Já dei muitas entrevistas sobre a minha trajetória, mas desta vez quero dar destaque para o projeto mais valioso da minha vida: a educação ambiental para crianças.
Entendo que a Terra é a nossa Mãe e precisa ser respeitada; que precisamos dar um destino correto para o lixo e mudar nossos hábitos para que nossos filhos e netos tenham um futuro melhor. E quero que esse seja meu legado.
Há alguns anos, criei a ATrapo Brasil, com um amigo biólogo. A marca nasceu primeiro como um projeto e depois se transformou em um negócio de impacto social.
Como sempre trabalhei com confecção e com atendimento social, me incomodava o desperdício de tecido pela indústria e a poluição
Toneladas e toneladas de material vão para os lixões, enquanto, por outro lado, temos muitas crianças sem ter como levar seu material para a escola — e sem ideia do que é lixo e do que não é.
Mochilas da ATrapo doadas a crianças de colégios da rede pública.
A ATrapo Brasil nasceu com essa ideia de transformar as sobras de tecido em mochilas, pochetes e bolsas (os produtos podem ser comprados aqui).
Parte da criação é vendida para bancar nosso atendimento à população de rua do centro da cidade de São Paulo, feita por meio da nossa OSCIP, o Clube das Mães do Brasil.
E parte das mochilas é doada para crianças de escolas da rede pública parceiras.
A contrapartida é que cedam espaço para que a entidade possa apresentar uma aula sobre educação ambiental, para crianças e pais, visando mobilizá-los para a questão do descarte correto de resíduos, o impacto do seu consumo sobre o meio ambiente e a possibilidade de reutilizar materiais (a exemplo das mochilas que estão recebendo).
Mas vamos voltar um pouco no tempo. Meu nome é Maria Eulina, e nasci no Maranhão, de onde saí, já como normalista, quando estava com 19 anos..
Vim para São Paulo buscando uma vida melhor, e foi aqui que aprendi o mau e o bom da vida. Depois de um tempo na casa de uns parentes, fui colocada de mala e cuia fora de casa.
Passei, então, a morar em um pensionato, pagando o aluguel com a venda das poucas joias que ainda tinha. Até a hora em que tudo acabou, e fui viver e aprender nas ruas da cidade
Por um ano e sete meses, tive o aprendizado da fome, da insegurança, da dor e do frio. Muitas vezes, dormia na calçada em frente ao Castelinho da Rua Apa. Eu observava aquele local abandonado e mentalizava que um dia ele seria meu…
Entre sonhos, também havia muito preconceito da sociedade. Sim, porque julga-se muito as pessoas em situação de rua, gente que não tem bens, como um teto para se abrigar, cama, mesa, banheiro… enfim, são despossuídos. Mas também são cidadãos, com direitos.
A sociedade, nessa sanha de um ter que se achar melhor que o outro, esquece que aquela pessoa é o nosso próximo, e que somos todos irmãos.
O ser humano precisa aprender a estender a mão ao invés de apontar o dedo.
Eu tive a mão amiga que me ajudou a sair das ruas: a Vânia, uma mulher que me levou para trabalhar na casa dela.
Depois, me levou para uma indústria de laticínios, onde ela trabalhava e onde conheci meu marido, Alexandre Maximilian Hilsenbeck, com quem vivi até 2001, quando ele faleceu.
Dessa experiência de quase dois anos nas ruas, levei comigo o aprendizado e a missão de ajudar essas pessoas tão vulneráveis
Os modelos das mochilas da ATrapo são únicos.
Então, comecei a me voluntariar em projetos das áreas mais carentes de São Paulo, como na Favela do Jaguaré, na Zona Oeste da capital paulista.
Até que, em 1993, fundei a oficina profissionalizante Clube Mães do Brasil, uma organização não governamental para cuidar de pessoas em situação de rua que queiram a oportunidade de se erguer novamente.
Sempre acreditei e defendo que é a educação que reconstrói vidas e dá dignidade.
Por isso, temos um atendimento emergencial, com ações de higienização, corte de cabelo, triagem e acompanhamento da equipe da saúde, alimentação, atendimento jurídico e outros serviços voluntários.
E também promovemos oficinas profissionalizantes para que quem deseja aprender costura tenha autonomia para abrir suas próprias oficinas, buscar uma colocação ou desenvolver seus produtos.
A oficina usa restos de tecidos e outros materiais que recebemos de doações de empresas e lojas para transformar em produtos.
Então, tivemos a ideia de ensinar pessoas em vulnerabilidade social a fazer sacolas, mochilas, bolsas, vestidos, calças etc. com esses recicláveis.
A nossa produção, além de gerar renda, serve para transformar aquilo que alguns acreditam ser inútil em algo totalmente novo.
Todo esse trabalho é hoje realizado no Castelinho da rua Apa. Pois bem, lembra que eu sonhava em ser dona dele? Hoje, ele não é meu, mas do projeto, que obteve a concessão para o uso do espaço em 1996
Usamos o lugar para abrigar a ONG, a marca ATrapo — e todos os nossos sonhos de transformar vidas.
Queremos estender essa ideia de levar a educação ambiental para as crianças e seus pais – além da doação de mochilas.
A ideia é transformá-la, se possível, numa política pública, que diminuiria ao mesmo tempo o impacto ambiental dos resíduos têxteis e o desemprego (demandando novas costureiras em mais oficinas pelo Brasil)
A proposta também atenderia mais estudantes com o fornecimento de mochilas e levaria essa consciência de que tudo que produzimos como “lixo” merece um novo olhar: o da reutilização.
Aproveito para convidar todos que estão lendo esse artigo a conhecerem o nosso projeto e verem a partir de hoje o Castelinho da Rua Apa como uma casa aberta à sociedade.
E, se quiserem, venham visitar nosso evento cultural sustentável que acontece de hoje (25/11) até domingo (27/11), com entrada gratuita.
Maria Eulina Hilsenbeck é fundadora do Clube de Mães do Brasil e da ATrapo Brasil. Conheceu a problemática das pessoas que vivem nas ruas, de onde tirou seus aprendizados.
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