Um grupo de conselheiros que cabe no bolso das pequenas e médias empresas: a sacada do CMJ, startup de board-as-a-service

Bruno Leuzinger - 2 abr 2024
Gustavo Succi, fundador do CMJ (Conselho Mudando o Jogo).
Bruno Leuzinger - 2 abr 2024
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Gustavo Succi, 49, e seus seis irmãos cresceram ouvindo um ótimo conselho do pai: Nunca se mate por um dinheiro que você não precisa.

Hoje, Gustavo ganha a vida dando conselhos a quem precisa. Ao lado de Luciano Garcia, ele é o cofundador do CMJ (Conselho Mudando o Jogo). 

Ferramenta-chave para a estratégia de corporações, os conselhos de administração em geral não cabem no bolso de uma PME (no modelo tradicional, um bom conselheiro pode custar 20 mil reais por mês ou mais, segundo Gustavo). 

O CMJ, como diz sua sigla, quer “mudar o jogo”, viabilizando que pequenas e médias empresas tenham acesso a um conselho compartilhado. “Você fecha o contrato com a gente e em uma semana está com o conselho rodando.”

A uberização do conselho: Empreender é uma tarefa pedregosa e solitária. Mesmo ao lado de sócios, Gustavo viveu essas dificuldades enquanto empreendia a Disoft, uma empresa de software, ao longo da primeira década do século 21.

Depois de outra experiência, na área de alimentação, ele decidiu criar uma solução para tornar a vida do empresário menos sofrida. Para isso, apostou no conceito da economia compartilhada, montando turmas de conselheiros que se dividem entre diversas empresas.

“É mais importante você ter acesso a um bem ou um serviço do que possuir ele. Isso serve para o conselho também. As pessoas não precisam ‘ter o conselho’. Elas precisam do conselho

Gustavo começou a esboçar o CMJ em 2014. Três anos depois, estava rodando a primeira turma de conselheiros – e tirando o negócio do papel.

Como funciona o board-as-a-service? As turmas de conselho do CMJ reúnem representantes de duas a seis empresas de setores diversos, além de um presidente e um vice-presidente, que são conselheiros profissionais.

“Você entra e imediatamente esses caras entram com você para alinhar os seus desafios, entender o que você tem que fazer, pedir as informações, te ajudar a selecionar o tipo de informação que você leva para o conselho…”

Afinal, segundo Gustavo, tem duas coisas que fazem bom conselho. “Qualidade de informação – porque o conselheiro não está na operação, então ele só vai saber do seu negócio se você falar para ele – e a qualidade da pergunta que você faz.”

A experiência e o network dos conselheiros são benefícios que vêm junto com o pacote. Além disso, e ao contrário de uma mentoria, afirma o empreendedor, um conselho tem uma certa “cadência” e rituais próprios. 

O CMJ provê uma reunião de conselho bimestral, acompanhamento individual a cada 15 dias e reuniões extras, quando preciso (“conselheiro não tem taxímetro ligado, não”).

Essas reuniões bimestrais são off-site, com pernoite; em São Paulo, ocorrem na Quinta dy Engenho, em São Roque, a uns 55 quilômetros da Avenida Faria Lima.

“A gente abre a reunião com uma meditação. Criamos um ambiente de acolhimento para que o empresário resolva a solidão dele. E claro, olhamos a DRE, o planejamento estratégico… Acompanhamos tudo”

O CMJ já atendeu mais de 100 empresas; entre os clientes ativos estão a química Neon, Uniflores e Grupo Triex (de açúcar e etanol). O fee mensal varia de 15 mil e 25 mil reais.

Formação de conselheiros: Com curso de conselheiro pela Fundação Dom Cabral, Gustavo recrutava profissionais do mercado para compor os conselhos compartilhados do CMJ.

Até que percebeu dois problemas.

Eu sentia falta de conselheiros com uma visão mais holística – e menos cartesiana – da vida e dos negócios. E era difícil achar conselheiros com experiência

Repetia-se naquele contexto o “problema do primeiro emprego”: novos entrantes no mercado precisam ganhar experiência, mas esbarram na exigência de bagagem no currículo. 

