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Tokenização da natureza: como a ForestiFi aproxima quem vive da floresta e quem quer investir em cadeias produtivas amazônicas

Dani Rosolen - 27 out 2025 Macaulay Abreu, cofundador da ForestiFi
Macaulay Abreu, cofundador da ForestiFi
Dani Rosolen - 27 out 2025
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De um lado, o barulho dos ouriços das castanhas sendo quebrados nas comunidades ribeirinhas da Amazônia. De outro, o silêncio dos blocos de dados que se formam na blockchain. Entre esses dois mundos, a ForestiFi constrói uma ponte — unindo tecnologia e natureza, investidores e extrativistas, propósito e resultado.

Criada em Manaus por Macaulay Abreu e Glauco Aguiar, a startup usa a tokenização para aproximar quem vive da floresta amazônica de quem deseja investir em um modelo alternativo que traz retorno financeiro, acesso a capital e impacto positivo.

Na prática, a startup converte a fração de um produto da bioeconomia regional — açaí, castanha, cacau, guaraná ou pirarucu — em ativos digitais (tokens da natureza, como chama a ForestiFi), transformando cadeias produtivas locais em oportunidades de renda e conservação ambiental.

Desde o início da operação, em 2024, a ForestiFi já movimentou mais de 2 milhões de reais em ativos, mostrando que é possível gerar valor econômico a partir da floresta em pé.

OS SÓCIOS SE CONHECERAM NO GLOBAL SHAPERS

Natural de Manicoré (AM) e criado em Borba, às margens do Rio Madeira, Macaulay, 30, sempre teve ligação com o campo. “Por influência do meu pai, acabei me mudando para Manaus para cursar Agropecuária — e foi ali que comecei a me envolver com inovação”, conta.

Ainda no fim da faculdade, ele cofundou sua primeira startup, a OniSafra, focada em estruturar cadeias e comercializar produtos da Amazônia. Pouco tempo depois, a empresa foi incorporada pela Navegam, operadora logística multimodal, onde Macaulay seguiu como sócio.

Paralelamente, ele integrava o Global Shapers, iniciativa do Fórum Econômico Mundial, e lá conheceu Glauco, 37, carioca radicado há mais de dez anos em Manaus.

Glauco Aguiar, cofundador da ForestiFi.

Com formação em tecnologia, ele fundou uma escola de robótica para crianças e criou uma das maiores redes de mineração de Ethereum do Norte do país.

“Lá no Global Shapers, a gente tinha muito acesso a informações sobre tecnologias emergentes e trocava muitas ideias”

Foi dessas conversas, iniciadas em 2020, que nasceu a semente da ideia para criar uma empresa capaz de apoiar as cadeias produtivas da floresta usando mecanismos alternativos de investimento. A ForestiFi surgiu no começo de 2024, com o investimento de 500 mil reais dos próprios sócios. 

COMO FUNCIONA A TOKENIZAÇÃO DA FLORESTA

Macaulay explica que o funcionamento da ForestiFi pode ser visto sob duas óticas: a tecnológica e a operacional.

Na camada tecnológica, a startup oferece uma plataforma de tokenização na qual cooperativas, associações ou empresas que compram insumos da bioeconomia podem vincular seus produtos a tokens e vendê-los ao mercado.

“Existe uma curadoria feita pela própria ForestiFi para selecionar esses emissores. Depois, eles cadastram seus projetos, informando o produto tokenizado, de qual região, as taxas, o retorno esperado, os indicadores de impacto e a quantidade de tokens que serão emitidos”

Esses tokens podem ser ofertados publicamente ou em rodadas privadas, com acesso a investidores selecionados — desde pessoas físicas até empresas interessadas em comprar produtos com rastreabilidade. “Essas empresas querem que a gente orquestre toda a cadeia produtiva — do fornecimento à logística e ao beneficiamento — e registre tudo na blockchain”, diz Macaulay.

Após a compra, o investimento segue um ciclo pré-definido. A organização que emitiu o token usa o recurso e, ao fim do período, devolve o valor investido acrescido dos juros acordados, que variam de 1,2% a 1,8% ao mês. Todo o processo é automatizado por smart contracts.

MAIS DO QUE TECNOLOGIA, A BASE É O CUIDADO COM A ORIGINAÇÃO DOS ATIVOS

Por trás da tecnologia, há um trabalho minucioso de originação dos ativos, que garante credibilidade e impacto real às operações.

“A tecnologia blockchain só é eficiente se tivermos bons ativos sendo disponibilizados ao mercado”

Para isso, a equipe da ForestiFi mapeia cadeias produtivas promissoras e realiza diligências jurídicas, financeiras e socioambientais. O objetivo é entender a governança local, a capacidade produtiva, as certificações e o impacto ambiental.

