Verbete Draft: o que é Ecoansiedade

Dani Rosolen - 29 nov 2023
Foto: Foto de Markus Spiske: https://www.pexels.com/pt-br/foto/clima-alteracoes-climaticas-luz-do-dia-demonstracao-2990612/
Dani Rosolen - 29 nov 2023
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete deste mês é…

ECOANSIEDADE

O que é: Ecoansiedade, também conhecida como ansiedade climática, é um termo que surgiu a partir da junção do prefixo eco (relacionado à ecologia, a meio ambiente) e da palavra ansiedade. De acordo com Claudia Pato, professora da Universidade de Brasília na área de Psicologia Ambiental e Educação Ambiental:

“Em resumo, ecoansiedade seriam as emoções negativas associadas às questões climáticas e ambientais, funcionando como uma espécie de alarme, para alertar as pessoas que tem alguma coisa de errado acontecendo e a gente não pode ficar impassível, porque senão talvez a gente não sobreviva”

Segundo definição da Associação Americana de Psicologia (APA), de 2017, ecoansiedade é “o medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto das mudanças climáticas, gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das gerações futuras”.

A palavra já foi incorporada no dicionário Oxford, em outubro de 2021, designando, segundo tradução, “o desconforto ou preocupação sobre o dano atual e futuro causado no meio ambiente pela atividade humana e a mudança climática”. No dicionário online Priberam, o conceito é definido da seguinte maneira: “Perturbação psicológica caracterizada pela expectativa de um perigo de origem ambiental, perante o qual o indivíduo se sente indefeso”.

E o assunto vem ganhando cada vez mais destaque ao longo dos anos: entre 2018 e 2023, o número de pesquisas no Google relacionadas com ansiedade climática ou ecoansiedade aumentaram vertiginosamente. Só no idioma português, por exemplo, foi 73 vezes maior.

Origem: Na década de 1990, o termo já aparecia em publicações de Psicologia Ambiental, campo criado em 1989 nos EUA e que considera o cuidado com o meio ambiente como essencial para o equilíbrio psíquico de uma pessoa.

A professora afirma que, inclusive, naquela década, aconteceram várias conferências mundiais para discutir as questões ambientais, como a Eco-92, no Rio de Janeiro.

“Mas até aí, era uma discussão um pouco mais abstrata. As questões ambientais trazidas pelos cientistas e ambientalistas ainda eram muito distantes psicologicamente do nosso cotidiano, porque se falava no urso polar, na Antártida, no derretimento das calotas polares. E isso não era uma preocupação das pessoas comuns, digamos”

Agora, no entanto, que essas mudanças têm cada vez mais se agravado e as pessoas passaram a sentir isso no dia a dia, com ondas de calor extremo ou tempestades, por exemplo, a população começa a fazer uma associação mais direta com esses problemas que pareciam muito distante.

Ainda de acordo com Pato, o filosofo australiano Glenn Albrecht foi um dos primeiros especialistas a abordar a ecoansiedade. Até então, a discussão ambiental subtraía as pessoas desse processo, sendo colocada como um fenômeno natural.

“Ele, por sua vez, começa a dizer, olha, não é só uma questão ambiental, tem uma questão também social e psicológica. Existem sintomas psicológicos, um sofrimento crônico de pessoas que estão sendo afetadas diretamente pelas mudanças climáticas, que ele chamou de solastalgia

A partir desta análise, a psicologia ambiental começou a olhar com mais atenção para o aspecto psicológico associado à questão ambiental. A professora indica o psicólogo ambiental suíço Gabriel Moser como o responsável por trazer essa preocupação para o campo da psicologia. “Atualmente, a especialista referência nessa temática é a psicóloga ambiental e social norte-americana Susan Clayton, que desenvolveu um instrumento, uma metodologia, para podermos diagnosticar a ecoansiedade.”

O impacto da pandemia e do último governo brasileiro na relevância do tema: Enquanto a crise sanitária mundial fez com que várias pessoas ficassem com o medo da convivência, por receio de se exporem ao vírus da Covid-19, ao mesmo tempo, elas começaram a valorizar muito mais respirar ao ar livre.

