O incrível modelo da Sofar Sounds Brasil: as pessoas pagam por shows surpresa, em locais secretos, de artistas que elas não sabem quem são

Renata Reps - 25 set 2014Fernando prepara mais um palco para a seleta audiência do Sofar - que simplesmente não sabe o que vai acontecer
Fernando prepara mais um palco para a seleta audiência do Sofar - que simplesmente não sabe o que vai acontecer
Renata Reps - 25 set 2014
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O anúncio do evento vem por um teaser no Facebook: “Sofar Sounds edição Rio de Janeiro: já se inscreveu? Então não perca tempo porque já está quase lotado!” Quem quer ficar de fora de um evento “quase lotado”? Mas o que era? É provável que tenha a ver com música, você pensa. E quem não gosta de música?

Aí você preenche um formulário de inscrição, pequeno, e no final, recebe apenas um aviso: “Entraremos em contato, aguarde”. Alguns dias depois, um e-mail lhe informa que você foi um dos escolhidos para participar do evento. Mas a revelação ainda não é total. As explicações vêm em conta-gotas:

– Shhhh… Sofar Sounds realiza shows secretos!

– Nós não divulgamos as bandas e artistas antes do evento

– A locação será revelada somente aos convidados confirmados 48h antes do evento

– O processo de seleção é randômico e realizado através do site www.random.org

Do inglês, Sofar é a abreviação de “songs from a room”. Pode parecer improvável, mas o convite para ir a shows surpresa, realizados em locais pequenos e pouco convencionais, como um albergue, a sala da casa de alguém ou um espaço de co-working, tem se mostrado irresistível para um público amante de música que, mesmo bombardeado de informações todos os dias, segue ávido por novidades.

A confirmação da participação no evento vem depois que o interessado paga uma taxa, que varia de 20 a 50 reais. Fernando Remiggi, 31 anos, baterista que trouxe o Sofar Sounds para o Brasil, em 2012, fala sobre a cobrança. “Este valor é uma contribuição que as pessoas fazem para o projeto existir. Não é um ingresso porque, se fosse, seria um show normal e perderia a magia”, diz. “O Sofar tem um modelo colaborativo, ainda não pagamos cachês aos músicos: eles participam por interesse próprio e também pela visibilidade que alcançamos com mídia espontânea à medida em que ficamos mais conhecidos.” O Sofar internacional mantém o princípio de não remunerar os artistas, mas está nos planos dos empreendedores brasileiros conseguir, com o tempo, instituir o pagamento de um cachê.

Fernando nasceu e cresceu em Uberaba, interior de Minas Gerais. Em 2006, foi para Londres estudar Engenharia de Som e Produção Musical e viveu na cidade durante seis anos. Em 2010, seu colega de trabalho o convidou para um evento. “Ele disse que era um show na casa de uma pessoa, num clima intimista, para sentar e escutar música, mas com bandas desconhecidas. Confesso que não me animei muito. Falei que ficava para a próxima.”

UM ESTALO E UMA PROVIDENCIAL CARA DE PAU

Quando o amigo contou o quanto a noite tinha sido incrível, Fernando decidiu que iria na próxima. Foi, sozinho, adorou o evento e todo o conceito em torno dele. Na mesma noite, conheceu o diretor do Sofar, Rafe Offer. “Perguntei de cara: se eu voltar para o Brasil, qual a possibilidade de levar este projeto para lá? Ele me disse para a gente conversar, pois o país estava em seus planos, mas até então ele não tinha conhecido ninguém que tivesse essa disponibilidade”, conta Fernando.

Fernando e a equipe inglesa do Sofar foram a mais quatro eventos juntos para que ele entendesse as características centrais do projeto: pouca gente – no máximo, 100 pessoas por evento. Oportunidade para boas bandas fora do circuito mainstream. Clima introspectivo, com um público realmente interessado em ouvir música. Remuneração livre. Parecia simples, mas no começo não foi fácil.

“Nos primeiros meses, tentamos implantar o modelo internacional, em que o público contribui com quanto acha que o show valeu. Não deu certo. As pessoas davam moedas de 1 real, 50 centavos, e no final não tínhamos caixa para cobrir nem a metade dos custos”

“Nos oito primeiros meses, tentamos implantar o modelo de negócios internacional, em que o público contribuía com quanto acha que o show valeu. Não deu certo. As pessoas davam moedas de 1 real, 50 centavos, e no final não tínhamos caixa para pagar nem a metade dos custos”, conta Fernando.

Até hoje, os únicos países em que o modelo de remuneração livre da Sofar não vingou foram Brasil, México e Índia. Mesmo sendo pagos, no entanto, os eventos realizados no Brasil têm sido superconcorridos: em São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo, os organizadores recebem de 1 200 a 1 500 e-mails de interessados a cada edição, o que cria uma longa lista de espera.