“Dentro dessa lógica, a gente tenta entender, por exemplo, qual o volume de produção que esses grupos possuem, qual a demanda de capital e para o que eles querem esse recurso.” 

Em alguns casos, como na cadeia do pirarucu, o investimento nos tokens não vai direto para os pescadores, mas financia aumentos no valor pago por quilo, a partir de bonificações por qualidade e origem. 

Macaulay cita uma operação feita com grupos da Associação de Produtores do Setor Macopani, em Juruá, (AM), que atuam com cotas de pesca autorizadas pelo Ibama. A compra dos tokens (e dos peixes) é feita pelo restaurante DaSelva, em São Paulo, e a orquestração da venda e coordenação fica a cargo da ForestiFi, com a logística de transporte da Navegam. 

PARCERIAS QUE GERAM IMPACTO

Além da cadeia do pirarucu, outro exemplo de tokenização facilitada pela ForestiFi é a que foi executada com a Zeno Nativo, voltada à comercialização de castanha e cacau comprados de populações tradicionais no Pará. A empresa integra o portfólio da AMAZ, assim como a ForestiFi, que captou este ano 600 mil reais com a aceleradora idealizada pelo Idesam.

Em parceria com ForestiFi, a Zeno transformou 1,8 tonelada de castanha em token, atraindo 82 investidores (114.700 reais) e gerando ganhos para mais de 50 famílias produtoras de castanha do Rio Acará (PA). A ForestiFi também já realizou tokenização de açaí para a Tribo Superfoods e de cacau para a Na’kau.

Atualmente, a startup trabalha com dois modelos de negócio: taxa sobre o valor captado e participação variável no lucro das operações quando atua diretamente na orquestração das cadeias.

O próximo passo, segundo Macaulay, é abrir a plataforma para investidores internacionais. “Queremos permitir que pessoas de fora do Brasil também apoiem cadeias produtivas daqui e ajudem a fortalecer a bioeconomia da Amazônia.”

UM BOM NEGÓCIO PARA INVESTIDORES E PRODUTORES

Ao investir em um token da natureza, com aportes a partir de 25 reais, os investidores apostam em um modelo que combina retorno financeiro previsível e impacto socioambiental.

“A geração de renda para os grupos comunitários tem relação direta com a proteção ambiental. Não faz sentido ter uma floresta abundante e gente vivendo em vulnerabilidade” 

Segundo o empreendedor, a cada 1 real investido, o faturamento das cadeias cresce em média três vezes. Os investidores acompanham o percurso de cada ativo via relatórios e notificações que mostram desde a colheita (ou pesca) e o beneficiamento até a comercialização. 

Já para os produtores, o principal ganho é o acesso a capital de giro — algo raro ou caro na região.

“Isso faz toda a diferença, porque eles deixam de depender de atravessadores e podem escolher para quem vender”

Além disso, a orquestração logística e produtiva feita pela ForestiFi permite que comunidades amazônicas vendam diretamente para grandes centros urbanos, como São Paulo.

DESAFIOS, PLANOS FUTUROS E AS OPORTUNIDADES DA COP30

A ForestiFi enfrenta desafios que são, pouco a pouco, superados com estratégia. Entre eles, a distância dos grandes centros de inovação e a dificuldade de compreensão sobre tecnologias emergentes — obstáculo que a startup busca superar simplificando a linguagem ao abordar termos como tokenização e blockchain.

Outro ponto a ser resolvido é a escalabilidade do negócio:

 “A gente precisa pensar como crescer respeitando a dinâmica social de como essas comunidades vivem e trabalham e também a dinâmica ambiental, ou seja, os ciclos da natureza”

As mudanças climáticas são outro entrave, pois afetam diretamente as cadeias produtivas da Amazônia. “Seja excesso de chuva ou sol, tudo isso influencia muito esse setor produtivo, que é de onde a gente origina os principais ativos.”

Falando em questões ambientais, a ForestiFi foi selecionada pelo programa Hub de Inovação Climática, iniciativa executada pelo Impact Hub São Paulo, para estar na COP30, em Belém, em um espaço onde poderá se conectar a inovadores, investidores e formuladores de políticas. 

A startup também participará de painéis no Festival FIINSA, evento paralelo que reúne startups e líderes de negócios sustentáveis amazônicos, ampliando por meio desses encontros o alcance de seu propósito: “Queremos ser a principal plataforma de investimentos em cadeias produtivas da Amazônia através de mecanismos alternativos”.

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