Elas querem ser o “oposto da Shein”: conheça a Stellar, um marketplace de marcas infantis brasileiras para consumidores conscientes

Marcela Marcos - 30 ago 2023
Emily Perry (à esq.) e Renata Reis, as fundadoras da Stellar.
Marcela Marcos - 30 ago 2023
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Uma “curadoria de marcas brasileiras conscientes, reunidas em um só lugar”. Assim se define o marketplace Stellar, criado por duas mulheres que decidiram deixar de lado carreiras sólidas para abraçar o empreendedorismo.

Com MBA pela London Business School, Emily Perry, 40, uma estadunidense nascida em Washington D.C., acumulava 15 anos de experiência com estratégia de novos negócios e tinha liderado as equipes de Growth Marketing em seis mercados europeus para a Deliveroo (unicórnio britânico de entrega de comida), logo antes do seu IPO, em 2020. 

Formada em design digital, com pós em design de embalagem, a paulista Renata Reis, 42, trazia na bagagem uma especialização em experiências imersivas – como pop-ups e lançamentos de produtos – e atuação profissional como criativa, por mais de duas décadas, das agências Bullet, Grey e Tod. 

A ideia de empreender surgiu quando Emily – casada com um brasileiro e vivendo no país na fase mais crítica da pandemia – se deparou com lojas físicas fechadas e a dificuldade em encontrar, online, uma plataforma que reunisse tudo o que ela precisava comprar para as filhas pequenas. 

“Então, Renata e eu começamos a pensar em colocar tudo junto, com uma camada de curadoria e trabalhando conteúdo para que as pessoas entendessem seu valor”

Essa foi a gênese da Stellar. As sócias investiram 600 mil no negócio e se concentraram inicialmente na curadoria e na produção de conteúdo – sobre as marcas parceiras (cerca de 30) e sobre consumo consciente. 

Há poucas semanas, o marketplace entrou em sua fase comercial, de vendas. No site, os clientes encontram marcas infantis de artigos diversos, como calçados, roupas (sem gênero), brinquedos, livros e móveis. O ponto em comum é o compromisso socioambiental. 

Prestes a lançar uma rodada de captação com investidores-anjo, Emily conversou com o Draft sobre a experiência de empreender, as peculiaridades do mercado brasileiro e como a sustentabilidade influencia os negócios:

 

Qual foi o ponto de virada na carreira de cada uma para que resolvesse empreender?
Sempre trabalhei na área de comunicação. Ainda no exterior, eu trabalhava em um time de consultoria interna, tocando marketing para um unicórnio – uma startup que, depois, foi para a Bolsa. 

Então, tinha aquela energia, sensação de que podia tudo, o que foi muito transformador. Por outro lado, [a experiência] despertou em mim o interesse em empreender. 

Pouco depois, apareceu a oportunidade de meu marido e eu voltarmos ao Brasil, por causa do trabalho dele. 

Chegamos no meio da pandemia, no final de 2020, com duas filhas pequenas e eu não estava encontrando as coisas que precisava comprar para elas. Estava acostumada a ter acesso a produtos incríveis, com os valores em que acredito, com transparência, cuidado com o planeta – e, enfim, tinha dificuldade de encontrar por aqui

Um belo dia, comentei dessa dificuldade com a Renata, que é uma amiga de longa data da família, além de ser designer – e, também, mãe –, com um olhar muito apurado para tudo. 

Ela foi me apresentando marcas conforme o que eu buscava, mas estavam espalhadas: em algumas, a compra precisava ser por Instagram; em outras, pelo Whatsapp. Nem todas tinham site. 

Então, Renata e eu começamos a pensar em colocar todas essas marcas juntas, com uma camada de curadoria e trabalhando conteúdo para que as pessoas entendessem seu valor. A ideia de marketplace foi engatinhando.

E, então, vocês duas viraram sócias?
No início, a Renata era minha parceira de bate-papo, mas eu pedia a opinião dela para tudo, confiava muito no critério dela. 

