“As editoras independentes têm essa função difícil de abrir caminho, de abraçar esses novos autores que estão chegando”

Dani Rosolen - 23 abr 2024
Tainã Bispo, fundadora das editoras Claraboia e Paraquedas e do selo Legacy Label. (foto: Pétala Lopes)
Dani Rosolen - 23 abr 2024
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Tainã Bispo cursou jornalismo com o sonho de trabalhar na área cultural. Mas acabou enveredando por esse caminho de outra forma.

Hoje, ela está à frente das editoras Claraboia e Paraquedas e do selo recém-lançado Legacy Label (LeLa).

A Claraboia, que acaba de completar cinco anos, nasceu com a missão de abrir espaço para a literatura feminina, publicando apenas mulheres.

Já a Paraquedas, surgida em 2021, é uma editora que presta serviço de publicação, tanto para escritores como para escritoras.

Por fim, o selo LeLa, uma parceria entre Tainã e a amiga Jules de Faria, anunciada no começo de abril, buscará “ecoar os legados deixados por empreendedores, líderes, empresas e projetos com um propósito maior”.

AO COBRIR O MERCADO EDITORIAL COMO JORNALISTA, ELA ACABOU SE ENCAMINHANDO PARA A ÁREA

Assim que se formou na PUC, Tainã começou a escrever para o jornal Valor Econômico.

“Eu sempre amei livros, sempre fui leitora. E quando entrei no jornal, vi que ninguém lá cobria o mercado editorial. Então, comecei a propor algumas pautas com foco em negócios para entender o funcionamento das editoras”

A jornalista acabou ficando três anos responsável pela cobertura do mercado editorial. “Eu fazia entrevistas com os editores, com a parte de marketing, com livreiros, com toda a cadeia do livro. Esse período foi muito importante para entender como o mercado funciona.”

Até que uma fonte dela a convidou para atuar dentro desse mercado. Assim, em 2007, Tainã ingressou na Ediouro como editora.

“Logo em seguida, a Leya, grupo português, chegou no Brasil e eu fui uma das primeiras cinco contratadas no país”, lembra. Tainã ficou lá por sete anos, período em que teve a oportunidade de se aproximar e contratar diversos autores nacionais.

“Fui aprendendo como se faz um contrato, a questão dos direitos autorais, como funciona a distribuição. Ia com a diretora comercial na época na Saraiva e na Cultura para falar dos livros, negociava com autores, visitava algumas feiras internacionais… Enfim, foi uma experiência importante.”

A IDEIA DE UMA EDITORA INDEPENDENTE AINDA ESTAVA GERMINANDO QUANDO ELA TIROU O CNPJ

Em seguida, Tainã foi para uma editora de porte menor, a Astral Cultural, que na verdade era a segunda maior publicadora de revistas na época, mas que estava migrando para os livros por conta da crise nos negócio de revistas.

Desde a Leya, no entanto, Tainã já vinha refletindo sobre como gostava de estar próxima dos autores nacionais.

“Curtia muito essa troca, elaborar junto o livro para além da edição de texto. E naquela época comecei a pensar sobre ter uma editora, um selo independente”, diz. Na Astral Cultural, essa vontade aumentou e ela começou a pesquisar mais a fundo essa possibilidade.

Em 2013, tirou o CNPJ de uma empresa por outros motivos. O nome, porém, já era Claraboia, que tem, segundo Tainã, um significado bem apropriado a uma editora: trata-se de uma “espécie de janela, no teto, no telhado ou no alto da parede de uma construção, para deixar entrar luz” ou ainda de “qualquer abertura por onde a luz possa entrar”.

“Já existia ali a semente de querer um dia ter esse negócio”, afirma Tainã. Apesar de já ter o nome, ela demorou um tempo para começar a operar porque sabia quão desafiador é vender livros no Brasil.

“Não porque os brasileiros não leem, mas pelo problema de distribuição. Estamos em um país continental em que não há uma política pública para incentivar a venda”

A jornalista não tinha investidores e ao pedir um conselho para o pai, que atuou por anos no mercado financeiro, ouviu “que seria melhor deixar seu dinheiro rendendo” do que apostar em uma editora.

Então, antes de arriscar, ela se concentrou em estudar bastante, fazer muitas planilhas e estruturar bem seu plano de negócios.

