Verbete Draft: o que é CBDC (Central Bank Digital Currency)

Dani Rosolen - 15 fev 2023
Imagem: Jernej Furman/Flickr (https://www.flickr.com/photos/91261194@N06/51081109033)
Dani Rosolen - 15 fev 2023
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete deste mês é…

CBDC (CENTRAL BANK DIGITAL CURRENCY)

O que é: Central Bank Digital Currency, ou moeda digital de banco central, em português, é uma moeda digital estatal emitida e administrada pelo banco central de seu respectivo país e que geralmente roda em blockchain ou em DLT, sigla em inglês para livro contábil distribuído.

Na prática, uma CBDC é um token que representa uma extensão da moeda física daquela nação e com o mesmo valor dela, ficando sujeita à oscilação da inflação local. 

Seu uso, dependendo do país, ainda está em fase de estudo ou de implementação em baixa escala. Atualmente, quase 120 países, entre eles o Brasil, estão pesquisando ou trabalhando em projetos de CBDC, sendo que 11 já lançaram sua moeda digital (Bahamas, Jamaica, Nigéria e oito países do Caribe Oriental) e 17 estão em fase piloto. O dado é do Central Bank Digital Currency Tracker, iniciativa do Atlantic Council que rastreia todas as iniciativas de moedas digitais estatais e suas propostas de uso.

Quais as motivações para criar uma CBDC: Varia de país para país. Leandro Pupe Nóbrega, cofundador da Open Summit e gerente da comunidade Open Finance Brasil, afirma: 

“Uma das grandes motivações para criar o e-Naira, da Nigéria, por exemplo, foi a inclusão financeira, porque eles não têm um sistema como o Pix. Outro estímulo para a maioria dos países é a redução de custos com logística de produção e controle das moedas físicas, o que representou no mundo 23 bilhões de dólares em 2021”

Outros fatores que impulsionam a implantação de moedas estatais são: digitalização da economia; redução de riscos com fraudes; busca por maior agilidade e eficiência nas transações feitas atualmente com dinheiro fiduciário; e aumento da competitividade dos sistemas de pagamento.

CBDCs x criptomoedas: As milhares de criptomoedas existentes hoje no mercado, com nomes, fins, valores e funcionamentos diferentes, são, na grande maioria, privadas, sem vínculo com nenhuma economia ou país e com gestão descentralizadas, além de protocolos executados em blockchain de código aberto.

Já no caso das CBDCs, é o banco central do país da moeda digital que fica responsável por sua gestão, do desenvolvimento à emissão e gerenciamento. E, por ser emitida pelo banco central, sua aceitação é oficial em todo o território nacional, diferente do que acontece com qualquer cripto.

(Ainda não está definido o modelo de DLT/blockchain a ser utilizado pelo BC brasileiro; a decisão fará parte das discussões do Grupo de Estudo do Banco Central do Brasil). 

Outra diferença entre as criptomoedas e as CBDCs é que enquanto as primeiras são pensadas sobretudo como ativos digitais (investimento), as moedas digitais estatais têm como fim o uso cotidiano, podendo ser usadas para transações online ou offline (mas também como reservas de valor).   

Origem: A primeira autoridade monetária a emitir uma CBDC foi o Banco Central das Bahamas, que criou o Sand Dollar, a versão digital do dólar das Bahamas, em outubro de 2020. O lançamento mais recente, até aqui, veio da Jamaica, com o JAM-DEX, em maio de 2022. 

Apesar de não ter sido o primeiro país a implantar uma moeda digital de banco central, a China é um dos países onde as discussões e as aplicabilidades da CBDC são consideradas as mais evoluídas, com o Yuan Digital.

A ideia de criar uma moeda digital partiu do Banco do Povo da China ainda em 2017 com a finalidade de reduzir o uso de dinheiro vivo e combater de forma mais eficiente a lavagem de dinheiro. 

