Sucesso também é nicho. A Casa do Roadie vende equipamentos técnicos para casas de show. E dá show

Filipe Callil - 17 nov 2016Rafael Erdel, da Casa do Roadie: não precisa ser louco para ser roadie?
Rafael Erdel, da Casa do Roadie: não precisa ser louco para ser roadie?
Filipe Callil - 17 nov 2016
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Primeiramente, vale a explicar. A expressão “roadie” vem do inglês e é uma derivação de “road” (estrada). Ela começou a ser utilizada, há mais de meio século, para apelidar os assistentes operacionais que viajavam com os artistas em suas turnês. O apelido pegou. E virou profissão.

Hoje há centenas de milhares deles pelo mundo, atuando nas mais diversas vertentes do show business. De peritos em afinação de instrumentos musicais a babás de rockstars depressivos (nem tudo é perfeito), alguns desempenharam papéis tão importantes durante a carreira, que se tornaram praticamente integrantes das bandas em que trabalharam – é o caso de Neil Aspinall, o primeiro roadie dos Beatles. Outros, como será o caso aqui, descobriram uma forma de amplificar o conceito da profissão para oportunidades que vão muito além das estradas.

Rafael Erdei, 32, passou mais da metade da vida ao redor dos palcos. Uma relação que nasceu quase sem querer, ainda na adolescência, mas que evoluiu e se transformou no seu negócio: a Casa do Roadie, um e-commerce que oferece os mais variados produtos e serviços para os profissionais da área.

Filho da dona de casa Selma e do serralheiro Luiz, o CEO da plataforma nasceu e cresceu na cidade de Osasco, na Grande São Paulo. Aos 12 anos de idade, já era o assistente número um de seu pai, com quem fabricava diversos tipos de móveis. Experiência pela qual, algum tempo depois, seu irmão caçula também passou. “Meu pai foi o melhor professor que eu e meu irmão tivemos na vida. Graça a ele, desenvolvemos a habilidade necessária para por a mão na massa e resolver, praticamente, qualquer tipo de problema”, conta Rafael.

As credenciais usadas por Rafael a trabalho: toneladas de decibéis consumidos bem perto dos palcos.

As credenciais usadas por Rafael a trabalho: toneladas de decibéis consumidos bem perto dos palcos.

Ainda nessa época, começou a surgir outra paixão: a música. “Com 13 anos de idade, ganhei uma guitarra do meu pai, uma espécie de recompensa pela ajuda que eu lhe dava”, diz. Não poderia haver pagamento melhor. Seis meses depois, o inexperiente guitarrista já integrava uma banda cover de Iron Maiden que se apresentava nas escolas da região.

No ensino médio, o roqueiro cursou escola técnica e passou a fazer estágio, ganhando 600 reais por mês, numa loja de materiais elétricos na Santa Efigênia, no Centro de São Paulo. Porém, as horas desprendidas entre o trabalho e os ensaios da banda fizeram com que Rafael repetisse o terceiro ano do ensino médio. E devido, justamente, ao excesso de faltas em uma disciplina voltada para a área de negócios. Ele conta:

“Talvez, a maior ironia da minha vida tenha sido repetir de ano na escola, justamente, em uma matéria de empreendedorismo”

A vida adulta já chamava, e ele pulou fora da escola. Decidido a seguir em frente, aproveitou a expertise profissional adquirida e as economias guardadas para, aos 17 anos, abrir um estúdio de locação para ensaio de bandas. “Montei tudo sozinho. Aluguei uma casa perto de onde morava e fiz toda a reforma do espaço com a ajuda do meu pai”, conta.

A fim de aprimorar mais os conhecimentos técnicos e administrativos, ele se dispunha a trabalhar de graça em algumas produtoras de áudio da região — para depois reaplicar os aprendizados em seu próprio negócio. Rapidamente, dezenas de clientes utilizavam o espaço e a agenda vivia lotada. Para faturar mais, ele só via uma saída: investir em novos projetos. “Eu tinha chegado ao meu limite de receita. Decidi, então, criar pequenos festivais em bares da cidade onde as próprias bandas do estúdio pudessem se apresentar. Virei uma espécie de produtor, empresário e roadie delas.” Essa jornada levou dois anos e meio, até que a operação na rua tornou-se tão intensa que já não sobrava mais tempo para Rafael se dedicar ao próprio estúdio. Então, decidiu vendê-lo.

DEPOIS DO SUCESSO, A FALÊNCIA

Ele havia se tornado um rosto conhecido no circuito underground da música. As produções do shows já não eram mais com as bandas do bairro, e sim com artistas cada vez maiores e dos mais variados países. Com a ajuda de um amigo, Rafael chegou a contatar Chris Shiflett, guitarrista do Foo Fighters, para fazer uma turnê no Brasil com sua banda paralela, a Jackson United.

O projeto foi um fiasco completo. A companhia aérea que traria o grupo de Los Angeles para São Paulo declarou falência justamente na semana da viagem e o voo foi cancelado. Rafael tomou um prejuízo de mais de 50 mil reais.