“Quando puderam sair — e sem máscara – começaram a se reunir e valorizar espaços em que houvesse uma conexão com a natureza, e a sua preservação passou a ser ainda mais importante”, afirma a especialista.

Outro fator que teve impacto na discussão do tema foi o negacionismo do governo Bolsonaro, que contribuiu para a desinformação ao negar a existência de desmatamentos na Amazônia ou qualquer outro problema climático.

“Esse discurso teve um efeito nas pessoas que se identificavam com a mensagem do governo, porque elas se viram desobrigadas a ter um cuidado e uma responsabilidade maior com os seus próprios comportamentos cotidianos”

Essa mensagem falsa, de que está tudo bem, acaba gerando o que a psicologia chama de dissonância cognitiva. “A mensagem é uma, mas o efeito e a sensação é outro e as pessoas ficam desorientadas e ansiosas.”

Como se manifesta: A ecoansiedade não é considerada uma doença mental, mas pode desencadear outras patologias associadas.

“Se a pessoa vivenciou um desastre ambiental diretamente, essa ansiedade climática pode desencadear uma depressão ou estresse pós-traumático. Como nesses casos recentes de enchentes em Santa Catarina, em que de um minuto para o outro as pessoas quase perderam suas vidas, outras perderam parentes e toda a sua referência de vida até ali”

Pato afirma que neste caso em específico foi enviado um grupo de psicólogos ambientais para ajudar essas vítimas. “Como lidar com isso? Não é simplesmente minimizar e dizer que é coisa da natureza, isso acontece, vai passar, a gente se recupera. Não tem como negar o que as pessoas estão vivenciando e o efeito psicológico profundo que essas mudanças provocam.”

Apesar de não ser uma patologia, a ansiedade climática apresenta, sim, alguns sintomas, como raiva, tristeza, culpa, sensação de impotência, frustração, exaustão, inquietação, estresse, nervosismo, pensamentos negativos (e intrusivos) sobre desastres climáticos, receios e desinteresse em relação ao futuro, desesperança, insônia e até o desencadeamento de uma depressão.

Quem sofre de ecoansiedade: A especialista diz que as pesquisas ainda são recentes e é cedo para fechar um perfil sobre quem são as pessoas mais propensas a sofrer com a ecoansiedade. Mas por enquanto, o que se percebeu é que existem alguns grupos mais afetados.

– Crianças e jovens

Segundo a professora, os adultos e os idosos têm nas suas memórias, nas suas referências, inclusive de infância, uma época em que não se comentava sobre mudanças climáticas ou em que não se via tantos desastres climáticos.

 “Já as crianças e jovens não têm esse repertório passado, elas estão vivenciando diretamente ou indiretamente, por exposição à mídia ou na escola, esse fenômeno. E muitas vezes, não têm a maturidade emocional e cognitiva para elaborar essa situação de uma forma mais racional”

Segundo um estudo de 2021 financiado pela Avaaz (rede de campanhas virtuais) e liderado pela Universidade de Bath, com dez mil jovens entre 16 e 25 anos de dez países, 75% deles enxergam o futuro como assustador, levando em conta o contexto das mudanças climáticas.

Uma pesquisa mencionada pela BBC mostra que os jovens brasileiros estão no mesmo barco. O artigo conta que, como parte de um estudo internacional da Universidade de Yale, nos EUA, sobre emoções relacionadas ao estado do planeta, os psiquiatras Debora Tseng Chou e Emilio Abelama Neto ficaram incumbidos de ouvir crianças e jovens brasileiros sobre o tema. Eles conversaram com 50 pessoas entre 6 e 18 anos nas cidades de São Paulo, Itaparica (BA) e Salvador e receberam relatos dos entrevistados de pânico, dificuldade para dormir e a sensação de que estavam atrasados para resolver um problema urgente.

Uma das primeiras jovens a ganhar destaque na mídia, mostrando sua preocupação em relação ao futuro, foi a ativista sueca Greta Thunberg, que em 2018 já fazia sua primeira greve, matando aula para protestar.

– Pessoas em situação de vulnerabilidade social

Outro grupo impactado pela ecoansiedade é o de pessoas em situação de vulnerabilidade social que vivem em área de risco, pois são as que vão sofrer diretamente as consequências dos desastres climáticos.