Em 2019, o Yuan Digital (e-CNY) entrou em fase de pesquisa e prova de conceito, e em abril de 2020 passou a ser testado em algumas cidades do país por meio do Digital Currency Electronic Payment (DCEP), sistema responsável pelas operações via carteira digital. 

Em meados de janeiro de 2023, o país registrou a primeira compra de títulos com o e-CNY para a aquisição de valor mobiliário. De acordo com o InfoMoney, o Yuan Digital alcançou 14 bilhões de dólares em transações, em outubro de 2022, mas sofreu uma desaceleração nos meses seguintes.

CBDC no Brasil: Por aqui, uma CBDC começou a ser estudada pelo Banco Central em agosto de 2020, quando estabeleceu-se um grupo de trabalho sobre o assunto com profissionais de diferentes áreas do BC através da portaria nº 108.092/20. Pupe Nóbrega, da Open Summit, afirma:

“Desde o Bitcoin, em 2009, a gente teve um boom das criptomoedas, então o Banco Central, pensando no futuro, está extraindo os benefícios deste mundo, das criptos e da blockchain para trazer isso para o sistema financeiro brasileiro” 

Em novembro do mesmo ano,  foi lançado o LIFT Challenge Real Digital, um desafio do LIFT (Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas, iniciativa conjunta do Banco Central do Brasil e da Fenasbac) para selecionar projetos responsáveis por desenvolver casos de uso do Real Digital e avaliar sua viabilidade tecnológica.

Foram selecionados nove projetos, dentre 47 propostas apresentadas por 43 empresas, das seguintes instituições privadas: Aave, Febraban, Giesecke + Devrient, Itaú Unibanco, Mercado Bitcoin, Santander Brasil, Tecban + Capitual, Vert e Visa do Brasil.

Uma das promessas da CBDC brasileira, segundo o BC, é que ela deverá operar offline (sem a necessidade de conexão com a internet). Outro ponto é que o usuário poderá converter seus Reais Digitais em físicos. E para utilizar a CBDC, terá que possuir uma carteira virtual em custódia de um agente autorizado pelo BC (um banco ou uma instituição de pagamento).   

Vale reforçar que o sistema atual não vai deixar de funcionar. “O Real Digital está sendo construído com uma camada de integração com o sistema de pagamento atual brasileiro”, diz o especialista.  

Real Digital x Pix: Um questionamento frequente é se o Real Digital não seria o mesmo que o Pix. A resposta simples é: não. Enquanto o Pix é uma operação eletrônica de transferência e recebimento de dinheiro de forma instantânea, com o intermédio de bancos, o Real Digital é a própria moeda em sua versão eletrônica, presente em uma carteira digital e sem a necessidade de intermediação bancária.

Além disso, destaca Pupe Nóbrega, o Real Digital não visa majoritariamente o processo de pagamento, mas sim o de liquidação de acordos financeiros.

“Hoje, no sistema financeiro, existem várias instituições de pagamento que estão movimentando dinheiro, mas fazer a rastreabilidade dessas transações é algo muito difícil. Com o Real Digital, quando uma pessoa faz o pagamento de um produto, o BC conseguirá ter a rastreabilidade disso por meio desses livros contábeis distribuídos — checando, por exemplo, se o dinheiro caiu para liberar o item vendido.”

Vantagens do Real Digital: A própria rastreabilidade das transações feitas em Reais Digitais, já citada, é um dos benefícios de sua adoção, evitando possíveis golpes ou fraudes, graças à infraestrutura da rede por trás (seja via blockchain ou DLT).  

Outra vantagem é a imutabilidade das operações feitas com esse tipo de tecnologia, pois elas não podem ser modificadas. “Com isso, será possível ter muito mais controle de casos de lavagem de dinheiro, por exemplo”, diz o especialista.

Mas a palavra-chave utilizada pelo BC, segundo ele, quando se fala em vantagem atreladas ao Real Digital é a programabilidade desse dinheiro.