“Como os shows estavam confirmados, tive que recomprar todas as passagens com outra empresa e pagar do meu próprio bolso”, conta. Para piorar, os ingressos dos quatros shows da tour – São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Florianópolis – venderam apenas 20% da capacidade máxima. Sem dinheiro e assustado, o empreendedor chegou a desistir de tudo:

“Fiquei muito desanimado, quase entrei em depressão. Sem perspectiva de futuro, larguei a música e voltei a trabalhar como ajudante de serralheiro do meu pai”

O retorno para o show business aconteceria aos poucos. Rafael aceitava um frila aqui outro ali, escaldado, atendo para não cair em outra roubada. Depois de alguns trabalhos temporários, conseguiu juntar um bom dinheiro e ir atrás de um sonho de infância: morar nos Estados Unidos. Mais especificamente em San Diego, Califórnia.

Mesmo sem a fluência do inglês, conseguiu um emprego de entregador de pizza. Três meses depois, já estava trabalhando com o que sabe fazer de melhor: trabalhar com música. “Um dia, soube que a banda Brothers of Brazil (formada pelos irmãos Supla e João Suplicy) estava com uns 60 shows agendados nos Estados Unidos. Acionei quase todos os amigos que tinha no Brasil para conseguir chegar neles”, conta. Deu certo.

DAS IDAS E VINDAS AO EXTERIOR, PERCEBEU UM NICHO DE MERCADO

Rafael trabalhou como roadie em toda a turnê e acabou retornando ao Brasil ao lado dos irmãos Suplicy para produzir e agenciar permanentemente a carreira deles. As constantes viagens para o exterior – na época, a dupla estava gravando um disco em Nashville, Tennessee – eram carregadas de encomendas dos colegas de profissão.

“Me pediam para trazer equipamentos e acessórios difíceis de encontrar no Brasil. Eu não cobrava nada, mas comecei a pensar o quanto  poderia faturar com isso”

Ao poucos, o que começou como um mero favor se transformou na loja virtual Casa do Roadie. Showtime! A plataforma nasceu como um e-commerce para técnicos de palco repleta de itens especializados como, por exemplo, ferramentas multifuncionais, protetores auriculares e lanternas profissionais.

Além de vender equipamentos importados para teatros e arenas de show, a Casa do Roadie investe numa linha própria, como as fitas acima.

Além dos equipamentos importados, a Casa do Roadie agora também vende artigos de uma linha própria,.

Atualmente, a Casa do Roadie comercializa mais de 500 produtos e já tem, inclusive, alguns da própria marca Casa do Roadie: caso dos cases de equipamentos e de uma recém-lançada coleção de fitas adesivas com preços muitos mais acessíveis do que outras concorrentes importadas (que eles também vendem).

“Para quem não vive nesse universo, podem parecer produtos banais. Mas, antigamente, algumas empresas do setor chegavam a gastar mais de 30 mil reais por mês somente em fitas adesivas. Com a nossa linha, elas economizam 40%”, afirma.

Entre os grandes clientes da empresa destacam-se as emissoras de televisão e as principais produtoras de entretenimento e shows do Brasil. Mas, qualquer pessoa pode entrar no site e fazer uma compra de varejo. “As vendas em atacado são o que mantém o nosso financeiro saudável. Mas, nós queremos atender toda a cadeia produtiva”, conta Rafael.

Além de um sócio operacional, o mercadólogo Alexandre Ribeiro, a empresa de Rafael possui mais 10 funcionários que se dividem entre comercial, desenvolvimento da plataforma, logística e controle de estoque. A previsão de receita para este ano é superar 1,5 milhão de reais. Em 2017, Rafael espera faturar algo próximo de 4 milhões de reais. Também planeja investir boa parte dos recursos em uma nova plataforma de cursos EAD (ensino à distância) para profissionais da área.

“Estamos conseguindo manter um crescimento de mais de 15% ao mês. E com esses resultados pretendemos investir cada vez mais em produtos licenciados da marca própria e estender nossa atuação para outros tipos de serviços”, ele conta.

Mesmo com o sucesso da empresa, ele continua trabalhando em shows. Atualmente, responde pela direção técnica do artista Tiago Abravanel. “É importante me manter ativo para acompanhar todas as movimentações e novidades do mercado. Afinal, o meu grande objetivo é elevar a excelência do show business criando produtos, conteúdos e serviços qualificados”, diz. Apesar da ambição, Rafael mantém os pés no chão. Sabe que ainda tem muita estrada para percorrer. Ainda bem.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Casa do Roadie
  • O que faz: e-commerce de acessórios para profissionais de shows e eventos
  • Sócio(s): Rafael Erdei
  • Funcionários: 10
  • Sede: Osasco (SP)
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: R$ 45.000
  • Faturamento: R$ 524.000 (em 2015)
  • Contato: rafael@casadoroadie.com.br
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