– Sociedades conectadas à natureza

O terceiro grupo mais suscetível, independente de gênero, faixa etária ou condição social é o de pessoas que dão um valor maior à natureza, como sociedades tribais e indígenas, já que o que está sendo destruído é o que esses povos consideram mais importante em suas vidas dentro de sua cosmovisão.

– Pessoas com maior acesso a informações

E por fim, indivíduos com um grau de consciência maior e acesso a informações a respeito dos problemas ambientais. Muitos especialistas já estão vivendo há décadas com a ecoansiedade. À BBC, o climatologista Alexandre Costa relatou relatou esse sofrimento.

A professora também diz passar por essa aflição: “Toda vez que nós que estudamos o assunto somos expostos a uma notícia de desastre climático vem a revolta. Em primeiro lugar, porque vemos que as pessoas até estão fazendo muito esforço no cenário micro e médio, mas em termos de nação, percebemos que não há muito esforço político. O que acaba imperando são os interesses econômicos em detrimento dos sociais e dos ambientais.”

Como “tratar”: A especialista explica que enquanto essa sensação ruim funciona como um alerta, trata-se de um sentimento natural, uma preocupação. “Isso faz parte da nossa própria condição, não só psicológica como biológica, de nos indicar que existe um perigo, que precisamos agir.”

Ela afirma que, nestes casos, o protocolo de tratamento recomendado para amenizar ou enfrentar esse problema é promover uma mudança no estilo de vida que favoreça uma conexão maior com a natureza e a redução da ansiedade, como caminhadas ao ar livre em um parque, capazes de restaurar psicologicamente o bem-estar.

“Além disso, se a pessoa está se sentindo incapaz porque o fenômeno é macro, complexo, é importante mostrar que existem ações concretas mais sustentáveis no seu cotidiano que podem diminuir a sensação de culpa, como reduzir o uso do carro para ir ao trabalho. Essas pequenas mudanças de hábito têm um poder restaurativo e aliviam a ansiedade”

Outras recomendações são procurar uma rede de apoio para debater o assunto e evitar acompanhar de forma compulsiva todas as notícias relacionadas ao tema (o que não significa se alienar).

O problema é quando essa ansiedade extrapola o limite de alerta e a pessoa se torna incapaz de lidar com essa questão, sentindo-se paralisada, com insônia ou uma tristeza que evolui para uma depressão. “Quando chega nesse nível mais crônico, é preciso uma atenção e intervenção de profissionais de saúde”, diz a especialista.

O lado impulsionador da ansiedade climática: Apesar de despertar sensações ruins, a ecoansiedade tem um papel importante de conscientização sobre o problema — e de chamado para a ação.

“As pessoas precisam entender que é necessário mudar individualmente, mas também provocar mudanças mais sociais em termos de nação, boicotando, por exemplo, a compra de produtos que venham de empresas ou de países que não estão preocupados com questões ambientais”, diz a professora.

Ela lembra que, como ação macro, a União Europeia já fez isso, barrando a compra de produtos do Brasil de áreas desmatadas. A professora destaca ainda que não basta garantir que o produto seja sustentável apenas do ponto de vista ambiental, mas social também, sem envolvimento com trabalho escravo, exploração de mão de obra etc.

Uma pesquisa da psicóloga ambiental Lorraine Whitmarsh, da Universidade de Bath, mostrou que há uma conexão entre as preocupações climáticas e a tomada de medidas eficazes neste sentido.

Ou seja, em vez de pensar em como o mundo vai acabar, a melhor alternativa — e parte da solução — é começar a agir localmente.

 

Para saber mais:
1) Confira o relatório “Mental Health and Our Changing Climate: Impacts, Inequities, and Responses”, da APA;
2) Veja na National Geographic Brasil: “O que é ansiedade climática e como os jovens podem superá-la”;
3) Leia, no ECOA Uol: “Jovens processam 32 países por ansiedade climática”;
4) Acesse na Time o artigo: “New data shows a global surge in searches related to ‘climate anxiety'”;
5) Confira as recomendações do Greenpeace UK: “Eco-anxiety: how to find hope in a climate crisis”;
6) Na BBC, acesse o artigo: “As mulheres que desistiram de ter filhos por temor sobre mudanças climáticas”.

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