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Belém do Pará vai parar: conheça o Psica, festival que celebra a música brasileira e a cultura periférica

Paulo Vieira - 1 jul 2025
Os irmãos Jeft (à esq.) e Gerson Dias, criadores do festival Psica (foto: Nay Jinknss).
Paulo Vieira - 1 jul 2025
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A conquista, em maio, do Prêmio Sim à Igualdade Racial 2025, concedido pelo ID_BR (Instituto Identidades do Brasil), foi motivo de festa para os irmãos Jeft e Gerson Dias, criadores do festival Psica, de Belém, um dos grandes eventos musicais da região Norte do Brasil. 

O Sim, segundo seus idealizadores, reconhece pessoas, iniciativas e organizações que atuam pela promoção da igualdade racial, diversidade e inclusão no Brasil. 

Nos últimos anos, o Psica cresceu e hoje ocupa o Mangueirão, principal estádio de futebol do Norte do país (onde são disputados os clássicos entre Remo e Paysandu), além de diversos palcos gratuitos montados no Centro da capital paraense. Mesmo assim, ser reconhecido pelo impacto social, por dar voz e vez a quem está nas periferias – e no caso de Belém, na periferia das periferias –, é, na visão dos dois irmãos, o orgulho que mais lhes faz justiça.

Os dois são, eles mesmos, crias de Ananindeua, cidade-dormitório de Belém, onde seguem a viver, apesar dos perrengues logísticos atrelados a essa decisão. Como disse Gerson Dias, na entrevista por videoconferência ao Draft:

“Nos vemos como o público do nosso festival: sabemos o que as pessoas querem porque somos periféricos como elas. A gente sempre busca entender o que a periferia consome, a periferia é muito musical”

O Sim destacou, como justificativa do prêmio, a “trajetória empreendedora” do duo e a “empregabilidade” gerada pelo evento. Comecemos então pela trajetória: Jeft, 37 anos, e Gerson, 35, são filhos de um camelô que “queimava” CDs piratas para vender. 

Um parêntese para quem chegou à Terra já em tempos de streaming: “CD” é “compact disc”, o formato que substituiu o disco de vinil, mas com a mesma lógica do “álbum”: uma cópia física com um número determinado de músicas, concebida exatamente dessa forma pelo artista. E eram piratas porque, claro, reproduzidos de forma não-autorizada, competindo com os CDs oficiais.

O pai levava os meninos para auxiliá-lo na marreta, nas feiras, e o ambiente misturado, também musicalmente, deu curso à geleia geral que viria a ser a cara do Psica. Mas haveria ainda o tempo das festas organizadas pelos irmãos – algumas (ou muitas) delas para um número irrisório de pagantes. 

As dezenas de festas micadas, porém, não foram suficientes para que eles desistissem. Os irmãos cresceram ouvindo brega, carimbó e indie rock, e levavam essa mistura para seus eventos, batizados no começo de “Dance like hell”. Depois, entre 2014 a 2017, virou o festival Mongoloide. 

O nome era um tributo um single de 1977 do Devo, banda new wave estadunidense que os irmãos curtiam, mas era também um petardo prenhe de incorreção política, do lado errado da cultura woke – que ainda não havia sido exatamente nomeada naquela segunda década do século 21, mas da qual os irmãos organicamente participavam. Gerson relembra: 

“Em 2016 a galera pouco falava de capacitismo, e o festival estava com, sei lá, 4 mil pessoas, isso era muita gente… Entendemos que aquele nome, ‘Mongoloide’, já não cabia mais, dava um desconforto ouvi-lo em matérias de TV e lê-lo em jornais na época do festival”

A mudança para “Psica” – na gíria amazônica, quer dizer algo como “catiça”, nome utilizado para dar azar ao adversário em jogos como o de bola de gude (chamada de “peteca” em paraense) – abriu as portas para os grandes patrocinadores, que chegaram por meio de renúncia fiscal. Neste ano, por exemplo, a Petrobras patrocinará pela terceira vez o evento. 

