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No Recife, pedagogia e tecnologia ajudam a formar jovens criativos, autônomos e solidários

Rosi Rico - 18 jun 2018
Alunos na Escola Técnica Estadual Cícero Dias: cursos de Multimídia e Jogos Digitais (crédito: divulgação)
Rosi Rico - 18 jun 2018
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Quatro laboratórios de Informática, um de Física e Matemática e outro para Química e Biologia, mais estúdios de rádio e audiovisual, ilha de edição, além de biblioteca, refeitório e mesas de pingue-pongue e pebolim. A infraestrutura não parece combinar com a ideia de uma escola pública brasileira, mas faz parte, felizmente, da realidade dos alunos da Escola Técnica Estadual Cícero Dias, no Recife.

Hoje, 499 jovens de 14 a 17 anos estudam em tempo integral, das 7h30 às 17h. São dois cursos: Multimídia e Programação para Jogos Digitais, cada um com 90 vagas iniciais e cota de 70% para estudantes oriundos da rede pública. Em 2016, o Idepe (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de Pernambuco) da escola foi de 5.83, enquanto a média geral da rede de ensino do estado ficou em 4.10.

Retratada na série Destino: Educação – Escolas Inovadoras (do Canal Futura, em parceria com o Sesi), a Cícero Dias surgiu em 2006 e integra o Núcleo Avançado em Educação (Nave), parceria entre a Secretaria de Educação de Pernambuco e o Instituto Oi Futuro. O estado provê a alimentação dos alunos e contrata gestores, professores das aulas regulares e funcionários da limpeza; o instituto responde pela manutenção dos espaços físicos e pela contratação dos docentes dos cursos técnicos e dos funcionários da portaria.

Infraestrutura e parcerias público-privadas podem ajudar muito, mas para fazer uma escola inovadora o diferencial precisa estar no projeto pedagógico. A Cícero Dias adota o ensino interdimensional, concepção que prevê o aprimoramento não apenas intelectual, mas físico, emocional, social e cultural dos jovens, promovendo competências (como empatia, cooperação, responsabilidade, autoconhecimento e cidadania) que devem ser incorporadas ao seu cotidiano.

Para desenvolver as atividades propostas, as turmas são divididas em times, que mudam a cada ano e são formados sem base em afinidades pessoais. Uma vez por semana, eles se encontram com o educador-orientador e conversam sobre os rumos do trabalho. O projeto de vida de cada aluno também entra na pauta, o que inclui refletir sobre os sonhos do presente e como construir o futuro profissional.

“O retorno desse modelo é ótimo”, diz Aldineide Queiroz, diretora à frente da escola há sete anos. “Os jovens apontam a maturidade que adquirem no processo, em que precisam entender os colegas para colaborar entre si e atuar em equipe.”

Os alunos são estimulados a participar das decisões da escola. Há monitores para cada disciplina e ambiente (biblioteca, laboratórios etc.), e reuniões quinzenais entre o grêmio estudantil e a diretora. “Damos essa autonomia para eles aprenderem a se posicionar de maneira respeitosa e entenderem a responsabilidade de representar os colegas”, diz Aldineide.

Sara Crosman, diretora-executiva do Oi Futuro, explica que a escola funciona como um laboratório de inovação. Os professores têm quatro horas semanais para se dedicar à pesquisa de práticas pedagógicas; mensalmente, dividem as descobertas com os gestores: “Estimular essas reflexões resulta em uma escola mais dinâmica, fruto de um planejamento coletivo e alinhada com as necessidades dos estudantes.”

A educação segue o modelo maker, “mão na massa”. Todo o processo de ensino e aprendizagem é conduzido com projetos interdisciplinares, que pedem cooperação entre as disciplinas dos cursos regular e técnico (o Ensino Médio aqui é integrado à formação profissional) e resultam na criação de jogos e ferramentas tecnológicas.

Em 2018, a escola está experimentando uma novidade: apresentar dois temas únicos para cada série. Assim, as turmas do primeiro ano estão trabalhando com identidade e processo civilizatório; as do segundo ano, representatividade negra e empoderamento feminino; e as do terceiro, energia e biotecnologia.

