de anjo e de investidores passam a colaborar de forma mais estruturada, colocando o seu potencial de contribuição e conexões a dispor da startup – sem malefícios como trazer muita informação, extrair demais do empreendedor ou superlotar ele com uma exposição eventualmente inefetiva, porque isso vai ser moderado pela própria rede.

O empreendedor hoje ainda é muito dependente do investidor ou dos canais e do relacionamento do investidor. Queremos empoderar o empreendedor nesse sentido, em benefício de todo o ecossistema.

E como você reconheceu em si mesmo essa veia empreendedora?
Meu pai prezava muito a educação. Formado no ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], foi trabalhar com desenvolvimento de tecnologia. Trabalhou na Elebra, empresa que instalou todos principais sistemas de radares dos aeroportos brasileiros.

Minha mãe vem de família de empreendedores no setor têxtil. Então de um lado tinha esse viés da tecnologia, do impacto, e do outro o de empreender. Brinco que a Bettina [Rudolph, que virou meme após estrelar uma propaganda de uma consultoria de investimentos dizendo que tem 22 anos e 1 milhão e 42 mil reais de patrimônio acumulado] diz que ganhou do pai ações. Eu ganhei do meu pai um CNPJ.

Meu pai falou: “Você quer empreender? Está aí o teu CNPJ”. E ele quebrou com isso o mito da ideia: não esperei ter uma ideia para empreender. Ganhei uma despesa para pagar mensalmente, então tive que me mexer

A pergunta é: que tipo de empreendedor eu poderia ser? Como poderia usar o que conheço, o que tenho, à disposição de um empreendimento? E daí emergiu a minha trajetória empreendedora.

Qual conquista da 100 Open Startups que mais encheu você de orgulho?
A gente sempre fala de número, fala de investidores, chama atenção para uma grande empresa ou startup de sucesso que participa do programa. Mas minha resposta tem um viés acadêmico.

O que mais me orgulhou de tudo foi um convite da professora Saras Sarasvathy [criadora da teoria effectuation] para apresentar o 100 Open Startups como case da conferência global de effectuation na Universidade da Virgínia há dois anos. Para mostrar que a coisa foi legal mesmo, eles pagaram minha passagem.

O evento era um ambiente extremamente acadêmico, para um grupo superpequeno de cerca de 50 pessoas que lideram os cursos de empreendedorismo nas universidades do mundo todo. Eles consideraram relevante meu trabalho usando effectuation como processo de transformação de ecossistema.

Para mim, isso foi o momento mais alto. Tem outros similares a esse, como quando fui chamado para dar aula apresentando nosso método em um MBA, na Universidade de Pittsburgh.

Uma das premissas da cultura da inovação é não ter medo de errar. Qual o seu erro mais memorável?
Sacanagem essa pergunta [risos]. Dá um pause aí que eu vou ter que pensar [ele para e pensa]. Acho que é ter ouvido pouco a minha avó sobre a sabedoria mesmo de como tratar as situações, as pessoas.

No começo, até pelo perfil muito analítico, racional, científico, você acaba ficando muito frio também. Brinco que, depois que tive conversas com a minha avó após algumas crises, falei: “Pô, eu devia ter falado antes com ela”.

Acho que o maior erro é não ter consultado a minha avó ao longo da minha jornada empreendedora, ter deixado de perguntar certas coisas. Ela foi empreendedora também, mas é mais pela sabedoria de vida mesmo.

 

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