Sofar

Em agosto, a Sofar Rio de Janeiro aconteceu no Templo, o maior espaço de coworking da cidade, na sua sede de Botafogo

“Estudamos muito tempo como chegar a um modelo ideal de cobrança, até que estabelecemos uma parceria com o Sympla”, conta Fernando. A empresa, sediada em Belo Horizonte, é uma plataforma de venda online gratuita estilo self-service: o produtor do evento coordena todas as etapas de venda, cria códigos individuais por ingresso, mede interesse do público e tem margem para adaptar a oferta de acordo com a demanda. A venda acaba 48 horas antes do evento, assim a equipe sabe de antemão quanto terá de gastar com a produção.

“Hoje, temos quatro modalidades de colaboração, com diferentes contrapartidas. Por 20 reais, a pessoa ganha a entrada mais um adesivo. Por 30, um CD com músicas de bandas que já participaram de outras edições do Sofar. Por 40, uma bolsa e por 50 reais um combo com todos esses elementos. Finalmente, conseguimos encontrar um modelo que nos permite pagar os profissionais de som, luz e divulgação envolvidos”, diz Fernando.

EQUIPE ENXUTA, TRABALHO DOBRADO

A equipe Sofar Brasil é formada apenas por Fernando e Dílson Laguna, seu parceiro que fica baseado em São Paulo. Todos os outros profissionais são contratados por evento, conforme estes se pagam e se viabilizam. Os dois são responsáveis pelas atividades no Brasil e pelos planos e parcerias financeiras para que o projeto adquira o status de autossustentável – Londres ainda cobre alguns gastos da operação, embora o faça cada vez menos ultimamente. Fernando cuida da comunicação com os usuários e da divulgação nas redes sociais, e Dílson fica com a parte de branding e marketing.

No ano passado, a Sofar Brasil teve 22 edições. Este ano, já roram 23 edições. Entre elas, os empreendedores destacam os eventos com Marina Machado, Rock Rural (do ator e nova sensação da Rede Globo, Chay Suede), Mustache e os Apaches, Ellen Oléria (vencedora do reality The Voice Brasil) e Tiê.

A pré-curadoria das bandas toma bastante tempo dos dois sócios, que recebem todo mês material de mais de 80 músicos interessados em participar do projeto. Os finalistas são escolhidos pela direção da Sofar, em Londres. Em troca pela participação, as bandas ganham exposição, vídeos de alta qualidade no YouTube, fotos em redes sociais e muito engajamento online (traduzido em volume de hashtags). Intercâmbios com o Sofar em outros países também são uma contrapartida possível, e um fator que atrai os artistas.

Sofar SP

Chay Suede leva seu Rock Rural aos menos de 100 convidados na versão paulistana da Sofar

A sustentação financeira do negócio, no entanto, depende de patrocínios e parcerias. Em 2015, a dupla inscreverá o projeto na Lei Rouanet e em outras iniciativas para incentivos fiscais, e com isso a quantidade de shows poderá aumentar – em Londres acontecem em média quatro eventos por mês, contra um por mês em São Paulo e um a cada dois meses em Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Mas a diferença não assusta a dupla brasileira, já que o conceito, visibilidade e público do projeto têm atraído empresas interessadas em se conectar com o jovem descolado das capitais.

As ações podem ser mais tradicionais ou elaboradas. A Rádio Farm Rio pediu para fazer uma playlist exclusiva com os músicos que tocariam em uma das edições do Sofar. “Durante toda a semana anterior ao evento, eles tocaram artistas que já participaram do Sofar misturados com artistas que iriam participar, sem revelar o nosso mistério característico”, diz Fernando. Parcerias com marcas como a Red Bull, por exemplo, envolvem um freezer customizado cheio da bebida nos eventos. Puma e Adidas também já fizeram ações com o Sofar.

Com o crescimento da procura, o Sofar pôde fazer a primeira edição brasileira de um evento para grande público, chamado Sofar Plus. Aconteceu em junho, no Centro Cultural Rio Verde, em São Paulo, com um público de cerca de 800 pessoas. Doze bandas dividiam dois palcos no melhor clima de festival, mas sem um estilo predominante e apenas com bandas relativamente desconhecidas. Quem foi topou o mesmo esquema de sempre: pagar ingresso sem saber que som vai ouvir.

“Sou o tipo de pessoa que gosta de desafios. Quando decidi trazer este negócio para o Brasil, não sosseguei até ele dar certo”

“Sou o tipo de pessoa que gosta de desafios. Quando decidi trazer este negócio para o Brasil, não sosseguei até ele dar certo. No início eu não tinha contatos, não conhecia ninguém. Foi aí que resolvi fazer um evento teste na minha cidade, uma versão extraoficial do Sofar em Uberaba. Assim, quando cheguei em São Paulo, já tinha ideia dos erros que podia evitar e dos acertos que eram garantidos”, conta.

Depois de edições recentes e bem sucedidas em Belém e Brasília, o Sofar Brasil quer chegar a 12 capitais até o final do ano – atualmente, já realizou eventos em oito. Há muitos pedidos para levar o evento a cidades no interior, mas esse não é o foco por enquanto. No momento, mais novidades estão na mira do Sofar, como disponibilizar um MP3 com as músicas da noite logo após cada edição e finalizar a confecção de um LP com as melhores bandas participantes no mundo inteiro.

Mas isso é o máximo que eles revelam. É que para o Sofar, claro, o mistério continua sendo a alma do negócio.

draft card sofar

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