“São temas multifacetados e complexos, que podem ser entendidos e trabalhados de maneiras diferentes”, diz Daniel Martins, coordenador pedagógico do ensino técnico.

Até o ano passado, os temas eram definidos por alunos e professores no início do semestre. Em 2017, o grupo de robótica (formado por anseio dos estudantes) criou um sistema para automatizar a rede de ar condicionado do colégio com base na Internet das Coisas, programando-os para ligar e desligar conforme um cronograma de uso de cada sala; um sensor de presença detecta se o ambiente está sendo ocupado fora do horário habitual, acionando o aparelho.

Adotado pela Cícero Dias, o sistema deve gerar uma economia anual de mais de R$ 100 mil reais (e despertou o interesse do Secretário de Educação do Maranhão, que visitou a escola). Outro projeto de destaque é o app Minha Prova, que automatiza a correção de testes de múltipla escolha e gera gráficos de desempenho. Disponível para download gratuito no Google Play, o aplicativo já foi baixado mais de mil vezes.

Em anos anteriores, soluções digitais saíram da cabeça dos alunos para reduzir o desperdício de alimentos, ajudar pacientes com Alzheimer ou orientar jovens sobre educação sexual. São projetos que refletem a preocupação da escola em levar os adolescentes a refletir sobre seu papel como agentes transformadores da sociedade.

Os estudantes são incentivados a participar de eventos externos, como olimpíadas, mostras e festivais de animação, games e empreendedorismo. Em 2015, o jogo Last Drop, sobre o uso consciente da água, levou um grupo de programadoras da Cícero Dias à final mundial da Technovation Challenge, na Califórnia (a competição é promovida pela ONG Iridescent para despertar o interesse de mais mulheres pela área de tecnologia).

Agora, outro grupo de alunas avançou à fase decisiva da etapa brasileira da mesma competição. Elas criaram o aplicativo Her Voice, que funciona como uma rede social da escola que permite às estudantes expôr projetos e engajar outras colegas, fomentando assim a sororidade. “Confesso que nem conhecia o termo. Mas as garotas identificaram que a desunião do próprio gênero as incomodava”, diz Daniel. Além do app, as moças precisaram apresentar um modelo de negócio.

Um episódio interessante ocorreu em março. Ao ver que só três alunas conseguiram vaga numa maratona feminina de desenvolvimento de jogos digitais (o regulamento favorecia quem está no mercado), Daniel propôs a realização um hackaton interno, que mobilizou as alunas durante um fim de semana. Num dos projetos, um jogo de aventura, a protagonista – de visual inspirado na vereadora carioca Marielle Franco – lutava contra monstros simbolizando aflições das mulheres, como o assédio.

“Mesmo que os jogos não tenham ficado todos 100% completos ou tecnicamente incríveis, foi um importante exercício de pensar, desenvolver e finalizar um projeto em apenas dois dias”, diz o professor. “Muitas nem tinham contato entre si, mas como a vontade de fazer era grande, elas se uniram em times e, no fim, todas saíram confiantes de que são capazes de fazer qualquer coisa.”

Os educadores oferecem capacitação para que os alunos transformem os projetos em negócio. As alunas responsáveis pelo Her Voice, por exemplo, cogitam oferecer o app nas redes de ensino, pública e privada. Por ora, porém, ao sair da escola a maioria tem preferido cursar uma faculdade em vez de empreender. E tudo bem.

“A meta principal é formar cidadãos autônomos, competentes e solidários”, diz a diretora Aldineide. O professor Daniel reforça a mensagem: “Não importa a área de atuação escolhida. O objetivo é que, com o aprendizado técnico e humano adquirido aqui, eles sejam capazes de impactar positivamente o mundo.”

***

Para repercutir boas ideias e fomentar a inovação, o projeto Nave lançou, em maio, um e-book com 40 práticas pedagógicas. Que tal transformar conceitos da Física em personagens de quadrinhos? Ou ensinar Química com o preparo de um bolo? O material traz o passo a passo das atividades e conteúdos de referência. Boa leitura!

 

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