SEIS ANOS DEPOIS, EM MEIO A UM CENÁRIO POLÍTICO DE TENSÃO, VEIO O PRIMEIRO LIVRO

Enquanto alguns empreendedores achavam que deviam recuar pelo cenário político que o Brasil vivenciava no final de 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, Tainã entendeu que aquele era um momento importante para abrir sua editora. O estalo veio ao ver uma ilustração que viralizou nas redes sociais e deu nome ao primeiro livro da Claraboia.

“Quando vi aquela imagem com os dizeres ‘Ninguém solta a mão de ninguém’, fui tomada por um impulso. Entendi que uma editora poderia ser um lugar de resistência. E pensei: preciso transformar esse lugar de tanta preocupação e de absurdo que a gente vai viver pelos próximos quatro anos em alguma ação política”

Ela ainda não tinha definido a linha editorial do negócio, mas acionou a tatuadora mineira Thereza Nardelli, responsável pela imagem, e conseguiu o aval para usar a ilustração como capa e a frase como parte do título do primeiro livro da Claraboia.

Em abril de 2019, era lançado Ninguém solta a mão de ninguém – Manifesto afetivo de resistência e pelas liberdades, uma coletânea organizada por Tainã e que contou com a participação de 25 pessoas (entre elas, Anielle Franco, Antônio Prata, Julián Fuks, Leonardo Sakamoto e Vera Iaconelli). As contribuições vão de prosa, poesia, crônica, ilustração à canções, como Por quantas vezes, criada pela cantora Ceumar e Lauro Henriques Jr.

A QUESTÃO FINANCEIRA PESOU, MAS ELA DESCOBRIU QUE ERA POSSÍVEL PRODUZIR SOB DEMANDA

Depois da experiência com o primeiro livro, no entanto, Tainã começou a ficar preocupada com a questão financeira. “Nesse modelo de fazer tiragens altas e distribuir, eu percebi que não ia dar conta de seguir.”

Ao longo de 2019, portanto, ela deu uma pausada na produção, concentrando-se em trabalhar na divulgação desse primeiro livro pelo Brasil ao mesmo tempo em que se dedicava a frilas de ghostwriter, redação e revisão para manter as contas em dia.

As coisas mudaram a partir de uma conversa com Ricardo Schil, gestor de produtos da UmLivro, que explicou para Tainã como essa plataforma permitia vender os livros em diversos marketplaces, mas imprimir sob demanda — apenas quando fossem comprados

Com essa dica, no final de 2019, a Claraboia conseguiu lançar o segundo livro, Elena Ferrante: Uma longa experiência de ausência, tese de mestrado da pesquisadora e crítica literária Fabiane Secches.

“Esse modelo muda muito o dia a dia de uma editora, principalmente de caixa, porque a gente não precisa fazer impressões altas nem ficar com estoque. Então, entendi que eu conseguiria ter uma editora independente e ir devagarzinho lançando outros livros sem ter um investimento grande por trás”

Mas com a chegada da pandemia, em 2020, os eventos relacionados ao livro foram cancelados. Tainã passou a focar na divulgação virtual até poder retomar as atividades de forma presencial.

A LINHA EDITORIAL DA CLARABOIA FOI SENDO MOLDADA AO LONGO DO PROCESSO

Em 2021, a editora conseguiu lançar mais três livros: Cai de boca no meu b*c3t@o, trabalho de conclusão de curso (TCC) da graduação de Relações Públicas da UERJ escrito por Tamiris Coutinho, em que ela analisa como o movimento do funk é um potencializador da liberdade, da autonomia e do empoderamento da mulher.

(Antes de virar livro, o título teria virado alvo do polemista Olavo de Carvalho, que faleceu em 2022. Foi aí, diz Tainã, que ela fez ainda mais questão de publicá-lo.)

Além dessa obra veio o Cartas de uma pandemia, organizado por Tainã e pela escritora Tatiana Lazzarotto, em que os remetentes (30 mulheres e um homem) respondem à seguinte provocação: se você pudesse enviar uma carta para si mesma(o) antes da pandemia ser decretada, o que escreveria?; e, em seguida, A velhice que eu habito, de Ivone Gebara, em que a autora reflete sobre “habitar a velhice enquanto a lucidez ainda a habita”.

“Enquanto eu fazia esses livros, algumas pessoas começaram a chegar até mim e falar que achavam muito legal esse projeto de publicar só mulheres”

Tainã já tinha definido sua linha editorial sem perceber. Foi aí que a ficha caiu: “Somos uma editora de escritoras mulheres, é o que eu quero fazer, é onde eu quero estar, essa é a minha bandeira.”

