Comendador Levy Gasparian é um município fluminense de apenas 8 500 habitantes, a 140 quilômetros da capital do estado e quase na divisa com Minas Gerais.
Essa cidade remota, longe dos grandes centros, é a sede da Telite. A startup recolhe resíduos de pessoas e empresas para transformar em telhas feitas com plástico reciclado.
O aplicativo da Telite permite que pessoas e empresas agendem a entrega de seus materiais recicláveis, que geram pontos depois convertidos em dinheiro. Feita a triagem, o plástico é moído, prensado e usado na fabricação das telhas.
Hoje, esse produto é vendido (por um preço médio de 70 reais) em grandes varejistas e marketplace, como Leroy Merlin, Magalu, Americanas e Extra.
A ALTA DO DÓLAR LEVOU O FUNDADOR A PIVOTAR O SEU NEGÓCIO ORIGINAL
A Telite surgiu há dez anos, em 2011, e na origem com uma proposta bem diferente. A empresa fabricava banheiros químicos e telhas de fibra de vidro vendidas na época pelo Mercado Livre.
Leonardo Retto, fundador da Telite, explica que a ideia de pivotar o negócio surgiu em 2015. Naquele ano, o governo de Dilma Roussef ia sendo engolido pelo caos político e econômico que levaria ao impeachment em 2016.
O custo da matéria-prima estava nas alturas. Além disso, a atividade era prejudicial à natureza. Dessa soma de fatores veio a decisão de mudar o foco da fibra de vidro para o plástico reciclado.
“Eu usava sete matérias-primas altamente impactantes no meio ambiente e houve uma decolagem do preço [dos insumos] por causa do dólar… Tive que reduzir drasticamente a produção — e, para seguir em frente, decidi mudar para o plástico e trabalhar com reciclagem”
A Telite tinha então Leonardo como CEO e mais sete investidores-anjo, que haviam aportado 350 mil reais no negócio em 2013.
Com a mudança para o plástico reciclado, vieram novos investidores — e um aporte de valor não revelado. A projeção, em 2021, é faturar 12 milhões de reais.
No início do trabalho da Telite com reciclagem, a matéria-prima vinha de empresas intermediárias.
Leonardo conta que queria fechar o ciclo dentro da fábrica e alcançar uma sustentabilidade “mais consistente”. Assim, percebeu que poderia dominar internamente todo o processo — incluindo a coleta do plástico.
Esse insight motivou o desenvolvimento do aplicativo, lançado no início de 2021. Ao acessar o app, o usuário cadastra o resíduo que tem para entregar e agenda a coleta. Na fábrica da Telite é feita a triagem, pesagem e validação dos pontos.
Cada quilo corresponde a 100 pontos. Com 20 mil pontos ou mais, o usuário já solicitar o saque. A grana cai na conta da pessoa via PIX.
O preço pago pela Telite varia. O quilo do plástico de alta densidade — por exemplo, frascos de xampu e sabonete líquido — vale R$ 0,50. Pelo plástico de menor densidade, como sacolas de supermercado, a Telite paga R$ 0,20 o quilo.
Cada lote de plástico recebido ganha um QR Code, colocado também na telha feita com aquele material.
Assim, é possível acompanhar o resíduo dentro da fábrica até a transformação no produto final — e rastrear para quem essa telha foi vendida.
Os outros materiais — como vidro e alumínio — são revendidos para empresas que os utilizam como matéria-prima. Leonardo explica:
“Não consigo fazer com que uma pessoa ou empresa me mande só o plástico. Ou ela manda tudo ou não manda nada… Assim, criei um novo business de resíduos e coloco esse material na cadeia de economia circular das empresas”
O vidro, por exemplo, rende R$ 0,05 o quilo na coleta e é destinado a cervejarias.
Em poucos meses desde o lançamento, diz Leonardo, o aplicativo já reúne 18 mil pessoas e 87 empresas cadastradas.
Para as empresas, que são grandes geradoras de resíduos, a Telite desenvolveu um sistema de gestão em blockchain.
Segundo Leonardo, a plataforma emite um termo de descarte ambiental, faz os cálculos para gerar créditos de Logística Reversa e emite certificados que comprovam o destino dos resíduos (e podem ser usados, por exemplo, em auditorias).
“Oferecemos esse pacote sem custo para as empresas, que preferem receber um valor menor pelo resíduo do que se vendessem para um intermediário — mas ter toda essa gestão que nossa plataforma oferece”
Além disso, a Telite também recebe resíduos de empresas que negociam diretamente com ela sem passar pelo aplicativo (os preços praticados são os mesmos, diz o CEO).
Atualmente, a Telite usa 300 toneladas de plástico para fabricar, todo mês, 15 mil telhas por mês. Para expandir essa capacidade de produção, a empresa vai ter que escalar a sua coleta, que hoje está em cerca de 500 toneladas mensais — considerando todos os materiais.
Aprovado no BNDES Garagem, Leonardo acredita que as mentorias e o contato com empresas e investidores através do programa de aceleração vão ajudar a concretizar essas novas formas de coleta.
“Em dois meses de operação, o aplicativo já tinha 6 800 pessoas cadastradas. Isso virou um problema porque tem gente de todo lugar… Com a ajuda da aceleração do BNDES, estamos tentando furar esse bloqueio”
Hoje, a coleta própria da Telite só está disponível em municípios do estado do Rio de Janeiro e algumas cidades de Minas Gerais — como Juiz de Fora, Simão Pereira e Matias Barbosa.
Para ampliar esse raio, ele está pesquisando novas formas de acessar o consumidor em outros lugares do Brasil.
Entre as alternativas estão a criação de parcerias com redes de varejo (cujas lojas serviriam como pontos de coleta) ou mesmo o uso dos Correios para o envio e recebimento dos materiais.
A Telite também está de olho no grafeno (uma forma cristalina de carbono caracterizada por resistência, leveza, flexibilidade e condutividade elétrica).
A empresa desenvolveu uma pastilha de grafeno que, acoplada à telha, gera energia elétrica. Esse produto está em fase de certificação; a perspectiva é que chegue ao mercado no início de 2022, com preço em torno de 305 reais por telha e capacidade de geração de 200 a 350 kWh/mês.
Agora, o foco é validar um segundo produto: uma telha que leva grafeno na composição, junto ao plástico, e que também pode gerar energia, funcionando como um painel solar.
Ao aliar reciclagem e energia renovável, as telhas de plástico com grafeno trarão um salto em termos de sustentabilidade, diz Leonardo, que já vislumbra outras possibilidades:
“Existem pesquisas que apontam que o grafeno é 100 vezes mais condutor de dados do que a fibra óptica. Já estou imaginando levar internet acoplada na telha através de um chip!”
Enquanto esses desdobramentos futuros seguem num horizonte distante, o empreendedor fala sobre negociações em andamento:
“Fizemos um contrato de pré-venda com um grupo português no valor de 36 milhões para 2022”, diz. “Esse mesmo grupo deve investir 2 milhões de euros em 2023 para montar uma planta em Portugal, usando a nossa tecnologia.”
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