Quando eu estava pensando em criar algo mais orientado ao rumo infantil, eu pensava nela como parceira. Fizemos o que eu chamo de “namoro de founders” durante seis meses e colaboramos uma com a outra de maneira muito orgânica 

Ela estava em um momento de transição de carreira e quis se juntar. Depois desse período de teste, topou entrar como sócia financeira e passamos a tocar o projeto juntas, em um casamento profissional.

A Stellar tem um propósito ligado a hábitos responsáveis de consumo. Como era a relação de vocês com suas próprias escolhas, enquanto consumidoras?
Sei que o mundo não é perfeito, assim como os produtos. Então, a gente faz a melhor escolha possível no momento. 

Mas, cada vez mais, tento alinhar as minhas escolhas aos meus valores para contribuir com as mudanças que quero ver no mundo, principalmente como mãe. Faço questão que hábitos como reciclagem e reuso de água estejam na vida delas.

Então, no meu caso, quanto mais fui me conscientizando sobre o impacto das minhas escolhas, menos conseguia fazer determinadas compras, como na Shein, cujo modelo de negócios é totalmente contrário àquilo em que acredito. Eu vejo o consumo como um pequeno primeiro passo que pode ter uma repercussão enorme 

Eu ouvi histórias de todas as nossas marcas que, literalmente, mudam vidas, porque criam empregos dignos, ressuscitam setores nas cidades delas. Afinal, não são só peças, né? Tem toda uma cadeia por trás.

Como foi a abordagem inicial até incluir as marcas no portfólio? Como se dá a curadoria? E pode destacar algumas marcas presentes na Stellar?
Nosso processo ainda é muito orgânico. A gente começou com a ideia de lançar conteúdo antes de vendas, que foi uma decisão estratégica, baseada em nossas experiências profissionais, a partir de referências de outras plataformas. 

Nosso foco não é apenas comercial, mas conteudista, com produtos de valor agregado. Então, eventualmente, uma pessoa não consegue comprar um vestido de 400 reais [na Stellar], mas pode entrar no site para ler uma matéria, gerar essa sensação de comunidade 

As marcas que estão com a gente toparam o conceito desde o início, entrando no espírito da parceria. Temos um portfólio com mais de 50 marcas parceiras na Stellar, e essa lista continua a crescer a cada mês.

Para integrar nossa parceria, insistimos em entrevistar os fundadores das marcas e conhecer a história por trás delas, bem como seus diferenciais, além de ter um contato pessoal com seus produtos.

Todas as nossas marcas são com muito orgulho brasileiras, oferecendo produtos de design diferenciado e incorporando a ética responsável em toda a sua cadeia de produção, que é cuidadosamente projetada para promover o bem-estar do meio ambiente e das pessoas

Muitas delas têm laços específicos com ONGs. Por exemplo, a Sana Green [que já apareceu aqui no Draft] contribui para a saúde bucal de comunidades na Amazônia; a Bembê Atelier produz seus adoráveis bichinhos de pano em parceria com costureiras do Projeto Arrastão; e a Mica & Oli cria belas bonecas de pano a partir do upcycling de tecidos de coleções passadas da indústria de moda brasileira.

Como vocês atestam as responsabilidades sociais e ambientais das marcas que apoiam? Já precisaram retirar alguma da plataforma, por terem descoberto algo que contrariava os princípios da Stellar?
A gente não teve que retirar uma marca da plataforma por causa disso, mas já recusamos, por exemplo, alguns produtos específicos. 

Bonecas de pano da Mica & Oli, à venda no site da Stellar.

Fazemos uma curadoria sobre cada peça que entra na plataforma, solicitamos mostruários, testamos em nossos filhos e quero acreditar que este tipo de risco seja razoavelmente pequeno. 

A relação é construída com base em confiança. Além disso, cada marca parceira assina um termo em que reconhece que o nosso foco é cuidar do ambiental e do social. 

Temos o direito de retirar, a qualquer momento, quem não atue de acordo com estes princípios.

O fato de trabalhar para “facilitar a vida das mães”, como costumam dizer em relação a Stellar, acaba dificultando, no dia a dia de empreender, a própria maternidade de vocês?
A gente abriu mão de uma certa segurança, de um benefício financeiro confiável. 