Além disso, ele via uma “panelinha” improdutiva no meio (“tem muito curso de conselheiro onde as pessoas se formam, mas nunca atuaram como conselheiro”).

Assim, em 2022, o CMJ lançou seu próprio curso.

“Criamos uma formação que hoje é a única no Brasil que tem aula prática em conselho real”

A carga horária é de 112 horas; as aulas teóricas (60% da grade) são online; as práticas, presenciais.

Interessados precisam desembolsar 75 mil reais e preencher um pré-requisito: ter cinco anos de experiência ou como empresário, ou como C-level de uma empresa.

O CEO entrou na empresa como cliente: Por falar em C-level… Em 2017, Wander Campos chegou ao CMJ como cliente da primeira turma de conselho. Queria vender a empresa da família – a Famap, de nutrição enteral e parenteral – por 100 milhões de reais.

“Legal. Só que não vale”, respondeu Gustavo à época.

E como faz? Ao longo dos anos seguintes, com o apoio do conselho compartilhado, Wander e Gustavo foram deixando o negócio nos eixos. Até que, em 2022, a Famap foi adquirida pela Viveo. Por um valor, segundo Gustavo, acima dos 100 milhões.

“Essa é a principal promessa do CMJ: eu deixo a empresa pronta para ser vendida. Se você quer vender ou não, é irrelevante; uma empresa pronta para ser vendida vale mais do que uma que não está pronta”

A história, porém, não acabou ali. De tão entusiasmado pelo modelo do CMJ, Wander comprou 10% do negócio e hoje é o CEO da operação. “Brinco que fico feliz porque ele vendeu [a Famap] e triste porque perdi um cliente”, diz Gustavo.

O mantra de um poeta libanês: Um bom conselheiro “tem que ter terapia em dia”. Equilíbrio emocional é a chave para exercer a função. 

O empreendedor puxa da memória um episódio infeliz:

“Me chocou muito há alguns anos: eu estava no conselho de administração de uma empresa familiar, e um irmão partiu para cima do outro…” 

A agressão fez Gustavo refletir. “Falei: nossa senhora, eu errei… Porque, como conselheiro, eu deveria ter visto isso [antes de] acontecer.”

Lavação de roupa suja é uma coisa; pancadaria é outra. Presenciar a cena de pugilato motivou uma decisão: no caso de empresas familiares, trabalhar apenas com famílias onde haja amor.

“Tem uma frase do poeta libanês Khalil Gibran que diz que ‘trabalho é o amor que se tornou visível’… Eu acho isso lindo” 

A citação se tornou o mantra informal de Gustavo e do CMJ. “Essa frase orienta a minha vida e o meu trabalho.”

O desafio vencido – e os próximos passos: Na ativa há sete anos, a startup tem cinco funcionários e opera em home office desde a fundação. A expectativa é fechar 2024 faturando entre 16 e 20 milhões de reais. 

O caminho até aqui teve seus percalços, é claro. O empreendedor conta que, no começo, precisou gastar muita saliva para convencer os interlocutores sobre a viabilidade do modelo de conselho compartilhado:

“Era difícil trazer as pessoas, conseguir vender, porque achavam que não rolava, que era uma loucura. Os conselheiros tradicionais falavam mal, diziam que a gente estava estragando o mercado…”

Os desafios agora são outros. Um deles é afinar o machine learning do sistema de gestão de conselho para entregar aos clientes uma plataforma preditiva, que anteveja problemas e soluções para diferentes empresas.

Além disso, desde meados de 2023 o CMJ vem mergulhando no modelo de franchising. A startup já tem franqueados em São Paulo, Brasília, Florianópolis e acaba de fechar um quarto contrato em Belo Horizonte. 

Com ou sem conselheiros ao seu lado, permitir que outras pessoas carreguem a sua marca é sempre um movimento ousado. “Dá um friozaço na barriga!”

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