“ As empresas poderão criar os famosos contratos inteligentes atrelados a essas transações, que determinam que uma determinada transação só pode acontecer quando determinados pré-requisitos forem cumpridos”

Ele cita como exemplo o DVP (Delivery Versus Payment) de um automóvel. Hoje, se uma pessoa for vender um carro para alguém desconhecido, precisará ficar esperando o comprador transferir o dinheiro. A pessoa pode falar que transferiu e o comprador, por outro lado, alegar que não recebeu. Ambos terão que ir juntos a um cartório para resolver a questão. 

“No Real Digital, conseguimos criar esses contratos inteligentes, em que as transações são atômicas. Quando todos os requisitos são atendidos dentro daquele contrato inteligente criado, aí sim a transação é realizada.”

Outra vantagem com a programabilidade é a triangulação de pagamento. “Por exemplo, eu e mais uma  pessoa vamos comprar um carro juntas. Por meio do contrato inteligente, o veículo só vai ser liberado quando o meu pagamento e o dela forem realizados.”   

Ainda dentro da programabilidade, Pupe Nóbrega diz que essa questão se estende aos hardwares. A tecnologia utilizada permite que os contratos inteligentes estejam atrelados a objetos, por meio da Internet das Coisas (IoT).

“Sabe aquele exemplo da geladeira que detecta se acabou o leite? Ela faz uma transação para o mercado para que entregue o produto em casa por meio de uma transferência em Real Digital imediata, sem intervenientes, reduzindo custos e entregando uma experiência muito melhor para o consumidor final” 

A possibilidade de realizar pagamentos transfronteiriços também é uma promessa da CBDC brasileira. “Hoje, se eu quiser fazer um pagamento para uma pessoa em pesos argentinos, isso envolverá muitos intervenientes e altos custos.” A solução é mais simples com a moeda estatal:

“Os países do G20 já estão discutindo CBDCs transfronteiriços, exatamente para que as pessoas possam ter uma carteira digital nas mãos, no celular, e consigam simplesmente mudar a moeda operada se estiverem viajando para outro país”

A inclusão social é apontada por muitos especialistas como uma vantagem das CBDCs, mas o cofundador da Open Summit tende a discordar.

“Muita gente bate na tecla de que o Real Digital vai incluir mais pessoas no sistema financeiro, mas isso é questionável porque esse modelo vai requerer algumas etapas para o consumidor final, como a parte de autenticação e autorização, mesmo funcionando offline, como promete o BC”, diz. “Quando você pensa num público que tem menos acesso e menos conhecimento digital, às vezes, não tem um celular ou um documento de identificação, isso se torna complicado.”

Pupe Nóbrega lembra que um dos principais benefícios hoje do dinheiro físico é a autocustódia, ou seja, a pessoa tem o controle dos recursos que estão em suas mãos. Se não tem um celular (ou tem, mas está sem internet), mas conta com o dinheiro físico em mãos, ela pode muito bem entrar em qualquer lugar e comprar algo, receber o troco etc.

“Por isso, é importante frisar que mesmo com a implantação do Real Digital, ainda haverá papel e Pix.”    

Em que estágio se encontra o Real Digital: Em 20 de outubro de 2022 foram emitidas as primeiras unidades do Real Digital, em caráter experimental, dentro do laboratório do LIFT Challenge. 

A primeira fase de estudos e desenvolvimento terminou em 3 de fevereiro de 2023 e a expectativa é que o relatório final sobre os projetos estudados seja divulgado no evento batizado de LIFT Day, em 25 de abril, o que deve dar início à segunda etapa de testes do Real Digital.

“Neste evento, os representantes dos projetos vão levar as lições aprendidas e esse grupo do Banco Central, da portaria, vai pegar esses insights para discutir quais foram as falhas de segurança, as resiliências, as questões de performance, entender qual abordagem foi mais interessante — e, a partir daí, começar a criar o Real Digital” 

O principal objetivo do BC neste momento será determinar o nível de vazamento de dados na rede em que será negociada a CBDC brasileira.

