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Pequenos, redondos, de brilho opaco. Cada bolinha de açaí guarda um caroço robusto e uma camada fina de polpa que, ao ser extraída, revela o sabor intenso e terroso da floresta. O fruto da palmeira amazônica, colhido em sua maioria no Pará, já ganhou o mundo em forma de creme e suco — mas agora há quem esteja de olho na riqueza e propriedades de sua semente.
A Raízes do Açaí, startup de Belém, viu potencial nesse insumo, que representa 85% do fruto e costuma ser descartado. A startup das sócias Rosilan Farias e Gabriela Alarcón desenvolveu uma bebida funcional e sustentável feita pela infusão das sementes, material rico em fibras e compostos bioativos.
Mais do que inovação em nutrição, a empresa agrega valor à cadeia produtiva do açaí, promovendo a economia circular e contribuindo para preservar a biodiversidade amazônica. Segundo Rosilan:
“A gente quer mostrar para o mundo que o açaí não é só a polpa e tem muito mais para oferecer. A sementinha não é um resíduo, tem um alto valor agregado, não só nutricional, mas socioambiental”
Hoje, a Raízes do Açaí está presente em 12 estados e a franquia Açaí Granola, com mais de 40 unidades, usa a criação da marca em cafés gelados. O produto também é vendido online em sites de parceiros e no e-commerce da empresa em pacotes de 250 gramas (21 reais).
Natural de Macapá, Rosilan, 29, mudou-se aos 14 anos para Belém e sempre foi apaixonada pela cultura amazônica. Em 2019, abriu uma cafeteria e, dois anos depois, criou a Raízes do Açaí movida por uma inquietação.
“Eu via a abundância de sementes do açaí descartadas e pensava: isso não é lixo, é riqueza da floresta”
Para criar o novo negócio, ela se inspirou em um costume popular de comunidades ribeirinhas de Apuá e do Marajó, que usam as sementes para preparar de forma caseira um “substituto” do café. O negócio começou de modo artesanal, com o apoio de um tio que já trabalhava com a cadeia do açaí.

Sementes usadas pela Raízes do Açaí.
Depois, a empreendedora se uniu a Gabriela Alarcón, 24. Filha de um guatemalteco e de uma paraense, ela se mudou para Belém ainda aos 2 anos e formou-se em engenharia ambiental. Na época em que uma amiga comum apresentou as futuras sócias, Gabriela pesquisava o aproveitamento de resíduos agroindustriais.
“Inicialmente me inseri no mercado através de pesquisa com compostos bioativos, com aproveitamento de resíduos da pupunha, tentando trazer um valor agregado para algo que é descartado. E nessa minha minha pesquisa acabei descobrindo o tal café de açaí feito em algumas comunidades ribeirinhas com as sementes do fruto”
A união das duas impulsionou a empresa, que recebeu aportes de editais de fomento e programas de aceleração como Empreende Amazônia; Amazônia em Casa, Floresta em Pé e Jornada Amazônia, do qual Gabriela é inclusive embaixadora de um dos projetos de aceleração. Antes, Rosilan já havia investido 150 mil reais do próprio bolso para tirar a ideia do papel.
A produção começa com a compra de sementes de batedeiras familiares (estabelecimentos que batem o fruto para vender sua polpa), que por sua vez adquirem o açaí de comunidades extrativistas.
As sementes então são limpas, secas, torradas e moídas. “Existe um ponto de torra ideal para que a gente consiga oferecer uma qualidade maior do produto e manter os componentes nutricionais. E isso a gente analisou junto com a torrefadora”, diz Rosilan.
Todos esses processos são feitos com parceiros. O produto final, um pó, pode ser preparado de diferentes maneiras – coado, expresso ou na prensa francesa – e consumido quente ou gelado. Apesar da comparação com o café (vale dizer que a bebida não tem cafeína), as sócias dizem que, por suas propriedades funcionais, a marca está fazendo um rebranding para não ser vista como um “café de açaí”, mas uma infusão. Gabriela destaca:
“Ele tem um processamento muito parecido, assim como a cor, que é resultado da torrefação, mas o gosto é mais semelhante a um chá, ou seja, é uma infusão”
Desde a fundação, a startup já processou mais de 40 toneladas de sementes, evitando o descarte inadequado delas e transformando resíduos em produto de valor. A produção mensal chega a 300 quilos de pó.