Por outro lado, somos donas do nosso tempo, algo que, para as mães, é valioso. Em outros trabalhos, era comum a sensação de abdicar – por algo em que não acreditávamos – do tempo em que poderíamos estar com nossos filhos

É claro que, hoje, tem a parte administrativa, a demanda alta, mas há um equilíbrio que faz total sentido.

Como é a equipe da Stellar? Há outras mães na equipe, ajudando a pensar um negócio que tem a maternidade no centro? Este é um critério para se juntar ao time?
Mais da metade das marcas que estão conosco nasceram por alguma história relacionada a gravidez. Já com relação ao quadro de colaboradores, somos duas sócias-fundadoras, mais um homem que tem a cabeça boa e nos apoia em tudo. Então, não é um requisito ser mãe.  

O que importa é ter diversidade. Tem uma poeta negra, cantora, mãe maravilhosa, que escreve para a gente… Mas a maternidade não é uma coisa só. Queremos mostrar a maternidade brasileira com mais nuance. 

Desde a concepção do negócio, até o momento atual, considerando a base de clientes na plataforma e quantidade de marcas parceiras, quais foram os erros que serviram de aprendizado?
Aprendemos que é preciso “pecar pelo excesso” de comunicação com as marcas parceiras. No corre-corre do dia a dia, com tanta coisa rolando, às vezes não dava tempo de se comunicar, mas criamos um grupo para que todas recebam a mesma mensagem, na mesma hora, da mesma forma. 

Ter feito um encontro presencial com as marcas também foi algo super positivo, porque de lá saíram várias collabs e ideias. Teremos uma segunda edição em setembro e será fundamental para o acolhimento, a troca 

Porque, muitas vezes, são empreendedoras sozinhas, tentando, fazendo um trabalho maravilhoso de resolver um milhão de coisas, mas que precisam de apoio para crescer.

De que maneira seu olhar sobre o mercado estrangeiro contribui para formatar um marketplace voltado ao brasileiro? Que diferenças e semelhanças puderam notar entre ambos, na prática?
De fato, o conceito para Stellar veio de referências de fora, como a goop, da Gwyneth Paltrow; o Smallable, que é uma marketplace da França etc. 

Eu já sabia da facilidade de ter tudo em um único site e com conteúdo. E, sendo casada com brasileiro há mais de dez anos, também sabia que faltava oferecer esta facilidade por aqui. Mas, claramente, precisamos adaptar a proposta ao mercado brasileiro, que é mais social. 

Muitas vendas acontecem por meio de indicações ou grupos de WhatsApp. Acho que o Brasil está um passo à frente em termos de comércio, mas precisamos incorporar este comportamento mais social ao nosso modelo 

É um desafio, mas com muitas possibilidades. Temos alguns projetos com inteligência artificial para customizar nossos canais digitais, inclusive de venda.

Quais são os planos para o futuro próximo? E há a intenção de internacionalizar a Stellar, incluindo marcas estrangeiras e entregando produtos no exterior?
Por enquanto, não, a menos que sejam marcas da América do Sul. Porque um dos nossos princípios é mostrar que há produtos daqui, que podem se dar bem em qualquer lugar do mundo, mas são pouco divulgados. 

As marcas europeias e norte-americanas já têm mais visibilidade e, ao trazer um produto de fora, o custo seria muito mais elevado. Gosto daquilo que está perto de casa, com repercussão mais concreta na cadeia de produção local

A médio e longo prazo, quero estabelecer a Stellar como cuidadosa, que faz bem para o mundo da criança e da família. E, neste ano, [o plano é] engatinhar para isso, além de explorar mais parcerias e aprimorar as experiências para os consumidores.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Stellar
  • O que faz: Marketplace de marcas brasileiras de roupas, brinquedos, móveis, decoração e acessórios
  • Sócio(s): Emily Campbell Perry e Renata Reis Goes
  • Funcionários: 10
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2022
  • Investimento inicial: R$ 600 mil
  • Contato: [email protected]
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