“O Psica é um festival de referência na região Norte, que promove a diversidade cultural, a inclusão social, a economia criativa, celebra a cultura preta e periférica da Amazônia, adota práticas sustentáveis e gera impacto econômico significativo”, afirmou Ludmilla Brandão, gerente de imprensa da petroleira, justificando ao Draft a opção pelo patrocínio. “Além disso, facilita a conexão entre artistas e produtores, contribuindo para a transformação social e valorização da brasilidade.”

EM DEZEMBRO, O FESTIVAL VAI REUNIR MANO BROWN, MARINA SENA E O ÍDOLO BREGA PARAENSE WANDERLEY ANDRADE

A conexão entre artistas e produtores (uma ironia para quem começou lá atrás no CD pirata) é um dos eixos de atuação do Psica. Os irmãos chegaram a liderar o selo Psica Gang, hoje extinto, dentro da gravadora Warner Music, e gerenciaram carreiras de artistas locais. 

Além do festival, que se desdobra em outros eventos, um deles durante a super concorrida procissão do Círio de Nazaré, em outubro, o foco atual é manter um estúdio para que músicos possam gravar a custo subsidiado – ou a custo zero.

O Psica tem hoje cerca de 40 colaboradores fixos, e na época do festival, em dezembro, chega a empregar temporariamente até 600 pessoas. É um salto em relação aos tempos duros, como no final da Covid, quando a fuga de financiadores gerou uma dívida de cerca de 1 milhão de reais, quitada pelo duo ao parcelar, a perder de vista, os débitos com muitos credores.

​​Segundo Gerson, a entrada dos grandes patrocinadores, como a própria Petrobras e o Nubank (que apoiou o Psica no ano passado, mas decidiu ficar de fora em 2025), ajudou a manter o preço do ingresso acessível e a remunerar melhor a equipe. Isso deve ter contribuído para o prêmio Sim também ter distinguido o Psica por sua “empregabilidade”:

“Procuramos dar mais conforto para a galera que trabalha, criamos inclusive um piso salarial. Se a gente passa a receber um patrocínio bacana, entendemos que é dever devolver isso para a equipe e para os artistas. Todo o ano procuramos melhorar o pagamento” 

Neste ano de COP30, que será sediada justamente em Belém, o Psica decidiu usar como símbolo o(a) dourada, peixe típico dos rios amazônicos, um bagre sem escamas notável por empreender a maior migração de água doce do mundo. E é por percorrer toda a Amazônia, desde os Andes peruanos, que esse peixe traduz as ambições dos irmãos Dias, que veem a região onde vivem como necessariamente inclusiva – a “única do Brasil que incluiu todo mundo”. 

Anunciado no começo de maio, o line up programado para dezembro de 2025 procura dar curso à ideia. Tendo como alguns de seus headliners o rapper Mano Brown, a cantora Marina Sena, a intérprete baiana de R&B e ijexá Melly e o ídolo brega paraense Wanderley Andrade, o Psica segue na pegada multicultural, embora deliberadamente excludente em relação ao sertanejo.

Gerson diz que o gênero, mesmo apreciado também na periferia, tem “incentivo muito grande para se afirmar”, para “tocar em todas as rádios”, o que o coloca numa arena mainstream, oposta à que ele considera que o Psica deve simbolizar. 

Assim, Anitta, Gilberto Gil e Ludmilla, mesmo blockbusters, serão para sempre “Psica”. Idem Poze do Rodo, o funkeiro carioca que recentemente atraiu uma multidão de fãs ao deixar a penitenciária de Bangu, e Djuena Tikuna, artista da etnia tikuna que se apresentou no festival ano passado. Por outro lado, Gusttavo Lima jamais será “Psica”:

“A gente procura englobar o máximo possível de expressões artísticas do Brasil inteiro, eventualmente de outros países também. Deixamos de fora só algo que divirja muito da nossa ideologia primordial. É o caso do sertanejo, por sua força econômica”

Outra coisa que os irmãos não topam é incluir esse ou aquele artista por imposição de patrocinador. “Isso nunca aconteceu”, diz Gerson. “Mas a gente vetaria, caso acontecesse.”

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