Os textos das autoras chegam à Claraboia por meio de chamadas e depois passam por uma curadoria. Hoje, a editora soma 16 títulos.

“O MUNDO MUDA QUANDO UMA MULHER CONTA UMA HISTÓRIA”

Mãe de dois meninos, Tainã conta que sempre se interessou pelos debates envolvendo pautas feministas, que discutissem gênero e raça. Mas que nos últimos anos acabou mergulhando mais nesses temas, passando por um letramento. Isso antes mesmo da Claraboia.

“Depois que tive filhos, acho que me voltei mais para esses textos, muito num primeiro momento para entender o que aconteceu comigo, porque a vida é uma antes e depois da maternidade.”

Além de mergulhar em leituras, ela diz quão importante foram alguns encontros com outras mulheres que a ensinaram para além das teorias o que são os feminismos na prática.

“Então, quando falo que uma mulher subverte quando decide escrever, ela subverte mesmo, porque tem que dizer ‘não’ para as tarefas domésticas, para o marido que não sabe onde está a chave do carro, para o filho que fica chorando do lado de fora da porta… Ela tem que dizer ‘não’ para uma lista imensa de tarefas não remuneradas”

E no meio disso tudo, diz Tainã, a mulher ainda se sente na obrigação de “justificar” essa escolha para a família (principalmente os companheiros) entender que escrever não é uma coisa qualquer. “Muitas dizem que se sentem culpadas por um crime quando contam que escrevem.”

Por isso, ela reforça a importância das mulheres se apoiarem nesse processo, expurgando juntas essa culpa, se lendo, se cuidando e mostrando para a sociedade um novo olhar, já que até pouco tempo as narrativas sobre as mulheres eram apenas feitas pela visão dos homens.

“Em vários campos de conhecimento, a gente foi moldada por esses olhares, pelos homens dizendo o que nós somos, o que não somos. E a partir do momento em que as mulheres escrevem, a gente inverte isso, não só criando personagens femininos do nosso jeito, mas também criando personagens masculinos como a gente enxerga os homens, que ficam bem desconfortáveis com isso. Não é curioso?”

DIANTE DA DEMANDA CRESCENTE DE GENTE COM ORIGINAIS ENGAVETADOS, ELA CRIOU A PARAQUEDAS

Ao longo de 2021, com a Claraboia já mais conhecida no mercado, Tainã começou a ser procurada por escritores homens que queriam publicar com o mesmo cuidado editorial e se oferecendo para pagar por esse serviço.

“Não era algo que eu tinha imaginado antes, até porque esse lugar do livro como serviço sempre foi um tabu”, diz. Mas ela começou a refletir:

“O mercado editorial é muito difícil. A gente tem ótimas editoras, mas toda essa dificuldade de distribuição, de ganhar escala. E as grandes editoras não conseguem absorver toda uma produção rica que existe por aí”

Somado a essa questão, vira e mexe, havia os pedidos que ela recebia para conversas com pessoas que tinham originais engavetados e não sabiam por onde começar para transformar o material em um livro. “Então, eu pensei, por que não estar com os escritores que precisam dessa ajuda de um jeito absolutamente transparente e com um bom serviço?”

Assim nasceu a Paraquedas, em outubro de 2021, já com os primeiros três livros no catálogo.

“A Paraquedas se tornou um amor importante pra mim como esse lugar dessas primeiras histórias que estão saindo da gaveta, com todas as angústias envolvidas, porque é muito difícil se dizer escritor, principalmente pra uma mulher, é um lugar de muita insegurança. Então, sinto que a editora poder oferecer um lugar de tranquilidade e afeto neste momento.”

UM “DIVÃ PARA ESCRITORES”: COM A EDITORAPIA, TAINÃ OUVE AS DÚVIDAS E ANGÚSTIAS DE QUEM DESEJA PUBLICAR

Enquanto na Claraboia o modelo de negócio é o de uma editora tradicional, em que as autoras não pagam para ser publicadas e a editora lucra com a venda dos livros, no segundo empreendimento o modelo de negócio é o de serviço editorial. Ela acompanha os escritores do começo ao fim do processo.