Em 14 de janeiro de 2023, Roberto Campos Neto, presidente do BC, participou de um evento do BTG Pactual e disse que o “projeto pilto do Real Digital vai começar já agora” e que os “bancos estão ajudando muito” na sua elaboração.

Com isso, a expectativa é que o Real Digital deve estar, de fato, pronto a partir de 2024. A princípio, porém, o BC irá focar seu uso para empresas do atacado, e só depois vai mirar o varejo. Então, neste período inicial, explica Pupe Nóbrega, o Real Digital será usado apenas indiretamente pela população.

 “O BC vai emitir o Real Digital focado nos bancos de atacado para grandes movimentações financeiras. Cada instituição de varejo, no entanto, poderá emitir o seu ativo digital [o que seria uma espécie de stablecoin] – que vai ser, por exemplo, o Real Digital do Banco do Brasil – mas com lastro no Real Digital do atacado.” 

Na prática, para a população o funcionamento é o mesmo, mas a CBDC será um passivo do banco do cliente e, se a instituição quebrar,  o consumidor fica sujeito às regras de ressarcimento do Fundo de Garantia de Créditos (hoje limitado a 250 mil reais).  

Desafios para a implantação: São vários, segundo o especialista. O principal, a seu ver, é o design dessa infraestrutura. “Será necessário muito cuidado com a cibersegurança para facilitar o pagamento num ambiente completamente novo.”  

A questão da privacidade é colocada em xeque por muitos especialistas, já que as transações feitas com CBDCs podem conter uma quantidade enorme de informações pessoais e financeiras dos usuários, e esses dados poderiam ser utilizados como forma de vigilância pelos bancos centrais e, consequentemente, censura de algum tipo de operação. Há ainda a possibilidade de essas informações serem hackeadas e resultarem em perdas financeiras. 

“Esse é um tópico relevante para definição da infraestrutura adotada [blockchain ou DLT]. O BC vai definir essas regras de como essa rede vai se comportar, quem pode ler determinado tipo de arquivo, quem pode escrever determinado tipo de transação etc. Independente do mecanismo e da infraestrutura escolhidos, a LGPD continuará vigente” 

Uma opção considerada por autoridades monetárias, diante destas questões, seria oferecer alta privacidade para pequenas transações feitas por usuários de varejo, mas aplicar alta rastreabilidade para transações maiores, de pessoas físicas ou empresas.

“Outro ponto desafiador é a questão da escalabilidade, porque dependendo da infraestrutura que for escolhida, para um lado atende mais a questão de compliance, rastreabilidade e proteção de dados, mas do outro perde-se em escalabilidade. Então, é preciso achar o ponto de equilíbrio para que isso ocorra da forma mais adaptada possível.”

Há também a questão da identidade, que é a parte de autorização e autenticação do cliente. “No offline, como a pessoa vai autorizar, autenticar ou criar uma carteira? Vai ser uma carteira de Real Digital só no BC ou todos os bancos e instituições de pagamento vão poder ter uma carteira  com Real Digital?”

A discussão, diz Pupe Nóbrega, ainda está aberta. “Se a carteira estiver centralizada no BC, o que acontece se cair a estrutura do Banco Central? Para tudo? Por isso, digo: é bom ter o Real Digital como complementar ao que já existe, até que toda essa estrutura se torne madura o suficiente.” 

Para saber mais:
1) Leia mais sobre o Real Digital no site do Banco Central;
2) Para tirar dúvidas sobre o Real Digital, consulte o Q&A do Banco Central, com perguntas e respostas sobre a moeda estatal brasileira;
3) Conheça todas as iniciativas de CBDCs espalhadas pelo mundo no mapeamento feito pelo Atlantic Council;
4) Leia no Cointelegraph: “‘Real Digital será usado no atacado e população vai usar stablecoin’, revela Banco Central”;
5) No Infomoney, acesse: “Real digital é criptomoeda? O que se sabe até agora sobre a tecnologia da CBDC brasileira”;
6) Conheça mais detalhes das propostas selecionadas para o LIFT Challenge aqui.

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