Gabriela explica que a infusão da semente de açaí contém polifenóis, como as procianidinas B2, compostos com propriedades antioxidantes e cardioprotetoras (ajudam a promover a elasticidade dos vasos sanguíneos e reduzem a pressão arterial).

O pacote de 250 gramas sai por 21 reais no site da marca
Também é rica em taninos, outro composto polifenólico com ação antioxidante e anti-inflamatória e conhecido por conferir uma sensação adstringente à bebida. Além disso, a infusão tem ação prebiótica por conta da presença da inulina, fibra solúvel que promove o crescimento de bactérias benéficas melhorando a saúde intestinal.
“A gente gosta de destacar esse composto porque já tivemos vários respaldos, inclusive da Unicamp. Pesquisadores da universidade fizeram uma pesquisa muito legal e publicaram um artigo constatando que nosso produto apresenta 16% de inulina”
Por fim, a infusão é rica em nobiletina, um flavonoide encontrado nas cascas de frutas cítricas, como laranjas e tangerinas, que traz um frescor e ao mesmo tem um amargor no estilo do chá mate e tem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e neuroprotetoras.
Gabriela ainda comenta outro benefício: “Os ribeirinhos que já produziam de forma caseira essa bebida dizem que ela ajuda a controlar a diabetes. E esse conhecimento popular está sendo validado na área acadêmica por pesquisas da Universidade Federal do Tocantins que mostram que a infusão tem propriedades benéficas para o controle glicêmico.”
Às vésperas da COP30, que acontece em novembro em Belém, a marca prepara novos blends para serem apresentados ao público: um deles é o Boto Rosa (com sementes de açaí, maçã, hibisco, cranberry, morango e cereja):
“É um blend perfeito para ser consumido com um drink sem álcool ou então num momento mais contemplativo, de relaxamento”
E outro, batizado de Amazon Chai, é uma infusão de sementes de açaí com especiarias (cumaru, gengibre e canela). “Essa é uma versão da bebida mais quente, mais intensa”, diz Rosilan.
Integrante da rede Associação dos Negócios de Sociobioeconomia da Amazônia (Assobio), a Raízes do Açaí participa de ações de visibilidade promovidos pela associação no pré-COP, como vending machines com produtos amazônicos instaladas em hotéis e restaurantes, o que também deve ocorrer no próprio espaço do evento para que os visitantes e autoridades conheçam produtos da biodiversidade local.
“Queremos mostrar a Amazônia e seu potencial como polo de inovação que ajuda a manter a floresta em pé, e também que somos empresas escaláveis e seguras para serem investidas e saírem daqui para o mundo”
Gabriela diz ainda que espera que o que for construído agora traga reflexos para depois da conferência: “Acho que a palavra que vai definir tudo isso é conexão. Esse é um momento único que nós estamos vivenciando, mas o mais importante dele são as conexões que vão ficar e nos trazer depois oportunidades e visibilidade.”
Castanha-do-Pará, cupuaçu, jambu, tacacá. Os sabores que atiçam o paladar e a curiosidade dos visitantes da COP30, em Belém, recheiam os biscoitos da Amazônia no Pote, marca de guloseimas fundada pela amapaense Juliana Montoril.
Em meio à COP30, Bebel Abreu autografa hoje o cordel “Viagem a Belém”, na capital paraense. E conta ao Draft como a Bebel Books, criada há 15 anos como um selo experimental, cresceu, lançou fenômenos de venda e internacionalizou seu catálogo.
A oferta de crédito a empreendedores da Amazônia Legal pode ajudar a conter a devastação da floresta? Lucas Conrado, diretor do Estímulo, conta como o fundo quer fomentar os negócios da região (e, indiretamente, a preservação da natureza).