Desde a fundação, Tainã já publicou 60 livros pela Paraquedas (os títulos de ambas as editoras podem ser encontrados nas respectivas lojas online e em livrarias de rua como a da Vila, Mandarina, Megafauna e Simples, em São Paulo, ou Da Vinci, Janela e Travessa, no Rio).

“Não é porque é um serviço que a gente aceita qualquer texto. Temos uma curadoria da qualidade do material e de gênero literário. Às vezes chegam livros que ainda estão crus, então a gente conversa com os autores para primeiro tentar amadurecer aquele material”

No começo, ela cuidava dos dois negócios sozinha. Hoje, o time já conta com duas colaboradoras fixas e duas freelancers, chamadas para projetos.

Além de se dividir entre as duas editoras, Tainã oferece um serviço batizado de Editorapia (ou divã para escritores), um encontro com cerca de uma hora e meia de duração em que ela ouve as dúvidas e angústias de quem deseja publicar.

“É uma troca e um momento de escuta mesmo. Acho que estamos num mercado fechado, então eu criei a Editorapia um pouco nesse lugar de ouvir como editora as dúvidas de escritores sobre mercado editorial, como começar a carreira, como se expor, como lidar com os medos.”

LELA: COMO MATERIALIZAR NO PAPEL O LEGADO DE LÍDERES, EMPREENDEDORES E FAMÍLIAS

No comecinho de abril, Tainã anunciou mais uma iniciativa que encabeça ao lado da amiga Jules de Faria.

Como um selo da Paraquedas, as duas começaram a tocar a The Legacy Label (ou LeLa, como apelidaram carinhosamente o projeto).

“Será parecido com o modelo de serviço da Paraquedas, mas para contar histórias de empresas, empreendedores, executivos, lideranças, projetos e famílias”

A proposta do selo é registrar o legado dessas lideranças, “criando livros com histórias transformadoras e visionárias, que não apenas inspirem, mas também impactem positivamente a sociedade”.

A dupla à frente da iniciativa já se conhecia da época da faculdade de jornalismo e acabou se conectando novamente em 2023, quando Jules lançou, pela Paraquedas, o livro de poemas Talvez este não seja o meu ano.

Enquanto Tainã traz para o projeto sua experiência de 15 anos no mercado editorial e suas duas editoras, Jules adiciona a expertise do Estúdio Jules, sua consultoria focada em storytelling e branding para ideias visionárias e que já foi pauta aqui.

“Do lado da Paraquedas, eu já notava uma aproximação de pessoas querendo publicar livros da área de negócios, de memórias até. E a Jules já percebia na sua consultoria essa necessidade de alguns clientes. Então, entendemos que era possível, a partir de um posicionamento de executivos ou de uma marca, registrar essas histórias no formato de livro”

No LeLa, os clientes podem chegar já com o material pronto para a edição ou encomendarem um serviço de ghostwriting. Segundo Tainã, a dupla já tem três encomendas em andamento, mas ainda não pode divulgar mais detalhes.

O MERCADO EDITORIAL ESTÁ MAIS AREJADO, MAS A LUTA POR MAIS DIVERSIDADE (E MAIS LEITORES) CONTINUA

Nesses 15 anos como editora, cinco à frente da Claraboia e quase três na Paraquedas, Tainã acredita que viu o mercado “se arejar”:

“Nesses últimos anos a gente realmente tem uma diversidade maior — e também uma bibliodiversidade que condiz minimamente com o que é o Brasil. Estamos saindo um pouco desse umbigo muito branco, do eixo Rio-São Paulo, para ter um retrato um pouquinho mais condizente com nossa realidade”

Ela acredita que ainda falta chão pela frente, mas também destaca que houve um movimento importante das editoras independentes, que estão aí há mais tempo, de friccionar o mercado para temas da diversidade.

“As editoras independentes têm essa função bastante difícil de abrir caminho, de abraçar esses novos autores que estão chegando e que as editoras grandes não querem ou não podem abraçar.”

Outro insight desses anos como editora é que o Brasil é sim um país de leitores.

“Eu conheço o Brasil que lê. Há um ano, faço um trabalho de leitura como voluntária dentro de uma Fundação Casa e os meninos de lá adoram ler, ficam em silêncio por meia hora, 40 minutos, só lendo”

Ela ainda destaca a importância das políticas públicas no incentivo à leitura. “Esses livros chegam a esses jovens como parte dos programas nacionais de leitura, que foram sim sucateados nos último tempos, mas trazem a certeza, quase uma fé, de que a gente tem um país que lê.”

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